Antes de discorrer sobre os crimes de lavagem de dinheiro e de corrupção, bem como, a utilização de programas de compliance com o intuito de evitar a ocorrência de tais crimes, é importante compreender o contexto de elaboração das leis que criminalizam as situações fáticas indicadas.
Salienta-se que com a globalização e o surgimento das novas tecnologias ocorreu a interligação espaço-temporal dos territórios, que ocasionou mudanças na forma de circulação de dinheiro e de ativos financeiros. Surgem ainda outras formas de dinheiro e de transações financeiras. Tais mudanças alteraram, inclusive, a forma como o crime acontece e os tipos de crime.
É válido destacar que as legislações dos Países apresentam particularidades, por exemplo tipificações e punições diferenciadas, o que muitas vezes faz com que indivíduos que residam em Países com legislação mais avançada e endurecida busquem locais que não possuam uma legislação que abarque tantos tipos penais e elenque duras penalidades.
Neste artigo pretende-se discorrer sobre os crimes indicados e a adoção dos programas de compliance, no intuito de auxiliar no enfrentamento desses crimes.
Aspectos introdutórios
A lavagem de dinheiro possui diversas terminologias, como o branqueamento de capitais, o money laudering, branqueo de capitais, blanqueo de bienes, lavado de dinero, entre outros. A expressão lavagem de dinheiro ou melhor money laudering surgiu na década de 1920 nos EUA, época em que organizações mafiosas aplicavam capitais oriundos de atividades criminosas, como contrabando de bebidas e extorsão em lavanderias e em lava-rápidos.
De acordo com o Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF - o crime de lavagem de dinheiro pode ser definido como o conjunto de operações comerciais ou financeiras, que pretende incorporar na economia de cada país, de modo transitório ou permanente, recursos, bens e valores de origem ilícita, que se desenvolve por intermédio de um processo que envolve três fases independentes.
Brevemente, indica-se que a lavagem de dinheiro é tida como um processo de depuração, em que o dinheiro sujo é transformado em dinheiro limpo. As fases da lavagem de dinheiro são: fase da ocultação / colocação; fase do escurecimento / transformação e a fase da integração / reinversão.
A liberalização dos mercados, a falta de regulação e de fiscalização efetiva, a desregulamentação, o avanço da tecnologia, entre outros fatores que possibilitem a interligação dos mercados e a rapidez nas operações contribuem para que a circulação de capitais no mercado financeiro seja cada vez mais apressada e com difícil fiscalização, o que pode ajudar a ocultar a origem de dinheiro ilícito.
A globalização trouxe muitas mudanças positivas e negativas para a vida em sociedade. Percebe-se que tais mudanças requerem ainda outras respostas para enfrentar a criminalidade econômica, já que as disposições tradicionais do Direito Penal não são mais capazes de enfrentar as dificuldades de um mundo globalizado e a ocorrência de práticas delitivas transnacionais. Dessa forma, torna-se necessário que sejam pensadas outras ferramentas sempre em garantia dos valores democráticos.
Criminal Compliance
O termo compliance surge inicialmente nos EUA em 1950 com o intuito de prevenir delitos econômicos e empresariais. O instituto do compliance significa estar em conformidade com as regras. O compliance officer é caracterizado como o profissional responsável em garantir que todos os regulamentos internos e externos sejam cumpridos.
As práticas de compliance ganharam espaço no mercado financeiro, mas tem se estendido para as diversas organizações, já que o compliance se desenvolve no ambiente de controle da organização fortalecendo a ética, a integridade, a competência, a estrutura organizacional e o suporte da alta administração.
Além disso, a expressão criminal compliance pode ser entendida como o sistema de avaliação das condutas praticadas nas atividades da empresa, com o intuito de evitar a violação de normas criminais e a prática de crimes contra a empresa. O criminal compliance é uma ferramenta de prevenção penal e de combate às organizações criminosas.
A cooperação internacional é muito importante no enfrentamento da criminalidade econômica no mundo globalizado. Em 1988 foi assinada a Convenção das Nações Unidas para Repressão do Tráfico Internacional de Entorpecentes ou Convenção de Viena de 1988, em que os países signatários incluindo o Brasil, se comprometeram a tipificar na legislação interna a conduta de lavar dinheiro.
Em 1989 por iniciativa do G7 foi criado o Grupo de Ação Financeira (GAFI/FATF), organismo intergovernamental que pretende unir as unidades de inteligência financeira de diversos países e monitorar a aplicação das medidas legais no combate à lavagem de dinheiro.
Outro ponto importante é a Diretiva nº 2001 de 28 de dezembro de 1997, do Conselho das Comunidades Europeias, que dispõe sobre a prevenção da utilização do sistema financeiro para a lavagem de dinheiro e outros acordos paralelos entre países.
