Compliance e Governança Corporativa

Por Thaís Netto - 09/04/2024 as 16:02

Tanto o conceito de compliance quanto de governança corporativa se relacionam com o desenvolvimento das Tecnologias de Informação e Comunicação. As TIC’s possibilitaram a interligação dos Estados, dos mercados de capitais e financeiros, de reuniões à distância, o compartilhamento de informações, rompendo com a fronteira espaço-tempo, permitindo que investidores comprem ações em diferentes países.

Somado às novas tecnologias, têm-se a globalização e os processos de desregulamentação, de liberalização, de privatização e de internacionalização, que possibilitaram o crescimento do mercado de ações e tem causado reflexos positivos e negativos nas cidades e na vida em sociedade, além de influenciarem as práticas empresariais.

Neste artigo, objetiva-se compreender o contexto de elaboração da governança corporativa, a definição e as características principais. Pretende-se ainda, abordar a relação da governança corporativa com o compliance e as implicações da Lei Anticorrupção na temática apresentada.

O que é governança corporativa e qual é o contexto de elaboração?

O movimento pela governança corporativa começou a despontar na década de 1980 nos EUA, em virtude de abusos de dirigentes de empresas. O caso Texaco foi um dos casos que mais impulsionou o surgimento da governança corporativa e que provocou reações de fundos de pensão.

Em 1984, a diretoria e o Conselho da Administração da empresa indicada, respaldados por uma prerrogativa legal norte-americana, recompraram ações da companhia a um valor bem acima do valor de mercado, com o intuito de evitar a sua aquisição por um acionista minoritário, que era tido como ameaça a posição de diretores e de conselheiros.

Pode-se dizer que as situações de conflitos entre acionistas, administradores e partes interessadas nos negócios organizacionais, provocou a partir da década citada, estudos, alterações legislativas e criação de práticas de gestão, que proporcionam maior cobrança dos administradores.v

Em 1992 foram publicados os primeiros códigos de boas práticas de governança corporativa no mundo, o primeiro na Inglaterra – Relatório Cadbury – e o segundo nos EUA – pela General Motors.

Apesar de tais códigos terem sido desenvolvidos inicialmente por empresas, as práticas de governança também podem ser aplicadas por organizações não empresariais.

No Brasil o tema ganhou destaque na década de 1990. Nessa mesma época o país passou por um processo de liberalização e de internacionalização. Em 27 de novembro de 1995 foi fundado em São Paulo o Instituto Brasileiro de Governança - IBGC - organização sem fins lucrativos.

De acordo com o IBGC, a governança corporativa é o “sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas, envolvendo os relacionamentos entre os sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas”.

Quais os modelos e os principais aspectos sobre a governança corporativa?

O Instituto Brasileiro de Governança Corporativa – IBGC dividiu os sistemas de governança corporativa em dois modelos o Outsider system (acionistas dispersos ou pulverizados e fora do comando diário das operações da companhia) e o Insider system (grandes acionistas no comando das operações diárias).

O primeiro modelo é o do Sistema de governança anglo-saxão – Estados Unidos e Reino Unido. Neste sistema, a estrutura de propriedade é dispersa; o mercado de ações tem um papel importante na economia; ativismo e investidores institucionais de grande porte e foco na maximização do retorno para os acionistas (shareholder oriented).

O segundo modelo é o do Sistema de governança da Europa Continental e Japão. No sistema indicado, a estrutura de propriedade é mais concentrada; existência de conglomerados industrial-financeiros; baixo ativismo e investidores institucionais de menor porte; reconhecimento explícito de outros stakeholders não financeiros.

Frequentemente fala-se nos 8ps da governança corporativa, que englobam os princípios básicos que toda organização precisa ter para se sustentar e progredir. As boas práticas de governança transformam os princípios em recomendações objetivas, que estão alinhadas para otimizar os valores da organização.

