Possibilidade de Instauração de CPI no Âmbito Legislativo Municipal
Sobre a possibilidade de instauração de Comissões Parlamentares de Inquérito no âmbito do legislativo municipal não existem, na doutrina pátria, maiores discussões, considerando que a fiscalização do Poder Executivo é uma das atribuições do Poder Legislativo, em todos os entes federativos.
Com relação a tal possibilidade ser incluída nas Leis Orgânicas Municipais, existe mandamento constitucional expresso que diz: “Art.29, inciso XI. Organização das funções legislativas e fiscalizadoras da Câmara Municipal”.
José Nilo de Castro leciona que, sem prejuízo à demais funções exercidas pelo Poder Legislativo Municipal, a função de controle ou investigatória dos atos do Executivo e de toda a administração pública municipal, ou ainda do setor privado local, mas que tenha influência direta ou indireta no interesse público, merecem ser fiscalizados, e apuradas quaisquer irregularidades. (CAVALCANTI, 2006)
Destaca ainda o mesmo autor que tal investigação parlamentar, quando exercida em âmbito municipal, tende a ser mais eficaz, vez que realizada através de instrumentos mais ágeis, tais como monções, indicações, requerimentos, pedidos de informações e tomadas de conta. (CAVALCANTI, 2006)
O professor Ovídio Rocha Barros Sandoval taxativamente leciona que: “Portanto, como a Comissão Parlamentar de Inquérito é órgão próprio do Legislativo em sua função de investigar, nada existe que impeça sua existência em âmbito estadual e municipal”. (SANDOVAL, 2001, p. 145)
Desta forma, tem-se que as CPIs podem ser instituídas também pela Câmara Municipal, com os vereadores em exercício, para apurar fato de interesse da administração local, irregularidades do Legislativo ou do Executivo e, como já dito, em toda administração direta ou indireta do município e, conforme for apurada a irregularidade, esta poderá ser punida pela própria Câmara (cassação de mandato), ou pela justiça penal (crimes de responsabilidade ou funcionais), ou ainda pela justiça cível (indenização à Fazenda Municipal, anulação de atos ou contratos administrativos e sanções pela prática de atos de improbidade), sem prejuízo da responsabilização e punição dos servidores públicos por meio de procedimento administrativo disciplinar. (MEIRELES, 2003).
Base Legal da CPI Municipal
O poder de instauração de Comissão Parlamentar de Inquérito nasce da prerrogativa do Poder Legislativo de fiscalizar atos do Executivo, seja ele na esfera Federal, Estadual ou Municipal. Dito isso, esta instauração independerá de previsão expressa, isto é, podendo ocorrer mesmo que não haja previsão legal na Lei Orgânica Municipal ou no Regimento Interno da Câmara Municipal.
Segundo Uadi Lammêgo Bulos, “como longa manus do Poder Legislativo Municipal, as comissões especiais de inquérito não necessitam de regulamentação para ser criadas” (BULOS, Uádi Lâmmego apud CAVALCANTI, 2006, p. 99) bastando que a edilidade tome como parâmetro a Carta Federal, arts. 29, caput, e inc. IX, c/c o §3º do art. 58, e certos diplomas normativos infraconstitucionais aplicáveis à espécie.
No entanto, apesar de amplamente aceita pela doutrina, a possibilidade de instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito no âmbito municipal sem que haja previsão expressa desta possibilidade na Lei Orgânica do Município, ressalta Cavalcanti, que a não obrigatoriedade de previsão não importa na inexistência de importância e na boa técnica da expressa previsão legal da matéria pelo Legislativo Municipal, com o objetivo de evitar dúvidas, interpretações distorcidas e para melhor definir o assunto. (CAVALCANTI, 2006)
Autonomia do Legislativo Municipal na Regulamentação da CPI
A autonomia do Poder Legislativo Municipal na regulamentação do instituto da CPI relaciona-se intrisicamente com os princípios da simetria constitucional e da autonomia municipal.
Apesar de aparentemente conflitantes, vez que o princípio da simetria pressupõe que as mesmas regras previstas na Constituição da República devam ser aplicadas aos Estados e Municípios, e o princípio da autonomia municipal em síntese lecionando que os municípios estão aptos a gerir seus próprios negócios dentro de uma esfera delimitada por um ente superior, (SILVA, 1997) tais princípios são complementares.
Vê-se que não são conferidos aos municípios poderes irrestritos para regulamentar as Comissões Parlamentares de Inquérito. Estes devem ter sempre como parâmetro a forma instituída pela Constituição Federal, mas não são obrigados a reproduzir o seu texto na íntegra.
Essa liberdade tem fundamento no art. 29, inc. XI, da Constituição Federal que trata do poder de auto organização das funções legislativas da Câmara Municipal pelos próprios municípios, poder este reconhecido somente na Constituição atual ao lado do auto governo e da auto administração.