No Brasil a criminal compliance surge com a Lei nº 9.613 de 03 de março de 1998 e com a Resolução nº 2.554 de 1998 do Conselho Monetário Nacional. A Lei indicada tornou crime a conduta de ocultar ou dissimular a origem de bens produtos de crime, de acordo com o compromisso assumido na Convenção de Viena de 1988.
A referida Lei criou o Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF, que começou a funcionar em 1999. Segundo a Cartilha do Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF - Lavagem de dinheiro - um problema mundial - alguns setores são muito utilizados no processo de lavagem de dinheiro, como as Instituições financeiras, Paraísos Fiscais e Centros offshore, Bolsa de Valores, Companhias Seguradoras, Mercado Imobiliário e Jogos e Sorteios.
Em 2012 foi publicada a Lei Federal nº 12.683, que alterou previsões da já citada Lei nº 9.613 de 1998, que instituiu o crime lavagem de dinheiro. A Lei de 2012 ampliou e modificou as pessoas portadoras dos deveres de compliance.
O artigo 9º da Lei nº 9.613 de 1998 com alterações da Lei nº 12.683 de 2012 indica que os deveres de compliance se estenderão, sem distinção, às pessoas físicas e jurídicas, que em caráter permanente ou eventual, como atividade permanente ou acessória, exercerem a captação, a intermediação e a aplicação de recursos financeiros de terceiros em moeda nacional ou estrangeira; a compra e venda de moeda estrangeira ou ouro como ativo financeiro ou instrumento cambial, entre outras atividades.
O artigo 10 também com a redação da Lei nº 12.683 de 2012 aponta os deveres de compliance entre eles, que as pessoas físicas e jurídicas do artigo 9º deverão identificar seus clientes e manter o cadastro atualizado de acordo com as instruções emanadas pelas autoridades competentes.
O artigo 10 da Lei de Lavagem de Dinheiro estabelece o dever de vigilância e o artigo 11 o dever de comunicação às autoridades competentes. No ano seguinte em 2013 foi ampliada a Lei de Lavagem de Dinheiro e foram editadas a Lei Anticorrupção nº 12.846 e a Lei do Crime Organizado nº 12.850.
Corrupção, sonegação fiscal e tributação desigual
A corrupção é vista como grave problema no mundo. Segundo dados da Organização das Nações Unidas - ONU R$ 10,7 trilhões (10% do PIB Mundial) são roubados com corrupção.
Destaca-se que a sonegação fiscal e a tributação desigual também trazem muitos prejuízos aos cofres públicos do Brasil. Conforme notícia publicada na Rede Brasil Atual, na data de 23 de junho de 2017, de acordo com o pesquisador Gabriel Casnati da Internacional de Serviços Públicos - ISP, “as perdas do Brasil por causa da sonegação de impostos correspondem a um valor sete vezes maior do que é desviado por corrupção”.
Ainda com base em pesquisa do ISP, informa-se que a má tributação também é um grande problema, uma vez que há desigualdade na maneira como os tributos recaem sobre a população. Os pobres pagam mais impostos do que os ricos. Ao taxar muito quem tem pouco e pouco quem tem muito são diminuídas as verbas que poderiam ser utilizadas para proporcionar um serviço público com qualidade.
Percebe-se que com a globalização, os processos de desregulamentação e de liberalização, o comércio internacional e as transações financeiras sofreram mudanças, que em alguns casos facilitam, inclusive, a ocorrência de crimes de lavagem de dinheiro. Para enfrentar a criminalidade econômica argumenta-se sobre a importância da cooperação internacional.
Torna-se um desafio buscar medidas que dificultem a ocorrência de lavagem de dinheiro e de corrupção. A questão da justa tributação também merece atenção, embora não seja o tema específico deste artigo, é importante ser mencionada, uma vez que assim como a corrupção e a sonegação de impostos contribui para a diminuição das verbas públicas, que poderiam ser utilizadas na garantia de serviços públicos com qualidade.
Conforme delimitado anteriormente, o Brasil criou a Lei de Lavagem de Dinheiro em 1998, que teve os dispositivos alterados pela Lei nº 12.683 de 2012. No ano seguinte foram elaboradas a Lei Anticorrupção e a Lei das Organizações Criminosas.
Diante do exposto, indica-se que o criminal compliance tem sido apontado como uma alternativa na prevenção da ocorrência dos crimes indicados. Salienta-se que todas as medidas e as leis que forem criadas devem preservar os valores democráticos, os princípios do contraditório, da ampla defesa, da presunção de inocência, entre outros, que são garantias históricas conquistadas e que não podem ser ignoradas no âmbito dos programas de compliance. Além disso, ao buscarem alternativas devem ter cuidado para que não ocorra a privatização da investigação criminal e o desrespeito aos valores indicados.