Diante do cenário pandêmico, não há como pressupor, de uma análise acerca dos interesses envolvidos - Direito Social à Saúde e Liberdade Econômica -, que um se sobreponha sobre o outro, uma vez que a prevalência só existe após um juízo de ponderação com base no princípio da proporcionalidade e da necessidade de uma análise detida do caso concreto. Inexiste uma supremacia antecipada e automática.
O interesse público permeia as duas correntes, isto é, há interesse público tanto nas medidas que evitam a contaminação desenfreada do vírus, como também há nas medidas que protegem a economia de um fechamento total. Além disso, o direito à vida, bem como o direito à economia saudável representam dois importantes fatores de concretização da dignidade da pessoa humana.
Isto porque, na sociedade contemporânea, os interesses são plurais, de forma que a dicotomia entre interesse público ou interesse privado não mais se mostra suficiente para solucionar os complexos casos concretos do dia a dia, pois como afirma Emerson Moura “todas as espécies de interesses são manifestações oriundas do corpo social e a elevação de inúmeros interesses privados à condição de direitos fundamentais, torna impossível determinar, por antecipação, qual delas irá sobrepor às demais.” (2014, p. 176)
Nesse sentido, é de interesse público aquela política que tem por base os valores constitucionais e busque realizar o máximo dos interesses em jogo, garantindo entre o direito à saúde e o direito à economia saudável aquela que for de melhor interesse público sempre à luz do caso concreto e observando o princípio da proporcionalidade.
É relevante se atentar à ideia de que “o interesse público comporta, desde a sua configuração constitucional, uma “imbricação” necessária aos interesses comuns da coletividade e particulares do indivíduo, que não permite se estabelecer a prevalência teórica e antecipada de um sobre outro, sem que reconduza o processo de aferição do interesse prevalecente à luz da Constituição (MOURA, 2014, p. 167).
Ademais, ambos os interesses (saúde e economia saudável) possuem conteúdo harmônico, uma vez que, mesmo que determinada política represente a concretização de alguma importante meta coletiva, como, por exemplo, a garantia da saúde pública, não terá como ser alcançada se resultar em violação à dignidade humana de uma única pessoa.
Com efeito, se há tensão, ou ao menos possibilidade apriorística de existência de tensão ou contradição entre o direito à saúde e o direito à economia saudável, ainda há um longo caminho a percorrer para que se cumpra com o princípio da dignidade humana. E, em havendo, a depender do caso concreto, eventual impossibilidade de tal conciliação, há que se buscar por algum procedimento legal específico pelo qual se supere o impasse, porque a oposição entre os interesses não é a regra.
Portanto, considerando o conflito entre o direito à saúde e o direito à economia saudável no contexto da pandemia, deve haver a “máxima realização dos interesses envolvidos como fundamento fim da atividade administrativa, chamando a atenção para o dever de ponderação dos interesses relevantes da Administração Pública” (2014, p. 176)
Destaco, ademais, duas lições deixadas por esta pandemia de COVID-19. A primeira delas é referente ao espírito de solidariedade que o povo brasileiro possui. Não há como deixar de salientar a corrente do bem que procurou ajudar aqueles que mais precisam, incluindo aqueles que tiveram alguma debilitação em sua saúde ou ainda aqueles que tiveram seus pequenos negócios atingidos pela crise econômica. Em segundo, é digna da mais nobre admiração a capacidade que o brasileiro possui de se reinventar, reconstituindo-se a partir do caos.