Neste artigo da série sobre direito à saúde, faremos uma análise das restrições dos direitos daqueles que se encontram no sistema prisional, inclusive do direito à saúde.
Apesar de haver inúmeras leis que assegurem os direitos dos apenados, a realidade do sistema prisional brasileiro está longe de cumprir o que é assegurado por lei, demonstrando sua ineficiência em razão de vários fatores que tornam as casas prisionais ineficientes no seu papel de ressocialização, sendo um destes a superlotação e as condições subumanas em que os presos são submetidos, ocasionando um efeito reverso do que deveria acontecer, o aperfeiçoamento de crimes e as posteriores reincidências.
A falha estrutural das unidades prisionais é um dos fatores que ocasionam a superlotação, ocorrendo a locação dos presos em locais inadequados que estão previstos na norma, visto que a Lei de Execução Penal prevê a existência de penitenciárias, colônias agrícolas, industriais ou similares, casa de albergado, centro de observação, hospital de tratamento psiquiátrico e a cadeia pública; todas essas com uma destinação diferente de acordo com cada caso.
A penitenciária destina-se ao condenado à pena de reclusão em regime fechado; a colônia agrícola, industrial ou similar destina-se ao cumprimento da pena em regime semiaberto; a casa do albergado destina-se ao cumprimento de pena privativa de liberdade, em regime aberto, e da pena de limitação de fim de semana; o centro de observação realizar-se-ão os exames gerais e o criminológico; o hospital de custódia e tratamento psiquiátrico destina-se aos inimputáveis e semi-imputáveis que são definidos no Código Penal, e por fim a cadeia pública destina-se ao recolhimento de presos provisórios.
No entanto, não há o cumprimento dessas divisões, ocasionando no acumulo de prisões feitas de forma errônea ao que deve ser feita, por parte da omissão estatal para que seja possível ter as estruturas necessárias.
Segundo aponta Renato Marcão (2007) importa destacar, que esse recolhimento em local inadequado não implica em coação ilegal, pois decorre do congestionamento do sistema, ou seja, motivo de força maior. (MALLMANN, Bárbara 2005, p. 35).
Sendo assim, a própria doutrina reconhece a falha do poder público em colocar em prática a Lei de Execuções Penais por falta de estrutura que atenda a população carcerária, não podendo o judiciário por sua vez alegar qualquer ilegalidade nas prisões que são feitas de formas errôneas, visto que seria impossível cumprir o que está positivado na LEP, visto que na prática não há o que é determinado pela lei.
Diante do exposto, podemos ver o distanciamento da teoria da prática na manutenção de direitos da população prisional, sendo também um exemplo a previsão do art. 88 da Lei de Execuções Penais que dispõe que nas penitenciárias o indivíduo deverá ser alojado em cela individual, devendo conter um dormitório, aparelho sanitário e lavatório, devendo ser salubre o ambiente com isolação e condicionamento térmico adequado à existência humana, com área mínima de 6,00 m² (seis metros quadrados), esta não é de fato a realidade das penitenciárias brasileiras, visto que há o excesso dos limites, fazendo com que haja a violação dos principais direitos fundamentais.
Wacquant, citado por Carolina Kirst (WACQUANT, 2001 apud KIRST, 2010, p. 11) enumera algumas das várias privações que os detentos sofrem:
[…] Negação de acesso à assistência jurídica e aos cuidados elementares de saúde, cujo resultado é a aceleração dramática da difusão da tuberculose e do vírus HIV entre as classes populares; violência pandêmica entre os detentos, sob forma de maus-tratos, extorsões, sovas, estupros e assassinatos, em razão da superlotação superacentuada, da ausência de separação entre as diversas categorias de criminosos, da inatividade forçada (embora a lei estipule que todos os prisioneiros devam participar de programas de educação ou de formação) e das carências da supervisão.
Sendo assim, o indivíduo que se encontra em uma situação de preso além de perder o seu direito de ir e vir, o que já é o suficiente para lhe tirar a dignidade, perde demais direitos que o diminuem como ser humano, como melhor diz nas palavras de HULSMAN:
Privar alguém de sua liberdade não é coisa à toa. O simples fato de estar enclausurado, de não poder mais ir e vir ao ar livre ou onde bem lhe aprouver, de não poder mais encontrar quem deseja ver – isto já não é um mal bastante significativo? O encarceramento é isso. Mas, é também, um castigo corporal. Fala-se que os castigos corporais foram abolidos, mas não é verdade. [ …] a privação de ar, de sol, de luz, de espaço; o confinamento entre quatro paredes; o passeio entre grades; a própria promiscuidade com companheiros não desejados em condições sanitárias humilhantes; o odor, a cor da prisão, as refeições sempre frias onde predominam as féculas – não é por acaso que as cáries dentárias e os problemas digestivos se sucedem entre os presos! Estas são provações físicas que agridem o corpo, que deterioram lentamente.
