2.5 O Novo Marco Legal do Saneamento Básico

No dia 5 de abril de 2023, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva editou dois decretos, Decreto 11.466/2023 e 11.467/2023, que alteram o marco do saneamento básico regulamentando a Lei 11.445/2007, alterada pela lei 14.026/2020, que determina as diretrizes para o saneamento no país (AGUIAR; RIBEIRO, 2023). De acordo com o antigo Marco Legal de 2020, os contratos de prestação de serviço somente poderiam ser realizados através de abertura de concorrência entre os setores público e privado com isonomia de condições (GOMES et al., 2023). Entretanto, com as novas regras, as empresas estatais ficam autorizadas a manter contratos com os municípios sem a necessidade de licitação, o que incentiva a maior participação das estatais pela diminuição das questões burocráticas.

Outras mudanças decorrentes desta alteração foram a flexibilização dos critérios para a comprovação da capacidade das empresas estatais e a prorrogação do prazo até dezembro de 2025 para esta comprovação. A antiga medida estabeleceu que blocos regionais fossem criados, formados por municípios mais rentáveis e cidades menores com baixa viabilidade comercial, cujo prazo apresentava a data-limite de 31 de março de 2022, segundo informações disponibilizadas pelo Supremo Tribunal Federal. Todavia, muitos municípios haviam perdido este prazo. De acordo com o Ministério das Cidades, os municípios supracitados, que são constituídos por cerca de 29,8 milhões de brasileiros, tiveram seus contratos com as empresas estaduais declarados irregulares, acarretando a impossibilidade de contar com as verbas federais para alcançar a universalização dos serviços (MENDES; KLEIN, 2023). 

Dentre os principais pontos abordados no antigo marco legal, é possível destacar o objetivo de universalização do serviço no respectivo setor até o ano de 2033, com revisão de 99% de disponibilização de água potável nas casas brasileiras e 90% de coleta de esgoto nas residências. Neste sentido, insta pontuar que tal marco incentivou o investimento das empresas privadas em obras de saneamento básico, cujos números dobraram. Ainda, havia limitação de 25% da participação de parcerias público-privadas (PPP) nas concessões de saneamento básico, ou seja, a norma antiga limitava o contrato de concessão ser subdelegado para as PPPs, de forma que, um dos decretos assinado pelo atual presidente Lula, impôs fim a este limite para este tipo de parceria. Portanto, na prática, atualmente é admitido que uma empresa estatal entregue todo o serviço ao setor privado, de modo que as partes contratuais

continuarão sendo estabelecidas entre a empresa pública e uma prefeitura. De acordo com o comunicado distribuído pelo Governo, no Palácio do Planalto, as medidas vão permitir investimentos no setor de aproximadamente R$120 bilhões até o ano de 2033 (AGUIAR; RIBEIRO, 2023).

De acordo com a Secretaria de Planejamento e Gestão do estado de Minas Gerais:

As PPPs servem, primordialmente, para contratação de projetos de grande porte, em que haja a necessidade de investimentos consideráveis e que, em contrapartida, não geram, por si só, receitas diretas suficientes para torná-los atrativos à inciativa privada sem o apoio do Estado. Dessa forma, o setor privado se responsabiliza pelo desenho, financiamento, construção, e gerenciamento de uma determinada estrutura de prestação de serviço público, enquanto o Governo fiscaliza e remunera por meio de uma contraprestação. (Parceria Público-Privada | MG.GOV.BR, [s.d.]).

Neste sentido, insta evidenciar que as PPPs são concessões, ou seja, elas configuram uma forma de desestatização da Gestão Pública, entretanto, não se confundem com a privatização, tendo em vista que os ativos não ficam permanentemente com as entidades privadas. 

Resta elucidar a conceituação dos termos em que, conforme guia elaborado pelo BNDES, a desestatização consiste na “venda de ativos ou transferência da prestação de serviços públicos à iniciativa privada” e, dentre as formas de desestatização, encontra-se a privatização que é a “venda de empresa estatal, com passagem do controle sobre os ativos à iniciativa privada em definitivo” e a desestatização, que é descrita como a “transferência da prestação do serviço público à iniciativa privada por prazo determinado”. Ainda, é preciso evidenciar que as formas de concessão se dividem em dois tipos, a concessão comum, em que a tarifa cobrada do usuário e as outras receitas de administração dos recursos são suficientes para remunerar o concessionário pela prestação do serviço” e a Parceria Público-Privada, que retrata o “caso em que não há tarifa, ou que esta, em conjunto com outras receitas de administração do serviço é insuficiente para remunerar a prestação do serviço pelo concessionário, razão pela qual, há algum tipo de pagamento pelo ente público”.

Em tese, um dos grandes avanços dos decretos se dá pela mudança no critério de realização dos leilões que, em momento anterior ocorria principalmente com base na maior outorga e que com o Novo Marco do Saneamento, estaria na concessão dos serviços de saneamento baseada na menor tarifa para os usuários finais, buscando garantir o critério social ainda que diante da participação das empresas privadas nos setores de saneamento, levando em consideração que o aumento das tarifas têm sido uma realidade retratada pelas experiências nacionais e internacionais (ZANATTA; NASSIF, 2023).

Todavia, as medidas geraram questionamento por parte de dois Partidos que prontamente ajuizaram Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), a saber ADPF 1055 ajuizada pelo Partido Novo e ADPF 1057 pelo Partido Liberal. Os partidos ensejam que as normas vão desestimular a concorrência no setor de infraestrutura e causar “inaceitável retrocesso institucional”, provocando o atraso considerável na implementação da universalização do saneamento básico no Brasil (FEDERAL, 2023).

Já em relação aos principais atores que se posicionam contra a desestatização, é possível retratar a forte resistência e mobilização dos trabalhadores e dirigentes das companhias estaduais e dos serviços municipais de saneamento básico, as lideranças de associações profissionais e técnicas que possuem vínculo a esta área, além de diversas entidades representativas do terceiro setor que são norteadas à defesa do direito do consumidor, ao desenvolvimento social e à defesa do meio ambiente. De forma geral, compreende-se que os diversos seguimentos opositores contêm interesses diretos ou indiretos na área, e que buscam apoio em forças políticas adversárias das propostas liberais (privatização de empresas e serviços públicos, desregulamentação e abertura da economia etc.) (VARGAS; LIMA, 2004, p. 68).