O Efeito Vinculante das Decisões do Supremo Tribunal Federal

Analisando o impacto incontestável das decisões do Supremo Tribunal Federal: Uma abordagem crítica e detalhada.

Por Amanda Barcellos - 12/04/2024 as 19:36

O efeito vinculante, inerente, sobretudo, às decisões proferidas em controle de constitucionalidade abstrato, ou seja, efetuado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela Emenda Constitucional nº 3, de 17 de março de 1993, que acrescentou o §2º ao artigo 102, da Constituição Federal. Esse dispositivo previa que tal efeito se referia às Ações Declaratórias de Constitucionalidade. No entanto, tendo em vista o caráter dúplice da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) e da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), o STF acabou estendendo, jurisprudencialmente, o efeito vinculante também à ADI. Somente com a Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999, e posteriormente com a Emenda Constitucional nº 45, de 31 de dezembro de 2004, é que o efeito vinculante passou a vigorar, expressamente, para as Ações Diretas de Inconstitucionalidade.

Apesar de plenamente inserido no texto constitucional, o instituto do efeito vinculante não é aplicado de maneira incontroversa, levando-se em conta seus aspectos objetivos e subjetivos. Sendo assim, o presente trabalho propõe um estudo pormenorizado do tema, focando-se nos pontos controvertidos de sua aplicação, principalmente no que tange à possibilidade de vinculação do legislativo e da própria corte prolatora da sentença, e à teoria da transcendência dos motivos determinantes, referentes, respectivamente, aos limites subjetivos e objetivos do aludido efeito.

Além de ser academicamente relevante, propicia inúmeras discussões pertinentes do ponto de vista democrático e social, uma vez que, a implicação direta da vinculação é a uniformidade das decisões para casos idênticos, e, consequentemente, a segurança jurídica. 

Constituição

Conceito

A constituição recebe inúmeras definições por parte dos doutrinadores, a partir de um sem número de teorias, as quais lhe atribui uma série de sentidos, tais como, sentido sociológico, político, material, formal e jurídico.

Na esteira das teorias constitucionais, uma Constituição pode não passar de uma folha de papel, a menos que tenha compatibilidade com a Constituição Real, com a realidade, com os fatos reais de poder (LASSALE, 2004), tais como forças políticas, poder militar, poder social, poder econômico, poder intelectual, instituições jurídicas e quaisquer outros poderes que formem uma sociedade.

Uma Constituição pode ser caracterizada, ainda, por possuir uma força normativa, que existe e se mantém por conta da vontade de constituição, ou seja, pela disposição dos indivíduos de orientar suas condutas de acordo com o que estabelece (HESSE, 1991).

A despeito de toda discussão teórica acerca da Constituição, a concepção que realmente interessa é a de Hans Kelsen, de escalonamento de normas, em que uma norma busca validade na outra através de uma verticalidade hierárquica, formando uma verdadeira “pirâmide”. Nessa construção, a Constituição ocupa um patamar diferenciado, ápice do ordenamento jurídico. O escalonamento de normas proposto por Hans Kelsen funciona da seguinte maneira:

A ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é produto de uma conexão de dependência que resulta do fato de a validade de uma norma, que foi produzida de acordo com outra norma, se apoiar sobre essa outra norma, cuja produção, por sua vez, é determinada por outra; e assim por diante, até abicar finalmente na norma fundamental – pressuposta. A norma fundamental – hipotética, nestes termos – é, portanto, o fundamento de validade último que constitui a unidade dessa interconexão criadora. (KELSEN, 2006, p. 247).

O fato da Constituição ocupar o topo do ordenamento jurídico, ou, mais precisamente, nos dizeres de Kelsen (2006, p. 247), de representar “o escalão de direito positivo mais elevado”, é que lhe confere a chamada supremacia formal.

A supremacia da Constituição, juntamente com a rigidez, da qual ela decorre, são os pressupostos teóricos que sustentam a existência do controle de constitucionalidade. Além disso, é necessário, em decorrência do próprio princípio da Supremacia da Constituição, que haja a separação de poderes, a fim de determinar-se quem é competente para fiscalizar se determinada lei é ou não compatível com a Constituição.

