Direito à Saúde Durante a Pandemia da COVID-19

Por Lucas Varella Silva - 16/12/2021 as 11:20

O direito à saúde foi inserido no seio da Constituição Federal de 1988 no título destinado à ordem social, eleito pelo constituinte como de peculiar importância, visto que lhe foi deferido capítulo próprio, embora não se desmereça a importância dos demais direitos sociais, todavia, a saúde demandou um cuidado especial, eis que está intimamente atrelada ao direito à vida, manifestando a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana. 

O Estado ao reconhecer o direito à saúde como um direito social fundamental obrigou-se a assegurá-lo por meio de prestações positivas exteriorizadas em forma de políticas públicas destinadas à sua proteção. Tal proteção encampada pelo constituinte seguiu as diretrizes trazidas pelo Direito Internacional, eis que saúde não só significa ausência de doenças ou enfermidades, mas também abrange um completo estado de bem-estarfísico, mental e social, possuindo caráter promocional, preventivo e curativo. 

Além disso, o direito à saúde é primordial para a fruição dos demais direitos fundamentais, uma vez que saúde é necessidade essencial de todo ser humano e sem ela seria impossível, ou ao menos dificultoso, gozar dos demais direitos e liberdades fundamentais. Conforme explica o professor Dalmo de Abreu Dallari

“Assim, pois, na realidade do início do século vinte e um a reflexão sobre a ética sanitária é uma necessidade óbvia e irrecusável. A saúde, reconhecida e proclamada como direito fundamental da pessoa humana, é necessidade essencial de todos os indivíduos e também de todas as coletividades. A consideração de critérios éticos torna-se absolutamente necessária, para que a saúde de todos os seres humanos esteja entre as prioridades na utilização dos recursos disponíveis, bem como para que os avanços da ciência e da tecnologia, quando verdadeiros, tenham como parâmetro de validade o benefício da pessoa humana. Só o relacionamento da saúde com a ética poderá impedir que, sob pretexto da promoção ou do aproveitamento daqueles avanços técnicos e científicos, sejam impostos graves prejuízos à saúde de milhões de seres humanos ou sejam efetivadas práticas contrárias à saúde que levem à degradação de toda a humanidade." (DALLARI, 2003, p. 62-81)

A importância do tema é evidenciada ao analisar o conceito amplo de saúde trazido pela Constituição Federal em seu artigo 196 veja: “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

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Logo, trata-se de um verdadeiro direito-dever, visto que o direito à saúde é pertencente a toda coletividade indistintamente, cabendo ao Estado o dever de elaborar políticas sociais e econômicas que garantam o acesso universal e igualitário às ações e serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde. Pelo exposto, é direito do cidadão:

obter do Estado prestações positivas, as quais, pela importância que detém, ultrapassam o campo da discricionariedade administrativa para uma inafastável vinculação de índole e força constitucionais, de modo que as pautas de atuação governamental estabelecidas no próprio seio da Lei de Outubro, jamais poderão ser relegadas a conceitos de oportunidade ou conveniência do agente público, eis que não podem transformar-se em mero jogo de palavras, pois, como visto, são indispensáveis à manutenção do “status” de dignidade da pessoa humana (BAHIA, 2010).

Assim, no tocante ao direito à saúde, a Constituição Federal de 1988, por meio dos artigos 198 a 200, atribuiu ao Sistema Único de Saúde (SUS) a coordenação e a execução de políticas públicas tendentes a promover a saúde no Brasil de forma igualitária e universal, prevendo a criação de uma estrutura organizacional e indicando as diretrizes e os objetivos desse órgão administrativo - SUS. 

Com isso, a Lei Federal 8.080, de 19 de setembro de 1990 foi criada para regulamentar o texto constitucional, dispondo sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, bem como as atribuições e funcionamento do Sistema Único de Saúde. Outro diploma legal de suma importância que regulamenta o direito à saúde no Brasil é a Lei Federal 8.142, de 28 de dezembro de 1990, que trata sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde, bem como as transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde.

Todavia, convém esclarecer que o Estado não pode e nem deve ser o único garantidor do direito à saúde, embora se reconheça o seu papel principal em tal garantia. Consoante afirmam Sarlet e Figueiredo, “toda a sociedade é também responsável pela efetivação e proteção do direito à saúde de todos e de cada um, no âmbito daquilo que Canotilho denomina de uma responsabilidade compartilhada (shared responsibility), cujos efeitos se projetam no presente e sobre as futuras gerações” (SARLET, 2008, p. 7).

Outrossim, o direito à saúde não só se restringe aos aspectos individuais do cidadão, mas também a aspectos que dizem respeito a toda a coletividade, pois quanto mais saudável os indivíduos de uma comunidade, mais saudável será a própria a comunidade, verificando, portanto, uma verdadeira relação de dependência entre a saúde individual e a saúde coletiva. Assim, consoante ensina Sueli Dallari,

a saúde não tem apenas um aspecto individual e, portanto, não basta que sejam colocados à disposição das pessoas todos os meios para a promoção, proteção ou recuperação da saúde para que o Estado responda satisfatoriamente à obrigação de garantir a saúde do povo. Hoje os Estados são, em sua maioria, forçados por disposição constitucional a proteger a saúde contra todos os perigos. Até mesmo contra a irresponsabilidade de seus próprios cidadãos. A saúde “pública” tem um caráter coletivo. O Estado contemporâneo controla o comportamento dos indivíduos no intuito de impedir-lhes qualquer ação nociva à saúde de todo o povo (2003, p. 47).

Portanto, é notório que o direito à saúde deve ser tutelado tanto em seu aspecto individual, quanto em seu aspecto social, sendo certo que em um contexto pandêmico sua proteção ganha ainda mais peso como medida assecuratória de proteção da coletividade.