Os Poderes e Limites da CPI Municipal
Pode se dizer que tal ponto é o que gera maior polêmica na doutrina e na jurisprudência. Sobre os poderes atribuídos às Comissões Parlamentares de Inquérito em âmbito municipal, não há o que se pode chamar de corrente majoritária.
Para parte da doutrina, a CPI municipal tem poderes idênticos aos conferidos à CPIs formadas pelos legislativos estaduais e federais, mas outra corrente entende que, para os municípios, os poderes são mais limitados.
No entendimento de Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, citado por Juliano Luis Cavalcante, as Comissões Parlamentares de Inquérito no âmbito municipal não possuem poderes próprios de autoridades judiciais. Em suas palavras:
Para nós, desta maneira, as Comissões Parlamentares de Inquérito no âmbito municipal não podem igualar seus poderes aos judiciais, pois, ao assim fazerem, estariam tomando uma competência estadual que não lhe é assinada pela Carta Maior. Estariam, também, igualando suas prerrogativas às dos deputados federais, estaduais e distritais e senadores, numa simetria que não supomos autorizada pelo sistema constitucional. O recurso ao judiciário para adoção de medidas invasivas de direitos individuais, como buscas e apreensões, requisições de documentos, acesso a dados bancários e fiscais, ou mesmo para condução coercitiva de testemunhas nos parece, na hipótese, inafastável. (GONÇALVES, Luiz Carlos dos Santos apud CAVALCANTI, 2006, p. 103)
Embora não deixe claro, o doutrinador Uádi Lâmmego Bulos também coaduna com o pensamento de Luiz Carlos dos Santos Gonçalves acima citado, pois, ao indicar um rol dos poderes pertencentes às Comissões Parlamentares de Inquérito municipais, deixa de citar os que invadem direitos individuais. (CAVALCANTI, 2006)
Já para outra parte da doutrina, os poderes conferidos à CPIs municipais são exatamente os mesmos conferidos à CPIs estaduais, distritais e federais, vez que, para tais doutrinadores, o poder de investigar é próprio ao Legislativo.
Segundo entendimento do professor Hely Lopes Meirelles:
A comissão de inquérito tem amplo poder investigatório no âmbito municipal, podendo fazer inspeções, levantamentos contábeis e verificação em órgãos da Prefeitura e da Câmara, bem como em qualquer entidade descentralizada do Município, desde que tais exames se realizem na própria repartição, sem retirada de livros e documentos, os quais podem ser copiados ou fotocopiados pelos membros ou auxiliares da comissão. [...] Tal poder, sendo inerente a todo órgão legislativo, está difundido desde o Senado Federal até as Câmaras de Vereadores, que, guardada as proporções, e reduzidas quantitativamente suas funções políticas, desempenham assemelhadas atribuições de legislação, de fiscalização e de controle da administração local. (MEIRELLES, 2003, p. 632-633)
Com o devido respeito aos que acreditam que os poderes atribuídos às Comissões Parlamentares de Inquérito municipais são menores àqueles conferidos aos outros entes federativos, nos filiamos à corrente de que as CPIs municipais possuem poderes próprios das autoridades judiciais.
Não nos parece correto dizer que, desta forma, a CPI municipal estaria invadindo uma competência estadual, uma vez que, como já estudado, os poderes atribuídos às Comissões Parlamentares de Inquérito, em qualquer esfera, são meramente de instrução e investigação, e não de julgamento, este último continua reservado ao Poder Judiciário.
Além disso, os poderes “próprios de autoridades judiciais” são atribuídos às CPIs independentemente da existência do Poder Judiciário, não se tratando, portanto, de uma transferência de competência ou poder, mas sim de um outorga constitucional.
Ressalte-se ainda que o município integra o pacto federativo, fazendo parte da República, figurando com a mesma autonomia e independência que cabem aos demais entes, não havendo, de tal modo, que se falar em subordinação entre eles. O Legislativo Municipal tem o direito/dever de organizar-se sem qualquer ressalva.
Embora entendamos que as Comissões Parlamentares de Inquérito municipais possuem os mesmos poderes conferidos às CPIs estaduais e federais, importante se faz a observação do professor Juliano Luis Cavalcanti:
Devido à intensidade mais acalorada dos embates políticos locais, é de bom alvitre que por cautela, e somente por ela, a comissão investigativa recorra ao judiciário quando deparar com a necessidade de medida que invada a intimidade. Isto porque, em virtude desse ingrediente explosivo, o risco de ocorrências de medidas abusivas e desconectadas dos reais princípios investigativos e fiscalizadores se acentuam. (CAVALCANTI, 2006, p. 107)
Não perca a continuação deste artigo: A Comissão Parlamentar de Inquérito no Âmbito Municipal - Parte 2