Venda Casada e Compra Fracionada no Direito do Consumidor

Análise Aprofundada da Prática da Venda Casada e Compra Fracionada: Considerações Jurídicas Essenciais.

Por Márcia Vizeu - 15/04/2024 as 12:34

O Código de Defesa do Consumidor veda uma série de práticas consideradas abusivas, uma das principais é conhecida como venda casada. Além disso, a legislação também deixa claro que todo consumidor tem direito a compra fracionada. Mas, você sabe o que isso quer dizer ou quando se aplica? Eu te explico tudo aqui!

O Código de Defesa do Consumidor, legislação responsável por reger as relações de consumo, veda uma série de práticas comerciais que são consideradas abusivas, com o intuito de proteger o consumidor, parte vulnerável da relação de consumo.

As vedações foram criadas com base nos princípios basilares do direito consumerista, quais sejam, princípio da vulnerabilidade, boa-fé objetiva, harmonização dos interesses, hipossuficiência e outros, afim de garantir o equilíbrio entre consumidor e fornecedor.

O artigo 39 do CDC traz um rol de práticas comerciais abusivas, sendo um dos artigos mais importantes do Código, pois cada vez mais o mercado de consumo cresce e práticas arbitrárias tendem a acontecer. 

Mesmo com a proibição, é normal presenciarmos condutas indevidas em nosso dia-a-dia por parte dos fornecedores e estabelecimentos comerciais. Dentre essas práticas, uma das mais comuns está disposta no inciso I do referido artigo, chamada de venda casada. 

Da mesma forma que dispõe sobre a vedação de tal prática, o dispositivo legal também aponta como indevida a prática comercial que impõe limites quantitativos para a aquisição de produtos. 

Você sabe o que é venda casada? 

A venda casada ocorre quando a compra/contratação de determinado produto/serviço, que o consumidor pretende adquirir, está condicionado a compra/contratação de outro, que não é do seu interesse. Assim, podemos dizer que para adquirir o produto que deseja o consumidor é forçado a comprar outro.

De acordo com o Código de Defesa do Consumidor:

“Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas:

I - condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos; (...)”

A prática é considerada abusiva, mas infelizmente é comum em muitos estabelecimentos. Por isso, é necessário ficar atento e saber reconhecê-las para não sair prejudicado na relação de consumo. Dentre as situações mais comuns, podemos citar:

Compra de veículos com seguro

Geralmente muitas concessionárias ao formalizar a venda de um veículo passam uma série de informações ao consumidor que até então eram desconhecidas, como condições de pagamento e descontos, por exemplo, que estão condicionados a contratação de seguro fornecido pela própria empresa ou seguradora vinculada.

Nesses casos, o consumidor é colocado em situação de grande desvantagem, pois é induzido e pressionado a aceitar tais condições, seja para manter a oferta ou até mesmo por acreditar que será beneficiado de alguma forma.

A prática configura venda casada, pois vincula a compra do veículo a contratação do seguro, bem como retira do consumidor o direito de escolha de outro produto/serviço.

Serviços bancários – cartão de crédito, abertura de conta e seguro:

Valores embutidos na fatura de cartões de crédito referentes a seguro não contratado ou solicitado pelo consumidor também é um exemplo muito comum de venda casada. Além da prática ser considerada abusiva, gera direito a restituição em dobro dos valores pagos em caso de demanda judicial, por exemplo.

Outros exemplos de venda casada em serviços bancários são: seguro habitacional vinculado a financiamento imobiliário; seguros e títulos de capitalização vinculados à contratação de cartão de crédito ou abertura de conta, dentre outros.

Entrada em cinema com alimentos vendidos exclusivamente pelo estabelecimento

Também configura venda casada a imposição de entrar no cinema apenas com alimentos vendidos exclusivamente pelo mesmo, proibindo a entrada de produtos que foram comprados em outro estabelecimento. 

Assim, quando o cinema condiciona a entrada dos clientes ao consumo de seus produtos alimentícios está realizando uma prática comercial abusiva, retirando a liberdade de escolha do consumidor.

O direito à Compra Fracionada

A compra fracionada é um direito do consumidor. O CDC veda em seu artigo 39, inciso I, que o fornecedor limite a quantidade máxima ou estipule uma quantidade mínima para a compra de produtos. 

Sendo assim, é considerada abusiva a prática que obriga o consumidor a comprar determinada quantidade do produto, diversa daquela que almeja. Porém, é necessário ficar atento quanto a essa questão, observando alguns critérios, pois em determinados casos a prática é permitida.

No comércio presencial e eletrônico:

Podemos citar como exemplo uma loja que colocou determinado produto eletrônico em promoção, possuindo um estoque de apenas 100 unidades do mesmo. Devido a isso, limitou a compra do produto a duas unidades por consumidor. Nesse caso, a limitação máxima possui uma justificativa coerente, e, por isso, não é considerada abusiva.

No supermercado:

Da mesma forma, um supermercado que vende produtos industrializados, onde há diversas embalagens com determinadas quantidades que não podem ser reduzidas, como um saco de arroz de 1kg, uma embalagem de papel higiênico com 4 unidades, dentre outros diversos exemplos. Nessas hipóteses a limitação mínima também é permitida, pois é reflexo da industrialização e não causa desequilíbrio na relação de consumo.

Consumação mínima em bares e restaurantes:

Como exemplo de prática abusiva, podemos mencionar bares e restaurantes que estabelecem uma consumação mínima aos clientes para entrar/permanecer no estabelecimento. A prática é muito utilizada, mas fere o direito do consumidor de consumir a quantidade/valor que deseja, sendo considerada arbitrária.

Nas palavras de Rizzato Nunes em seu livro, Comentários ao Código de Defesa do Consumidor: “É preciso, no entanto, entender que a operação casada pressupõe a existência de produtos e serviços que são usualmente vendidos separados. O lojista não é obrigado a vender apenas a calça do terno. Da mesma maneira, o chamado pacote de viagem não está proibido.”.

Dessa forma, podemos perceber que o CDC veda práticas que tem a intenção de privar o consumidor de seu direito e liberdade de escolha dos produtos/serviços que deseja adquirir/contratar, bem como imposições de quantidade. Mas, há casos que devem ser observados com cautela, pois são apenas reflexo da industrialização e grande demanda da sociedade, não caracterizando prática abusiva.