4.2 Análise Crítica à Concessão da CEDAE

A Cedae, em momento anterior à concessão, podia ser classificada como uma empresa de economia mista, tendo o governo estadual do Rio como maior acionista (detentor de 99,9% das ações), cujos lucros em 2015 corresponderam a R$ 249 milhões, com atendimento de cerca de 12 milhões de pessoas, presentes em 64 municípios (CARNEIRO, 2017).

De acordo com o documento de apresentação do Projeto da concessão do saneamento básico no estado do Rio de Janeiro, elaborado pelo BNDS, os investimentos necessários para o alcance da universalização eram de aproximadamente vinte e cinco bilhões, sem acrescentar os cálculos referentes à manutenção dos serviços. Entretanto, o documento ainda demonstrou que os investimentos médios realizados pela CEDAE nos últimos dez anos, levando em consideração os dados Snis, era de 180 milhões por ano e que, sem que houvesse a implementação do projeto de concessão, a CEDAE levaria 140 anos para atingir as metas de universalização (MELO, 2023, p. 27). Com a desestatização, a expectativa é de que, para suprir as demandas, que tem por objetivo o alcance de metas pré-definidas, as companhias têm o compromisso de realizar investimentos de R$24 bilhões durante o período de concessão.

Desta forma, a partir da alegação de dificuldades financeiras enfrentadas pelo estado do Rio de janeiro que determinou sua adesão ao Regime de Recuperação Fiscal, diversas condições foram impostas, sendo uma delas a concessão dos serviços de saneamento na área atendida pela CEDAE, sob justificativa da empresa estatal não apresentar condições de investimento para melhorar o saneamento, não foi possível encontrar quais foram as aplicações destes recursos, o que confronta a ideia de uma medida emergencial e que pudesse gerar uma grave crise para o estado do Rio de Janeiro. De fato, a recente concessão da prestação dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário aparenta suprir parte dos problemas de investimento no setor, uma vez que, para além das inovações trazidas pelo Novo Marco Regulatório, os contratos de concessão dos serviços de água e esgoto passaram a prever a realização de metas. Tais metas, teoricamente, trazem a possibilidade de maior controle e fiscalização da aplicação desses investimentos no setor, permitindo que até o ano de 2033, todo o serviço esteja universalizado com 99% do acesso à água pela população e de 90% do acesso ao esgotamento sanitário. Vale ressaltar que no estado do Rio de Janeiro, 17 municípios continuaram tendo os serviços prestados pela CEDAE, que deveria comprovar sua capacidade econômico-financeira, a fim de viabilizar o também cumprimento das metas de universalização. Entretanto, até o presente momento e, com base nos dados disponibilizados pela ANA (Agência Nacional de Águas), responsável pela gestão dos recursos hídricos no país, verificou-se que essa comprovação não ocorreu.

Quanto ao argumento de incapacidade de gestão por parte da CEDAE, vale reprisar que desde 2020, a empresa passou pelo corte de 1,8 mil funcionários do total de 5,2 mil, somatizando em 2022, cerca de R$ 1 bilhão com o corte de custos operacionais em contradição com o discurso de maior disponibilidade de trabalho quando da concessão do serviço e que, ainda em 2020, 54 funcionários da Companhia que atuavam como engenheiros, biólogos, contadores e administradores foram demitidos sob justificativa de necessidade de economia dos recursos (JUSBRASIL, 2019). De acordo com Hélio Cabral, presidente da CEDAE, a medida resulta a economia de cerca de R$100 milhões por ano, cujos valores seriam destinados para o financiamento de um programa de saneamento na favela da rocinha A medida foi questionada pelo presidente da comissão, deputado Gustavo Schmidt (PSL) que alegou que “Existem outras formas de economizar dinheiro para fazer investimentos importantes, como a troca dos hidrômetros, que depois de cinco anos apresentam problemas na contagem, e das tubulações antigas, que desperdiçam água e geram um custo extra”.

As transformações na configuração estrutural da empresa estatal estabeleceram um processo de desmonte, tendo em vista as demissões estrategicamente políticas dos funcionários de carreira, as mudanças do primeiro Marco do Saneamento de 2020 que desestimulavam as estatais e incentivavam à concorrência do setor privado quando da concorrência em isonomia de condições, remetendo inclusive ao ocorrido no estado do Espírito Santo em que, pretendendo a desestatização, os recursos para o setor se deu pela restrição de acesso da estatal a fim de que não houvesse alternativa à desestatização dos serviços de saneamento básico no estado. Ainda, Leo Heller, pesquisador da Fiocruz que, até dezembro de 2020 ocupava o cargo de relator das Nações Unidas para Água e Saneamento, questionou o porquê de o valor do leilão do processo licitatório das estatais, por exemplo, que é garantido por recursos da União, tendo o BNDS se comprometido com o repasse de investimentos de R$ 18 bilhões não foram investidos no setor público. O questionamento se fundamenta pela atribuição do ônus passado para a sociedade de arcar com os valores provenientes do aumento das tarifas para que ocorra o equilíbrio econômico na prestação do serviço e que foi um fenômeno observado nas experiências em que operadores privados assumiram a prestação do serviço. Outro ponto quanto à ineficiência da gestão pública se confronta com as experiências de São José do Rio Preto, em São Paulo, município referência em relação às maiores notas no ranking disponibilizado pelo Instituto Trata Brasil, que apresenta gestão Pública e o município de Uberlândia, que também se apresenta como referência e que, junto à Caixa Econômica Federal, impulsionou os investimentos necessários ao setor.

Se, por um lado, a definição de metas e os altos investimentos provisionam uma alta expectativa de melhoria do setor agilizando o prazo para a universalização dos serviços, por outro, a falta de transparência, observada também como principal motivadora da remunicipalização na Europa, da reestatização na América Latina e quebra de expectativa nos próprios estados brasileiros, pois a Lei Estadual nº 9.370/2021 não está sendo atendida no estado, dificultando o acompanhamento das metas pela Agência Reguladora e também pela sociedade, reiterando a informação de que em 2022, a maior parte dos prestadores pesquisados não estava atribuindo transparência às metas estabelecidas nos contratos de concessão e ao seu estágio de implementação (MELO, 2023, p. 53). Importante reiterar que a universalidade confere à possibilidade do acesso aos serviços de água e esgoto pela população, sem qualquer barreira de acessibilidade, seja ela legal, econômica, física ou cultural. Logo, para além da ampliação da rede de saneamento, a universalização dependerá também da capacidade da população em arcar com os custos do acesso a estes serviços, o que está diretamente ligado a cobrança das taxas pelos operadores privados, sendo imprescindível que seus usuários tenham recursos para utilizar os serviços sem que estes valores comprometam a subsistência de suas famílias. Neste sentido, o controle social estabelece um papel evidente na notificação e denúncia das cobranças exacerbadas, que infelizmente, conforme abordado no estudo de casos acima, não foram atos incomuns dos processos de desestatização, já que em Portugal as cobranças abusivas chegaram a 200% dos valores que deveriam ser cobrados, em Paris, estes números foram 25% e 30% superiores nos serviços de água e esgoto.

Outro questionamento, versa sobre a transparência dos próprios municípios que não disponibilizam dados confiáveis para que seja possível a implementação das políticas públicas e, ainda, com base em quais parâmetros os governantes se pautam para justificar a necessidade do repasse às atividades aos operadores privados, pois mesmo nos municípios em que a gestão pública está sendo efetiva há reprodução do discurso de melhoria com o repasse dos serviços à iniciativa privada, como é o caso do ocorrido no estado do Espírito Santo.