Segunda Turma do STF confirma decisão que permite progressão antecipada da pena em razão da pandemia

Por unanimidade de votos, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) referendou a liminar concedida pelo ministro Edson Fachin em que determinou a magistrados do país que reavaliem a situação de detentos do regime semiaberto e verifiquem os que podem ser beneficiados pela Recomendação 62/2020, editada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) com o objetivo de reduzir os riscos epidemiológicos e a disseminação da Covid-19 nas prisões, enquanto durar a pandemia. A confirmação da decisão monocrática ocorreu na sessão virtual do colegiado finalizada em 23/2.

Fachin acolheu parcialmente pedido das Defensorias Públicas da União (DPU) e do Estado do Rio de Janeiro (DPU-RJ) nos autos do Habeas Corpus coletivo (HC) 188820, impetrado em favor de todas as pessoas presas em locais acima da sua capacidade que sejam integrantes de grupos de risco para a Covid-19 e não tenham praticado crimes com violência ou grave ameaça.

Diante da persistência agravada do quadro pandêmico, Fachin determinou que os juízes verifiquem os presos que preenchem esses requisitos. Em caso positivo, devem determinar progressão antecipada da pena aos condenados que estejam no regime semiaberto para o regime aberto em prisão domiciliar. A recomendação não vale para delitos listados na recomendação do CNJ, como lavagem ou ocultação de bens, crimes contra a administração pública, crimes hediondos ou crimes de violência doméstica contra a mulher. A decisão também determina aos juízes e aos tribunais que, ao emitirem ordem de prisão cautelar, concedam prisão domiciliar ou liberdade provisória, ainda que cumuladas com medidas diversas da segregação.

 

Número do Processo

HC 188820

 

Ementa

REFERENDO DE MEDIDA CAUTELAR EM HABEAS CORPUS COLETIVO. PANDEMIA MUNDIAL. COVID-19. GRUPO DE RISCO. SUPERLOTAÇÃO CARCERÁRIA. CRIMES COMETIDOS SEM VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA À PESSOA. RECOMENDAÇÕES DE
ORGANISMOS INTERNACIONAIS. RESOLUÇÃO DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL. SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO. ESTADO DE COISA INCONSTITUCIONAL. APDF 347 - MC. PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO.
PERICULUM IN MORA. ANÁLISE INDIVIDUAL DAS SITUAÇÕES CONCRETAS PELO JUÍZO COMPETENTE. CONCESSÃO EM PARTE DA MEDIDA CAUTELAR

1. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admite a impetração de habeas corpus coletivo para discutir pretensões de natureza individual homogênea

2. A Organização Mundial da Saúde – OMS, em 11 de março de 2020, declarou a epidemia de Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus – Sars-Cov-2, como emergência em saúde pública de importância internacional.

3. A Organização das Nações Unidas – ONU e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos – CIDH, antes ao perigo de propagação da Covid-19 em estabelecimentos prisionais e aos efeitos dessa contaminação generalizada para a saúde pública em geral, recomendaram aos países que, sem o comprometimento da segurança pública, adotassem medidas para reduzir o número de novas entradas nos presídios e para antecipar a libertação de determinadas grupos de preso, dentre eles, aqueles com maior risco para a doença. 

5. A adoção de medidas preventivas à infecção e à propagação do novo coronavírus em estabelecimentos prisionais foi trilhada por diversos países do mundo como os Estados Unidos da América, o Reino Unido e Portugal.

6. No Brasil, o Conselho Nacional de Justiça recomendou aos magistrados e aos Tribunais do País a adoção de medidas com vista à redução dos riscos epidemiológicos. Recomendação n. 62/2020 do CNJ.

7. A Constituição da Federal e a Lei de Execuções Penais asseguram a saúde como direito das pessoas privadas de liberdade, ao mesmo tempo que colocam a assistência à saúde do detento como dever do poder público (art. 196 da Constituição Federal; arts. 10; 11, II; 14; 41, todos da Lei de Execução Penal).

8. O Supremo Tribunal Federal reconheceu o “estado de coisas inconstitucional” do sistema penitenciário nacional, dado que presente um “quadro de violação massiva e persistente de direitos fundamentais”
das pessoas recolhidas ao cárcere decorrente de falhas estruturais e de políticas públicas (ADPF 347 MC, rel. Min. Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgado em 09/09/2015).

9. Os dados trazidos aos autos pelo Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário do Conselho Nacional de Justiça – DMF/CNJ demonstram que o novo coronavírus
representa maior risco para a população prisional do que para a população em geral. 

10. O perigo de lesão à saúde e à integridade física do preso é agravado quando se considera presídios com ocupação acima da capacidade física e detentos pertencentes a grupo de risco para a Covid19.

11. O risco à segurança pública, por sua vez, é reduzido quando se contempla com as medidas alternativas ao cárcere somente àqueles detidos por crimes cometidos sem violência ou grave ameça à pessoa. Juízo de proporcionalidade. Exclusão dos crimes listados no art. 5º-A da Recomendação do CNJ n.º 62/2020 (incluído pela Recomendação n.º 78/2020). Dispositivos constitucionais e normas convencionais assumidas pelo Brasil.

12. A aferição da presença dos requisitos para a concessão das medidas alternativas ao cárcere deve ser feita pelo Juízo de origem em processo específico no qual se assegure o contraditório e a ampla defesa.
Necessidade de comprovação e de análise da realidade sanitária do estabelecimento prisional. Precedentes do STF.

13. Plausibilidade jurídica do pedido e perigo da demora configurados. Medida cautelar deferida em parte. 

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, em Sessão Virtual de 12 a 23 de fevereiro de 2021, sob a Presidência do Senhor Ministro Gilmar Mendes, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em entender configurados a plausibilidade jurídica do pedido e o perigo da demora, deferindo parcialmente a liminar, nos termos do voto do Relator

Brasília, 24 de fevereiro de 2021.
Ministro EDSON FACHIN
Relator