Os 8ps da governança corporativa são:

  • A tipologia da propriedade;
  • Os princípios são derivados de códigos de conduta ou de códigos de ética para orientar as diretrizes e políticas corporativas e dos valores que devem prevalecer no mundo dos negócios - senso de justiça (fairness), transparência (disclosure), prestação de contas com responsabilidade (accountability), responsabilidade corporativa - compliance;
  • Os propósitos voltam-se para o máximo retorno total de longo prazo dos shareholders;
  • Segregação de papéis resultante de diferentes atribuições dos proprietários, conselheiros e gestores - os três principais agentes da governança;
  • O poder emana dos proprietários, independentemente do grau de dispersão do capital de controle;
  • As práticas objetivam estabelecer canais fluidos de informação e um sistema de tomada de decisões e acompanhamento das ações decorrentes;
  • As pessoas condutoras do conjunto dos legados e dos objetivos que dão origem e continuidade das operações corporativas;
  • A perpetuidade das companhias, que devem ser sustentadas por bons resultados econômicos, financeiros, sociais e ambientais.

A governança corporativa bem estruturada gera diversos benefícios para a empresa. Além disso, a gestão de riscos é fundamental para a boa governança, já que fornece a garantia para que os objetivos das organizações sejam alcançados.

Conforme indicado anteriormente, a governança não se restringe às corporações e tem sido adotada nos órgãos públicos. No TCU, por exemplo, existem mecanismos de governança, que fazem referência aos princípios da governança corporativa, como o mecanismo de accountability, que objetiva promover transparência, responsabilidade e prestação de contas, bem como, assegurar a efetiva atuação de auditoria interna.

O que é o compliance e quando surgiu? Qual a relação entre a governança corporativa e o compliance?

O termo compliance surgiu em 1950 nos EUA, com a criação da Prudential Securities. Em 1960 a Securities and Exchange Commission (SEC) começou a insistir na contratação de oficiais de conformidade (compliance officers), para criar procedimentos internos de controle, entre outros.

Destaca-se que os programas de compliance surgiram nos EUA com o intuito de prevenir delitos econômicos e empresariais por intermédio de corregulação empresarial e privada.

Em 1980 ocorreu a expansão de atividades de compliance para outras atividades financeiras no mercado norte-americano e, em 1990, várias organizações públicas e privadas começaram a adotar os processos de conformidade.

No Brasil o compliance começou a ser adotado no final da década de 1990. A governança corporativa e o compliance são conceitos diferentes, embora tenham objetivos semelhantes.

A governança corporativa é um conceito amplo que envolve as práticas de compliance, governança de TI, accountability, entre outros.

Para o fundador do Instituto ARC - Auditoria, Riscos e Compliance, Christian Lamboy (2018) o compliance é o dever de cumprir e atuar conforme as diretrizes previstas na legislação, nas normas e nos procedimentos determinados para uma empresa - interna e externamente -, para diminuir riscos relacionados a reputação e aspectos regulatórios.

Conforme indicado pela atual Presidente da Associação Nacional de Compliance – ANACO, Marcos Assi (2018), o compliance é um termo da língua inglesa que se refere ao dever das empresas de promover uma cultura que estimule a todos os integrantes da organização, a ética e o exercício do objeto social de acordo com a lei.

Brevemente, pode-se dizer que o compliance objetiva cuidar da conformidade das regras, já a governança corporativa ordenar a atuação dos gestores e os processos de gestão.

Lei Anticorrupção, transparência e compliance

Em 01 de agosto de 2013 foi promulgada a Lei nº 12.846 de 2013, conhecida como Lei Anticorrupção (LAC) ou Lei da Empresa Limpa, que seguiu os princípios da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OECD e que estabeleceu normas relacionadas à governança corporativa, transparência e compliance.

A referida Lei instituiu a responsabilidade objetiva, administrativa e civil das pessoas jurídicas que praticarem atos que lesionam a administração pública nacional ou estrangeira, atendendo aos seus próprios interesses ou se beneficiando do ato praticado por outrem. Dessa forma, serão responsabilizados todos os que estiverem envolvidos ou forem beneficiados pelas práticas de corrupção, independente de culpa.

Por fim, informa-se que a governança corporativa e os programas de compliance não são suficientes para tornar a organização pública ou privada imune a desvios de conduta e de crises causadas. Entretanto, tais instrumentos podem ser utilizados para combater fraudes e corrupção e, por isso, devem ser cada vez mais aprimorados.