A Posse e Sua Tutela: Classificação

Por Thaís Netto - 13/04/2024 as 11:03

Este artigo objetiva tratar da posse e sua tutela, em específico, da classificação. A classificação é um dos temas mais importantes, uma vez que as diferentes classificações são muito utilizadas nas ações de usucapião, nos interditos possessórios, bem como, no direito aos frutos e às benfeitorias, entre outros. 

A classificação pode ser: em posse direta e posse indireta, em posse justa e posse injusta, em posse de boa-fé e posse de má-fé, em posse com justo título e posse sem justo título. 

Posse direta e posse indireta 

A posse direta e a posse indireta podem ser vistas como desdobramentos da posse. A posse direta e a posse indireta encontram-se previstas no artigo 1.197 do Código Civil de 2002. A grande vantagem desse desdobramento é a de que ambos os possuidores poderão utilizar os interditos possessórios, no intuito de proteger a sua posse em face de terceiros. 

Pode-se dizer que a posse direta e a posse indireta coexistem e não se excluem. O possuidor direto é aquele que possui a posse, em virtude de direito pessoal ou real. São possuidores diretos: o usufrutuário, o usuário, o titular do direito real de habitação, o promitente comprador, o locatário, o comodatário, o depositário, o empreiteiro, o construtor, o titular do direito de retenção, entre outros. O possuidor indireto, por sua vez, se refere ao indivíduo que assegurou a posse direta. São possuidores indiretos: o proprietário, o locador, o mandante, entre outros. 

Conforme indicado por Tito Fulgêncio e Marco Aurélio da Silva Viana (2015) o desdobramento da posse é temporário, ou seja, a posse direta será retomada para quem assegurou-a a terceiro, com a extinção do direito real / direito pessoal. 

Válido destacar ainda, que a posse direta pode existir sem a necessidade da posse indireta. Exemplos: quando o locador aluga a casa e o locatário falece ou abandona a casa (Pontes de Miranda apud Fulgêncio e Viana, 2015); bem como, quando o possuidor usucapiente ou proprietário exercem os direitos possessórios. 

Além disso, cabe informar que tanto o possuidor direto quanto o possuidor indireto poderão utilizar os interditos possessórios um contra o outro, quando se sentirem ameaçados e necessitarem defender a sua posse. Os interditos possessórios são as ações possessórias, que encontram-se dispostas do artigo 554 ao 568, do Código de Processo Civil de 2015. 

Posse justa e posse injusta 

A posse justa encontra-se prevista no artigo 1.200, do Código Civil de 2002. Dessa forma, a posse justa é aquela que não for violenta, clandestina ou precária, já a posse injusta se refere àquela que possui vício possessório, ou seja, defeito / ato ilícito na origem da posse. Os três vícios possessórios são: violenta (força física ou moral), clandestinidade (apossamento escondido e fraudulento) e precariedade (abuso da confiança). 

Segundo Gustavo Tepedino et al. (2020, p. 41) “os vícios da posse assumem caráter relativo, isto é, só podem ser alegados pelo possuidor agredido em face do agressor (ad adversarium), de sorte que não produzem efeitos erga omnes”. Embora o esbulhador se sujeite aos interditos possessórios propostos pelo possuidor esbulhado, poderá defender a sua posse via judicial. 

A posse violenta ocorre quando a coisa for tomada por força contra a vontade de quem a possuía. A violência encontra-se indicada no artigo 1.208 do Código Civil de 2002. Para Tepedino et al. (2020) a posse violenta, não pressupõe sempre a agressão física, pois a coação moral também vicia a posse. A situação acontece quando o possuidor se sente ameaçado e abandona a coisa antes mesmo de sofrer a agressão física.

