Ação Anulatória de Registro
Anulatória de Registro x Negatória de Paternidade
Em primeiro lugar, não se deve confundir a Ação Anulatória de Registro Civil com a Negatória de Paternidade. Enquanto esta se trata de uma ação imprescritível e personalíssima, que poderá ser intentada exclusivamente pelo suposto pai, com a intenção de contestar a paternidade do filho, nascido de sua esposa ou companheira, tomando-se por norte o art. 1.601 do Código Civil; por outro lado, para a propositura da Ação Anulatória de Registro é reconhecida a legitimidade de terceiro interessado, o que significa dizer que qualquer pessoa que tenha interesse moral ou econômico, em demonstrar a existência de erro ou falsidade do registro de nascimento de outrem, poderá se utilizar deste pleito judicial.
Qual o Fundamento Para Anular o Registro de Nascimento?
Ressalta-se que o embasamento para o manejo da Anulatória de Registro é a demonstração de existência de vício na vontade do suposto pai, mediante erro ou a ocorrência de falsidade do registro (CC 1.604). Dessa forma, apenas estes motivos autorizam a pretensão de desconstituir o registro da paternidade, razão pela qual a mera suspeita de não ser o pai, não obstante a manutenção da convivência com o filho, desautoriza o pedido de anulação (DIAS, 2021. p. 278).
Ausência de Filiação Biológica e Socioafetiva
Neste ponto, evoluiu a jurisprudência brasileira para exigir, também, a falta de vínculo afetivo entre as partes. Assim, comprovada a ausência de filiação biológica, por meio da realização de exame de DNA, juntamente com a demonstração da ocorrência de vício na declaração de vontade daquele suposto pai (por erro ou falsidade), deverá, ainda, ficar claro para o julgador a inexistência da relação de paternidade socioafetiva. Maria Berenice Dias destaca que, uma vez comprovada a existência de vínculo afetivo entre as partes, bem como a posse de estado de filho, a demanda deverá ter seu pedido julgado improcedente (DIAS, 2021, p. 279).
Ação de Impugnação de Parentalidade ou Desconstitutiva de Registro
Dispõe o Código Civil que, o filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento, e que foi registrado enquanto menor de idade, pode impugnar o tal reconhecimento, nos 04 (quatro) anos que se seguirem à maioridade ou à emancipação (CC 1.614). Partindo dessa premissa, a rejeição da filiação não necessariamente precisa apresentar motivos ou razões para a negativa, da mesma forma, não será necessário demonstrar nulidade ou falsidade registral, bastando que o indivíduo não concorde com a filiação que lhe foi imposta.
Aqui, não se pode perder de vista a evolução jurisprudencial, no tocante à consagração da equiparação da filiação socioafetiva com a consanguínea, de modo que, tanto a ausência de vínculo biológico quanto afetivo autorizam a pessoa a proceder à retirada do registro de nascimento de alguém que não seja seu pai biológico, e muito menos com ele possua ligação afetiva (DIAS, 2021, p. 285).
Quais são os Efeitos dessa Decisão?
Julgando-se procedente a demanda de impugnação de parentalidade ou desconstitutiva de registro, rompe-se a relação de parentesco, retirando-se o nome do ascendente do assento de nascimento, com a exclusão, também, dos nomes dos então avós. Da mesma forma, não haverá mais direitos e obrigações entre as partes (DIAS, 2021, p. 285).
Ação de Supressão do Patrimônio Paterno ou Materno
A ação abordada anteriormente não se confunde com o pedido de exclusão do patronímico, ou seja, do sobrenome de algum dos pais. O pedido exclusivamente de supressão do sobrenome manterá no registro de nascimento daquele indivíduo seus ascendentes, permanecendo o vínculo de parentesco, bem como as obrigações e direitos que lhes sejam decorrentes (DIAS, 2021, p. 288).
Assim, uma vez sejam preservados direitos de terceiros e demonstrado justo motivo, excepcionalmente, será possível a supressão do patronímico. O justo motivo pode se referir a hipóteses de abandono afetivo, maus tratos, abuso sexual, além de outras condutas que demonstrem a ruptura do vínculo afetivo e façam com que o indivíduo não se identifique com aquele sobrenome. A ação, nestes casos, poderá ser intentada contra o pai ou a mãe, e até mesmo em face de ambos.
Ação Declaratória de Filiação Socioafetiva
Quando comprovada a chamada “posse de estado de filho'', poderá ser requerido o registro da filiação socioafetiva. A posse de estado de filho é o termo utilizado para denominar uma situação de fato em que um indivíduo desfruta do status de filho em relação a outrem, melhor dizendo, quando as partes assumem na prática o papel de pai e filho, independentemente desta situação corresponder à verdade legal, ou seja, ainda que não decorra de vínculo biológico ou adotivo.
Os elementos caracterizadores da posse de estado de filho, segundo a doutrina e a jurisprudência dominante, são o nome, o trato e a fama. Ou seja, a utilização do nome de família, o tratamento e a criação como filho, bem como a apresentação à sociedade como se filho fosse. A relação de pai e filho pode ser demonstrada pela convivência familiar, pelo relacionamento afetivo desenvolvido pelas partes, bem como pelo cumprimento dos deveres de guarda, cuidado e sustento.
Reconhecimento da Multiparentalidade
A declaração da filiação socioafetiva não pressupõe a extinção do vínculo biológico, razão pela qual pode ser reconhecida a coexistência de filiações, decorrentes do fator biológico e do vínculo afetivo existente, não havendo hierarquia entre eles. Nesse caso, a solução é o reconhecimento jurídico de ambos, inserindo no registro de nascimento da pessoa o nome de mais pais e, consequentemente, de mais avós. A referida prática ficou conhecida como multiparentalidade, em que todos os ascendentes registrados no assento de nascimento daquele indivíduo assumem obrigações decorrentes do poder familiar, além deste filho desfrutar de todos os direitos inerentes ao vínculo de parentesco, sejam estes patrimoniais ou extrapatrimoniais (DIAS, 2021, p. 296).
O tema teve repercussão geral reconhecida pela Corte Suprema, firmando-se a seguinte tese:
A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com efeitos jurídicos próprios (STF - Tema 622).
Referências:
BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil.
DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias, 14. ed. Salvador: Juspodivm, 2021.