Introdução
Sylvio Motta afirma que a dignidade da pessoa humana é preceito basilar que impõe o reconhecimento de que o valor do indivíduo, enquanto ser humano, prevalece sobre todos os demais. Não é à toa que é um dos fundamentos de nossa República, previsto no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal.
No entanto, muitos questionam sobre o que torna uma vida digna.
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Segundo Ingo Sarlet, “uma das principais dificuldades, todavia — e aqui recolhemos a lição de Michael Sachs —, reside no fato de que no caso da dignidade da pessoa, diversamente do que ocorre com as demais normas jusfundamentais, não se cuida de aspectos mais ou menos específicos da existência humana (integridade física, intimidade, vida, propriedade, etc.), mas, sim, de uma qualidade tida como inerente a todo e qualquer ser humano, de tal sorte que a dignidade — como já restou evidenciado — passou a ser habitualmente definida como constituindo o valor próprio que identifica o ser humano como tal”.
Para o autor Konder Comparato, “a dignidade da pessoa não consiste apenas no fato de ser ela, diferentemente das coisas, um ser considerado e tratado como um fim em si e nunca como um meio para a consecução de determinado resultado. Ela resulta também do fato de que, pela sua vontade racional, só a pessoa vive em condições de autonomia, isto é, como ser capaz de guiar-se pelas leis que ele próprio edita”.
Dimensões da dignidade da pessoa humana (segundo Ingo Sarlet)
Ontológica
Segundo Jorge Miranda, “pela dimensão ontológica, o valor da pessoa humana exige respeito incondicional por si só, não sendo relevantes os contextos integrantes nem as situações sociais que ela se insira. Embora a pessoa viva em sociedade, sua dignidade pessoal não pode ser sacrificada em nome da comunidade que esteja envolvida, porque a dignidade e a responsabilidade pessoais não se confundem com o papel histórico-social do grupo ou da classe que ela faça parte”.
Ainda, conforme o autor Ingo afirma, a dignidade independe das circunstâncias concretas, já que inerente a toda e qualquer pessoa humana, visto que, em princípio, todos — mesmo o maior dos criminosos — são iguais em dignidade, no sentido de serem reconhecidos como pessoas — ainda que não se portem de forma igualmente digna nas suas relações com seus semelhantes, inclusive consigo mesmos.
Ou seja, a dignidade é um valor absoluto, que sobrevém em todas as pessoas, mesmo daquelas que cometem as ações mais indignas e infames, não poderá ser desconsiderada.
Dimensão comunicativa e relacional
Ingo Sarlet inicia afirmando que “não há como desconsiderar a necessária dimensão comunitária (ou social) desta mesma dignidade de cada pessoa e de todas as pessoas, justamente por serem todos reconhecidos como iguais em dignidade e direitos (na iluminada fórmula da Declaração Universal de 1948) e pela circunstância de, nesta condição, conviverem em determinada comunidade, sustenta uma dimensão intersubjetiva da dignidade partindo da situação básica do ser humano em sua relação com os demais (do ser com os outros), ao invés de fazê-lo em função do homem singular, limitado a sua esfera individual, sem que com isto — importa frisá-lo desde logo — se esteja a advogar a justificação de sacrifícios da dignidade pessoal em prol da comunidade, no sentido de uma funcionalização da dignidade.
Dimensão cultural
Hoffe conceitua:
“A dimensão cultural da dignidade da pessoa humana concebe as formas e as condições como a dignidade humana é inserida por cada grupo social no decorrer da história. Ganham destaque as peculiaridades culturais e suas práticas, variáveis no tempo e no espaço, buscando-se uma compreensão ética dos intuitos de cada grupo social, a fim de se construírem significados que tenham capacidade de serem entendidos interculturalmente”.
Ingo Sarlet reflete que “há quem aponte para o fato de que a dignidade da pessoa não deve ser considerada exclusivamente como algo inerente à natureza humana (no sentido de uma qualidade inata pura e simplesmente), isto na medida em que a dignidade possui também um sentido cultural, sendo fruto do trabalho de diversas gerações e da humanidade em seu todo, razão pela qual as dimensões natural e cultural da dignidade da pessoa se complementam e interagem mutuamente, guardando, além disso, relação direta com o que se poderá designar de dimensão prestacional (ou positiva) da dignidade”.
Dimensão negativa e prestacional
Segundo Ingo, sustenta-se que “a dignidade possui uma dimensão dúplice, que se manifesta enquanto simultaneamente expressão da autonomia da pessoa humana (vinculada à ideia de autodeterminação no que diz com as decisões essenciais a respeito da própria existência), bem como da necessidade de sua proteção (assistência) por parte da comunidade e do Estado, especialmente quando fragilizada ou até mesmo — e principalmente — quando ausente a capacidade de autodeterminação. Assim, de acordo com Martin Koppernock, a dignidade, na sua perspectiva assistencial (protetiva) da pessoa humana, poderá, dadas as circunstâncias, prevalecer em face da dimensão autonômica, de tal sorte que, todo aquele a quem faltarem as condições para uma decisão própria e responsável (de modo especial no âmbito da biomedicina e bioética) poderá até mesmo perder — pela nomeação eventual de um curador ou submissão involuntária a tratamento médico e/ou internação — o exercício pessoal de sua capacidade de autodeterminação, restando-lhe, contudo, o direito de ser tratado com dignidade (protegido e assistido)”.
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Dimensão processual
Ingo Sarlet afirma que “tal dimensão processual da dignidade humana é importante, pois cada vez mais a dignidade de certos seres humanos é violada, exposta e desprotegida, seja pelo aumento assustador da violência contra a pessoa, seja pela carência social, econômica e cultural ou pelo crescente comprometimento das condições existenciais mínimas para uma vida com dignidade e, destarte, de uma existência com sabor de humanidade”.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
COMPARATO, Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos, p. 17;
HÖFFE, Otfried. A democracia no mundo de hoje. Trad. Tito Lívio Cruz Romão. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 77-78; BAEZ, Narciso Leandro Xavier. A morfologia dos direitos fundamentais e os problemas metodológicos da concepção de dignidade humana em Robert Alexy. Cit. p. 65;
MIRANDA, Jorge. A Constituição Portuguesa e a dignidade da pessoa humana. Revista de Direito Constitucional e Internacional, vol. 45, 2003. p. 190-191;
MOTTA, Sylvio. Direito Constitucional: Teoria, Jurisprudência e Questões. Editora Campus Concursos, 2013, p. 168;
SARLET, Ingo Wolfgang. As Dimensões da Dignidade da Pessoa Humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível, p. 7, 10, 14 e 16;
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana: notas em torno da discussão sobre o seu caráter absoluto ou relativo na ordem jurídico-constitucional. Cit. p. 99;
SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais, p. 38-9.