Este artigo objetiva abordar a detenção da posse. Para tanto, em primeiro lugar são indicadas as duas principais teorias para conceituar a posse. Em seguida, realiza-se a diferenciação entre posse e detenção, para finalmente alcançar aspectos fundamentais sobre a detenção da posse, tais como as hipóteses de detenção e a situação de transformação da detenção em posse.
Aspectos Introdutórios
Antes de adentrar nos aspectos fundamentais da detenção da posse, torna-se fundamental recordar alguns pontos relacionados à posse. As principais teorias para explicar a posse são a teoria subjetiva de Savigny e a teoria objetiva de Ihering.
Conforme indicado por Scavone Júnior (2020) para Savigny a posse é tida como junção do corpus (detenção física do bem) e do animus (elemento subjetivo - vontade). Para Ihering, por sua vez, o corpus não é a detenção física da coisa e sim, a conduta de dono.
O Código Civil de 2002 adota a definição de posse de Ihering. Nesse sentido Sidou (2016, p. 474) define a posse como relação de fato combinada entre a pessoa e a coisa, com o objetivo de sua utilização econômica - Ihering. “O fato de se exercer, plenamente ou não, algum dos direitos inerentes ao domínio ou à propriedade”.
Com base no artigo 1.198 do Código Civil de 2002, cabe informar que o detentor pode ser entendido como aquele que estando em relação de dependência para com o outro, mantém a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas.
Para Rosenvald e Farias (2014) a posse e a detenção possuem características semelhantes. A distinção entre elas acontece em razão de um elemento negativo, que é uma restrição oriunda da norma jurídica. Dessa forma, a lei desqualifica a posse e a transforma em detenção.
Ainda segundo Rosenvald e Farias (2014, p. 110) a detenção é tida como “posse degradada, juridicamente desqualificada pelo ordenamento vigente. O detentor não poderá manejar ações possessórias e nem tampouco alcançar a propriedade pela via da usucapião”.
Hipóteses de Detenção e Transformação da Detenção em Posse
Salienta-se que o ordenamento brasileiro admite quatro hipóteses taxativas de detenção, quais sejam, os servidores da posse, os atos de permissão ou tolerância, a prática de atos de violência ou clandestinidade e a atuação em bens públicos de uso comum do povo ou de uso especial.
Os servidores da posse ou gestores da posse são aqueles que detém o poder físico sobre o bem em virtude de uma relação subordinativa para com terceiro. Ressalta-se que tais servidores são conhecidos como fâmulos da posse, que exercem atos de posse em nome alheio, como instrumento da vontade de outrem. Exemplo: caseiro (ROSENVALD; FARIAS, 2014).
Para ser considerado fâmulo da posse não é necessário possuir um contrato formal de trabalho ou de remuneração como contraprestação de serviços realizados. Pode-se dizer que, em certas situações, será difícil diferenciar o servidor da posse - detentor - do possuidor direto do bem. Nos casos em que houver contrato de depósito, o depositário do bem será considerado possuidor imediato da coisa.
Cumpre informar que o detentor não possui legitimidade para ajuizar ações possessórias para defender o bem de esbulho, turbação ou ameaça.
Quanto aos atos de permissão e de tolerância, cabe apontar que não geram a posse. A permissão tem origem na autorização expressa do verdadeiro possuidor, para que o terceiro utilize a coisa, já a tolerância deriva do consentimento tácito ao seu uso. Destaca-se que a tolerância pode ser verificada pelo magistrado na situação concreta, quando houver estabilidade na posição do ocupante diante do bem.
Conforme indicado por Rosenvald e Farias (2014, p. 114) “a detenção do artigo 1.198 do Código Civil de 2002 é uma detenção desinteressada”, já que o fâmulo da posse é tido como um servidor em posse alheia. A detenção da primeira parte do artigo 1.208 do Código Civil de 2002 pode ser tida como detenção interessada, já que a pessoa que atua de acordo com a permissão ou a tolerância procura extrair proveito próprio do bem e satisfaz os seus interesses econômicos imediatos.
Com relação à prática de atos de violência ou clandestinidade, pode-se dizer que não autorizam a aquisição da posse. Tais atos impedem a aquisição da posse por quem delas se aproveita e os ilícitos sobre a coisa passam a ser caracterizados como simples atos de detenção.
Outra hipótese de detenção é a atuação de bens públicos de uso comum do povo ou de uso especial. Para Rosenvald e Farias (2014) o particular ao ocupar bem público de uso comum do povo ou especial não possui ação possessória em face do Poder Público, já que como mero detentor é inviável alegar esbulho, turbação ou ameaça em virtude de atos de auto executoriedade realizados pela administração.
A autoexecutoriedade faz com que os atos e as medidas da Administração sejam colocados em prática e aplicados pela Administração, por intermédio de coação, de acordo com o caso e sem necessidade de consentimento de outro poder (MEDAUAR, 2018).
Cabe indicar também o Enunciado nº 301 da IV Jornada de Direito Civil do CJF (2006), que dispõe ser possível a conversão da detenção em posse, contanto que rompida a subordinação, na situação de exercício em nome próprio dos atos possessórios.
Para que ocorra a transformação da detenção em posse, não basta a alegação do detentor, já que o respectivo não é capaz de alterar por sua exclusiva vontade, a índole da sua relação com o bem. Apenas atos objetivos e exteriores, em oposição ao direito do antigo possuidor determinam a transformação do título de aproveitamento da coisa, que passará de detenção à posse (TEPEDINO, 2021).
Conclusão
Diante do exposto, percebe-se que a detenção e a posse apesar de serem institutos semelhantes possuem diferenças. A definição de posse indicada no Código Civil de 2002 pauta-se na teoria objetiva de Ihering, sendo assim, o corpus não é caracterizado como detenção física da coisa. A detenção, por sua vez, é considerada uma posse degradada.
Salienta-se ainda, que a detenção pode ser convertida em posse, contanto que seja rompida a subordinação, no caso de exercício em nome próprio de atos possessórios.
Referências:
FARIAS, Cristiano Chaves de.; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. v. 5. 10 ed. Salvador: JusPodivm, 2014.
SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antônio. Direito Imobiliário: teoria e prática. 15 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.
SIDOU, J. M. Othon. Dicionário Jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
TEPEDINO, Gustavo.; MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo.; RENTERIA, Pablo. Fundamentos do Direito Civil. v. 5. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021.