A clandestinidade encontra previsão no artigo 1.208 do Código Civil de 2002. Pode-se dizer que a clandestinidade está relacionada com a origem e não com a posse. Conforme indicado por Farias e Rosenvald (2014) a posse clandestina é adquirida de forma oculta a quem exerce a posse atual, ou seja, sem publicidade ou ostensividade, ainda que a ocupação seja constatada de maneira eventual por outras pessoas. A clandestinidade não pode ser confundida com a apreensão da coisa em período posterior ao abandono pelo possuidor. 

Um exemplo de posse clandestina é a do vizinho A que, na parte da noite ou em virtude de viagem do vizinho B, muda a cerca divisória do terreno e se apropria de parte do terreno do vizinho B. 

No que se refere à precariedade, cabe informar que é oriunda do abuso da confiança do possuidor, que passa a reter a coisa de forma indevida,  além do prazo ajustado para encerrar a relação obrigacional ou de direito real que ocasionou a posse. 

Posse de boa-fé e posse de má-fé

A posse de boa-fé está prevista no artigo 1.201 do Código Civil de 2002. Pode-se dizer que a posse injusta pode ser de boa-fé ou de má-fé. Segundo Tepedino et al. (2020) quando um indivíduo adquire um bem e imagina ser o proprietário do bem está-se diante da posse de boa-fé. Nessa situação, o possuidor acredita que tem o título que legitima a sua posse. Do contrário, está-se diante de um possuidor de má-fé. 

Em regra, a posse justa é uma posse de boa-fé. Contudo, como não existe vínculo obrigatório de simetria entre a posse de boa-fé / má-fé e a posse justa / posse injusta, nem sempre os vícios subjetivos e os vícios objetivos irão se conciliar. Dessa forma, é possível que coexista a posse justa qualificada pela má-fé. Além disso, nada impede que a posse seja qualificada como injusta e de boa-fé (FARIAS; ROSENVALD, 2014). 

No que se refere à prática jurídica, pode-se dizer que a posse de boa-fé e a posse de má-fé são fundamentais nas matérias de direito aos frutos e aos produtos, bem como, na indenização pelos danos causados à coisa, no direito de retenção e na usucapião (AQUINO, 2013). 

Posse com justo título e posse sem justo título 

Com base no Dicionário Jurídico elaborado Sidou et al. (2016, p. 351), o justo título se refere “ao modo legítimo de adquirir coisa imóvel ou móvel, independentemente de ato de transmissão de propriedade” .

De acordo com o artigo 1.201, Parágrafo único, do Código Civil de 2002, o possuidor com justo título possui a presunção de boa-fé, exceto prova em contrário, ou quando a lei não admitir de forma expressa a referida presunção. 

Quanto à posse sem justo título, pode-se dizer que acontece nas situações em que o mandante, ao confiar no seu mandatário, pensa estar diante de uma posse justa, sem conferir a  procedência do título aquisitivo. 

O STJ considerou por muito tempo que era indispensável para caracterizar o justo título a existência do registro do instrumento de compra e venda. Nos dias atuais o STJ reconhece como justo título, para ensejar a usucapião ordinária, o instrumento de promessa de compra e venda, mesmo que desprovido de registro (TEPEDINO et al., 2020). 

Assim, cabe informar que se trata de uma temática muito importante. Salienta-se que não foi possível esgotá-la, mas foi possível abordar alguns pontos fundamentais e trazer considerações de diversos juristas.

Referências:

AQUINO, Álvaro Antônio Sagulo Borges de. A posse e seus efeitos. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2013. 

FARIAS, Cristiano Chaves de.; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil. Direitos Reais. 10 ed. v. 5. Salvador: JusPodivm, 2014. 

FULGÊNCIO, Tito.; VIANA, Marco Aurélio da Silva. Da posse e das ações possessórias: teoria legal - prática. 12 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. 

TEPEDINO, Gustavo.; MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo.; RENTERIA, Pablo. Fundamentos do Direito Civil. Direitos Reais. v. 5. Rio de Janeiro: Forense, 2020. 

SIDOU, J. M. Othon. et al. Dicionário Jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.