Tema de extrema relevância no universo médico-jurídico é o exame da intercambialidade de medicamentos não só porque muito usual, mas por implicar em graves consequências para o paciente no tratamento de uma doença e mesmo consequências jurídicas para os profissionais da saúde.
Antes de adentrarmos no âmago dessa questão, impõe-se analisar, brevemente, alguns marcos importantes na temática dos medicamentos em território brasileiro.
Até o ano de 1999, encontravam-se no mercado medicamentos catalogados em duas categorias: os medicamentos de referência e os medicamentos similares. Os medicamentos de referência são os que, em algum momento, foram detentores de uma patente -20 anos (Lei n.9279/96)-, período segundo o qual o laboratório terá o direito de explorar economicamente, com exclusividade, o seu invento. É uma forma não só de reconhecer e fomentar pesquisas, mas de propiciar a garantia de que as pesquisas serão custeadas pelo consumidor final na aquisição da nova marca, do novo medicamento, aqui denominado medicamento de referência.
Nessa linha, os medicamentos similares não são idênticos, e nem poderiam ser, aos medicamentos de referência, mas deles se aproximam, segundo critérios de bioequivalência, previamente analisados e registrados junto à Anvisa-agência nacional de vigilância sanitária. Estes possuem como maior diferencial, principalmente, componentes que, dependendo do caso sob o exame, do tratamento médico-hospitalar, seja o mais indicado ao paciente.
Ocorre que em 10 de fevereiro de 1999, foi promulgada a Lei n. 9787, a conhecida “Lei dos Medicamentos Genéricos”, criando uma terceira categoria identificados, exclusivamente, pelo princípio ativo do medicamento, não detentores de uma marca. A partir dessa data, no território brasileiro, passaram a existir no mercado os medicamentos de referência, os medicamentos de referência e os medicamentos genéricos.
Diante das dificuldades dos profissionais da saúde na escolha do medicamento, desde a prescrição, até o ato de apresentar o produto ao consumidor final- o paciente- a Anvisa publicou várias resoluções, dentre elas as relativas aos medicamentos similares (RDC n.133/03 e RDC 17/07) e a dos medicamentos genéricos (RDC n.135/03 e RDC 16/07), mas a mais completa, e também atual, é a RDC n. 58/2014.
Assim, em 2014, a Anvisa editou a Resolução n. 58/14 contendo uma lista de medicamentos de referência e os que, segundo as pesquisas antecedentes de bioequivalência, equivalência farmacêutica e perfil de dissolução restaram aprovados para serem intercambiáveis, ou seja, para serem substituídos, se for o caso, entre si. Há a imposição, inclusive, de que sejam expressas nas bulas dos medicamentos similares a intercambialidade admitida na referida resolução.
Entretanto, constatam-se inúmeras irregularidades na intercambilidade de medicamentos, em completa dissonância ao que fora prescrito pelo médico, com danos muitas vezes irreversíveis ao paciente. A responsabilidade civil, nesses casos, se impõe.
O paciente se apresenta como parte vulnerável nesse contexto, ora por já se encontrar fragilizado pela moléstia que busca amenizar seus efeitos ou alcançar a cura, ora por não ter conhecimento técnico acerca dos fármacos. Essa é a regra, a grande maioria dos casos em concreto.
Nas farmácias e drogarias, não raro, o que se constata são verdadeiros cruzamentos indevidos, com vários mapeamentos nocivos, e equivocados, ludibriando o consumidor final na aquisição de um medicamento impróprio ao seu tratamento.
Não podem ser criadas resoluções de resoluções, muito menos conclusões e análises superficiais na comercialização de medicamentos. Do contrário seria desconsiderar tudo que antecede ao registro e aprovação para a intercambialidade regulada pela Anvisa. Tais condutas, reitere-se, gera responsabilidade civil.
Nesse turno, importante registrar que os medicamentos de referência catalogados na RDC 58/14 possuem um medicamento genérico a ele correspondente e, também, os medicamentos similares a eles correspondentes. Nessa lista de medicamentos, que anualmente é atualizada, não há margem interpretativa para conclusões, ou cálculos aproximados de quantidade, para se apresentar ao consumidor final outro medicamento que não conste expressamente na resolução. A vulnerabilidade do consumidor não importará outro comportamento a não ser aceitar, principalmente se o preço for mais atrativo do que o medicamento constante na prescrição médica.
A situação é grave. O médico que prescreve um medicamento deve estar prevenido para essa situação irregular, que merece correção do Direito podendo consignar na receita médica qual, ou quais, medicamentos similares seriam intercambiáveis com o medicamento de referência indicado, independentemente do uso, se for o caso, do medicamento genérico.
Frise-se: os medicamentos de referência são intercambiáveis por medicamentos similares ou genéricos expressamente previstos em resolução da Anvisa. Medicamentos similares por medicamentos similares não são intercambiáveis. Medicamentos genéricos por medicamentos genéricos também não são intercambiáveis. Não foram essas hipóteses tratadas pelas resoluções da Anvisa.
Há risco e possível dano ao consumidor final na utilização de medicamento impróprio, o que acarretará responsabilidade civil por serem provados seus elementos: ação ou omissão (conduta), nexo de causalidade e dano (prejuízos no tratamento consistente na ausência ou postergação da cura ou da amenização dos efeitos de uma moléstia).
Não há uma prefixação do quantum debeatur podendo variar a indenização, caso a caso, segundo os prejuízos efetivamente causados ao paciente na utilização do medicamento que fora substituído de forma irregular em desacordo com os atos normativos da Anvisa e em desacordo com a prescrição médica.
Tratamento adequado e integral é primar pela correta entrega do que fora prescrito. O médico deve estar ciente das práticas irregulares no mercado quanto à intercambilalidade de medicamentos e do quanto isso pode ser nocivo ao seu paciente. Recomenda-se ao profissional de saúde, o médico, maior cautela na prescrição médica indicando, dentro do possível, os medicamentos que poderão ser substituídos, mencionando a vigência da RDC 58/2014.