A Lei nº 12.846 de 2013 e Responsabilidade Penal dos Administradores e do Compliance Officer

Por Thaís Netto - 07/04/2024 as 22:17

Neste artigo busca-se abordar a responsabilidade penal dos administradores e do Compliance Officer. Para tanto, inicia-se a exposição retomando alguns aspectos sobre o Compliance e o Programa de Integridade. 

Compliance e Programa de Integridade

Com a Lei Anticorrupção - Lei nº 12.846 de 01 de agosto de 2013, a discussão sobre o Compliance ganhou destaque. O Decreto nº 8.420 de 18 de março de 2015 regulamentou a referida lei e definiu os parâmetros do Programa de Integridade. 

Conforme indicado pela CGU (p. 6, 2015) o Programa de Integridade pode ser entendido como “um programa de compliance específico para prevenção, detecção e remediação dos atos lesivos previstos na Lei nº 12.846 de 2013, que tem com foco, além da ocorrência de suborno, também fraudes nos processos de licitações e execução de contratos com o setor público”. 

Os cinco pilares do Programa de Integridade são: o comprometimento e o apoio da alta direção, a instância responsável pelo Programa de Integridade, a Análise de perfil e os riscos, a estruturação das regras e dos instrumentos (padrões de ética e de conduta; as regras, as políticas e os procedimentos para mitigar os riscos; a comunicação e o treinamento; os canais de denúncias; as medidas disciplinares e ações de remediação) e as estratégias de monitoramento contínuo. 

A Lei Anticorrupção se refere à responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas, pela prática de atos contra a Administração Pública, nacional ou estrangeira. Assim, a lei indicada não apresenta natureza penal. Apesar de indicar a responsabilização de pessoas jurídicas, os dirigentes de tais pessoas, as pessoas físicas, podem sofrer sanções previstas na lei (MEDAUAR, 2018). 

Pode-se dizer que o compliance possui diferenciação temática, com base no ramo do direito ou problema específico ao qual se relacione. Dessa forma, além do direito bancário e de ações, há compliance com as normas de direito do trabalho, de proteção de dados, de comércio internacional, de direito tributário, entre outros. No direito penal, o compliance é voltado, principalmente, para prevenção à lavagem de dinheiro e corrupção (VERÍSSIMO, 2017).

Compliance officer 

O Decreto nº 8.420 de 2015 indicou no artigo 42, inciso IX, a figura do compliance officer, que é responsável pela aplicação do programa de integridade. O compliance officer pode ser entendido como o profissional capaz de avaliar os riscos internos e externos de uma empresa, com o intuito de prevenir e de minimizar os riscos de uma responsabilidade legal, em qualquer âmbito judicial (GUIMARÃES et al., 2020). 

Dessa forma, o profissional indicado supervisiona o cumprimento das leis e de regulamentos da empresa, seguindo as estratégias de compliance que forem adotadas. Além disso, deve garantir que a conduta da empresa esteja em conformidade com os requisitos legais e com os padrões internos da empresa (GUIMARÃES et al., 2020). 

A atuação do compliance officer se subdivide em três fases: a montagem - com foco na elaboração do Programa de Integridade para prevenir crimes econômicos -, a execução - na referida fase irá difundir o programa e adotar medidas de controle de riscos - e o controle interno - é feita a gestão de risco por intermédio de administração do programa anteriormente instalado. 

Responsabilidade dos administradores e do compliance officer 

De acordo com o artigo 3º, da Lei Anticorrupção, a responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito. 

Salienta-se que a pessoa jurídica será responsabilizada independentemente da responsabilização da pessoa natural indicada no caput do artigo 3º, da Lei Anticorrupção. Os dirigentes ou administradores, por sua vez, apenas serão responsabilizados por atos ilícitos na medida de sua culpabilidade. 

Apesar de o compliance officer ser concebido como o responsável pela aplicação dos programas de integridade, há muitas controvérsias que envolvem a sua responsabilização, uma vez que a legislação brasileira não fixou parâmetros claros para a referida responsabilização (ROCHA; MELLO, 2019). 

A mera falha no dever de prevenção dentro da empresa não é suficiente para a responsabilização criminal do compliance officer. Deveria haver, em primeiro lugar, uma efetiva posição de garantidor assumida, para posteriormente, apurar se houve dolo em sua conduta. O dever de garantia concedido ao compliance officer é de meio e não de fim, se assim o fosse, seria responsável por algo que não fez, recaindo em responsabilidade penal objetiva (GUIMARÃES et al., 2020).

Segundo Raquel Fernandez (2017) apud Rocha e Mello (2019), a função do compliance officer gravita, somente, em torno da supervisão do sistema de cumprimento implantado na empresa, sua ocupação se atém à vigilância do cumprimento das regras internas da empresa, de comunicar as informações recolhidas ao órgão da administração ou alta direção, que é o titular da função organizativa de controle como forma de prevenir delitos da empresa.

A Ação Penal nº 470 julgada em 2013 pelo STF teve relação direta com a responsabilização criminal do compliance officer, já que houve condenação pela autoria mediata. Na referida Ação Penal foi discutida pela primeira vez a responsabilização criminal de agentes financeiros que não teriam executado o crime diretamente, porém que teriam atuado para a execução de forma indireta, como autores mediatos. A discussão na Ação Penal citada trouxe discussões pouco exploradas, porém não delimitou critérios para quais membros poderiam ser responsabilizados (GUIMARÃES et al., 2020). 

Assim, pode-se dizer que temática indicada apresenta muitas controvérsias por parte da doutrina e não há na legislação uma definição clara dos deveres do compliance officer. Diversos juristas apontam para a necessidade de elaboração de uma legislação que delimite de forma precisa os deveres jurídicos do Compliance Officer. 

Referências:

BRASIL. Decreto nº 8.420 de março de 2015. 

BRASIL. Lei Anticorrupção. Lei nº 12.846 de 01 de agosto de 2013. 

GUIMARÃES, César Caputo.; HEEMSTEDE, Fernanda Tucunduva Van.; OLIVEIRA, Rubens de. O Compliance Officer e sua responsabilização na esfera criminal. In: CARVALHO, André. et al. Manual de Compliance. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. 

MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 21 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2018. 

Programa de Integridade - Diretrizes para as Empresas Privadas. CGU. Brasília, setembro de 2015. 

ROCHA, Rebeca Cerqueira.; MELLO, Sebastian Borges de Albuquerque. A gestão dos riscos penais na sociedade contemporânea e a responsabilidade por omissão nos programas de cumprimento. In: NORONHA DE ÁVILA, Gustavo.; PALITOT BRAGA, Romulo Rhemo. Direito penal, processo penal e criminologia. Zaragoza: Prensas de la Universidad de Zaragoza, 2019. 
VERÍSSIMO, Carla. Compliance: incentivo à adoção de medidas anticorrupção. São Paulo: Saraiva, 2017.