Supremacia 

A supremacia da Constituição revela que o texto constitucional está localizado em um patamar diferenciado, em uma posição hierárquica mais elevada no ordenamento, em seu ápice. A supremacia pode ser tanto formal, como material.

A Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988, goza de supremacia formal, inerente às constituições classificadas como rígidas. A supremacia material é conceito referente às constituições tidas como flexíveis.

A supremacia formal revela que as normas constitucionais no Brasil são classificadas como tais a partir de um critério formal, ou seja, por estarem inseridas ou não no texto constitucional, independente da matéria de que tratam. Em oposição a esse critério, temos o material, segundo o qual serão consideradas como constitucionais, aquelas normas que tratarem do fundamento e da estrutura do Estado, da organização de seus órgãos, dos direitos e garantias fundamentais, em resumo, que tratarem de matéria essencialmente constitucional.

De acordo com Barroso (2011, p.23), por força da supremacia, não pode subsistir validamente nenhum ato jurídico que esteja em desconformidade com a Constituição, já que ela é o fundamento de validade das demais normas.

Rigidez

A rigidez refere-se a uma das sete maneiras de classificar a Constituição quanto à estabilidade, que são as seguintes: rígidas, flexíveis, semirrígidas, fixas, transitoriamente flexíveis, imutáveis e super-rígidas. As classificações mais comuns levam em conta as Constituições rígidas, flexíveis e semirrígidas. No entanto, alguns autores ainda as classificam em fixas, transitoriamente flexíveis, imutáveis e super-rígidas. (LENZA, 2010, p. 81).

Rígidas são as constituições que, apesar de admitirem modificações, para serem alteradas demandam um processo legislativo mais solene e dificultoso do que o previsto para a alteração das normas infraconstitucionais.

As constituições flexíveis, ao contrário das rígidas, podem ser facilmente modificadas, através de um processo legislativo equivalente ao utilizado para a alteração das normas não constitucionais, ou seja, a dificuldade para reformá-la é a mesma encontrada para reformar uma lei que não seja constitucional.

Semirrígidas são constituições híbridas, ou seja, tanto rígidas como flexíveis, à medida em que há partes delas que para serem modificadas requerem um processo de alteração mais árduo, mais dificultoso, enquanto há outras que não demandam o cumprimento de tal exigência. Um exemplo de constituição semirrígida foi a Constituição Imperial Brasileira de 1824.

As constituições fixas:

são aquelas que somente podem ser alteradas por um poder de competência igual àquele que as criou, isto é, o poder constituinte originário. São conhecidas como constituições silenciosas, porque não estabelecem, expressamente, o procedimento para sua reforma. Têm valor apenas histórico, sendo exemplos destas Constituições o Estatuto do Reino da Sardenha, de 1848, e a Carta Espanhola de 1876. (Kildare Gonçalves Carvalho, 2006, p. 274-275 apud LENZA, 2010, p.82)

Uadi Lammêgo Bulos (2007, p.45 apud LENZA, 2010, p. 82-83) define as constituições transitoriamente flexíveis como aquelas que podem ser reformadas, do mesmo modo que as leis comuns, no entanto, só em um período determinado, após o qual passa a ser rígida. Sendo assim, rigidez e flexibilidade não coexistem, apresentando-se de modo alternado.

Consideram-se imutáveis, as constituições inalteráveis, que não permitem qualquer tipo de emenda ou revisão, que se quedam eternas, e por isso mesmo são tidas como relíquias.

Por fim, tem-se as constituições super-rígidas, classificação que, segundo Alexandre de Moraes, refere-se à Constituição Brasileira de 1988:

Ressalte-se que a Constituição Federal de 1988 pode ser considerada como super-rígida, uma vez que em regra poderá ser alterada por um processo legislativo diferenciado, mas, excepcionalmente, em alguns pontos é imutável (CF, art. 60, §4º – cláusulas pétreas). (MORAES, 2011, p. 10)