A perda de todos esses direitos que tiram o ser humano de seu estado de ser humano, é inverso do propósito da prisão, visto que a criminalidade não deixa de ser a falha do Estado em fornecer certos amparos sociais, fornecendo tardiamente em forma de reparo o que não foi fornecido antes quando o indivíduo encontra-se na prisão. No entanto, com todas essas falhas no sistema prisional, o indivíduo não sai pronto para ser ressocializado de modo que não venha mais cometer crimes, não há uma reabilitação social e moral, mas sim uma retirada de todos os direitos assegurados constitucionalmente e internacionalmente na legislação de Direitos Humanos a qual o Brasil faz parte.
Insta salientar que quando ocorre a prisão de uma pessoa, pela lógica, este já não consegue suprir sozinho necessidades básicas como a própria alimentação, cuidados com a saúde, higiene e etc. Assim, deve o Estado fornecer o básico para estes cidadãos encarcerados tenham o mínimo de dignidade. No entanto, diante da realidade de nosso sistema prisional, vemos que inúmeros direitos são violados, inclusive o direito a VIDA.
Ou seja, há o acumulo de perda de tantos direitos que por vezes resultam na perda do direito à vida, ocasionam na ausência total da aplicação dos direitos humanos.
A perda do direito de ir e vir ocasiona na vida do preso a perda de tantos outros direitos sociais assegurados, visto que enquanto está sob o poder do estado, sob a tutela estatal, este não consegue prover sozinho suas necessidades.
Nas palavras de Luigi Ferrajoli, o mesmo faz uma consideração do que se trata os direitos da pessoa humana:
Direitos Humanos aqueles que pertencem a todas as pessoas e os subdivide em: Direitos civis - direito a igualdade perante a lei; o direito a um julgamento justo; o direito de ir e vir; o direito à liberdade de opinião; entre outros. Direitos políticos -direito à liberdade de reunido; o direito de associação; o direito de votar e de ser votado; o direito de pertencer a um partido político: o direito de participar de um movimento social, entre outros. Direitos sociais - direito à previdência social; o direito ao atendimento de saúde e tantos outros direitos neste sentido. Direitos culturais – direito à educação; o direito de participar da vida cultural; o direito ao progresso científico e tecnológico; Direitos econômicos - direito à moradia; o direito ao trabalho; o direito à terra: o direito às leis trabalhistas; Direitos ambientais -direitos de proteção, preservação e recuperação do meio ambiente, utilizando recursos naturais sustentáveis (FERRAJOLI, 1998, p. 17).
Sendo assim, por óbvio alguns direitos ficarão suspensos em virtude da privação do direito de ir e vir diante da situação de cárcere, até que o indivíduo seja solto e possa voltar a desfrutar de todos os direitos que trazem a dignidade da pessoa humana, no entanto alguns direitos são fundamentais não podendo o Estado se ocultar de fornecer o básico para esse atendimento.
Sendo assim, não há como permitir que presos fiquem sem o acesso ao direito à saúde, direito este que interfere diretamente na vida do preso, a ausência desse direito social ocasiona dor, sofrimento, podendo levar a morte, interferindo também na vida de pessoas que não diretamente estejam em situações carcerárias, mas que mantém algum tipo de vínculo ou contato com esse indivíduo. Os resultados podem tanto ser físicos como a transmissão de doenças, como também podem ser psicológicos, pois o familiar acaba sofrendo a humilhação junto com o preso.
É o que dispõe o artigo 38 do Código Penal afirma que “O preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral” (CODIGO PENAL, 1972).
Assim, a perda do direito de ir e vir não deveria refletir na perda dos demais direitos assegurados, o preso não pode pagar pelo crime perdendo todos os seus direitos humanos, seria uma punição além do previsto legalmente que até então seria apenas o direito de ir e vir o que já é uma punição grave demais.
O princípio da dignidade da pessoa humana assegura e determinam os contornos de todos os demais direitos fundamentais. Quer significar que a dignidade deve ser preservada e permanecer inalterada em qualquer situação em que a pessoa se encontre. A prisão deve dar se em condições que assegurem o respeito à dignidade. (BARROS, 2001).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
KIRST, Carolina Pereira. O princípio da dignidade humana frente ao sistema prisional brasileiro: graves omissões e contradições em relação à legislação vigente. Destaques Acadêmicos, v. 2, n. 10, 2010.
MALLMANN, Bárbara Moreira. Violação dos direitos dos apenados: uma análise do precário sistema prisional brasileiro. Monografia (Graduação em Direito) – Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2015.