A Posse e sua Tutela: Conceito

Por Thaís Netto - 26/11/2020 as 14:34

Neste artigo objetiva-se iniciar a abordagem sobre a posse e a sua tutela, analisando o conceito da posse. Para tanto, a exposição contemplará as Teorias de Savigny e de Ihering, a diferença entre posse e detenção, a definição de posse e os aspectos legais. 

Teorias de Savigny e de Ihering 

Preliminarmente, cabe informar que a discussão envolvendo a posse e a propriedade trata-se de um tema muito polêmico. As Teorias de Savigny e de Ihering surgiram no século XIX com o intuito de delimitar um conceito de posse. 

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A Teoria de Savigny foi elaborada em 1803 e compreende a posse como “o poder que a pessoa tem de dispor materialmente de uma coisa, com intenção de tê-la para si e defendê-la contra a intervenção de outrem” (FARIAS; ROSENVALD, p. 52, 2014). 

Para Savigny a posse engloba os elementos corpus e o animus. O corpus se refere ao poder físico que a pessoa tem sobre a coisa, já o animus pode ser entendido como a vontade de ter a coisa para si. Dessa forma, para ocorrer a posse é necessário que o indivíduo detenha a coisa e tenha a vontade de possuir a coisa. 

Segundo Alves (2002) a Teoria de Savigny caracteriza-se como subjetiva, já que a diferença entre posse e detenção baseia-se no elemento subjetivo, ou seja, na existência de animus domini. 

A Teoria de Ihering faz críticas à Teoria de Savigny e valoriza a propriedade. Para Ihering a posse compreende um mero exercício da propriedade. Para Alves (p. 265, 2002) a Teoria de Ihering é tida como objetiva, em razão da distinção entre posse e detenção, que é baseada no “elemento objetivo: a existência, ou não, de preceito legal, que transforme a posse em detenção, por lhe retirar o caráter possessório”. 


Conforme indicado por Faria e Rosenvald (2014) a teoria objetiva afasta a conceituação da posse baseada no elemento puramente subjetivo - animus -, já que o elemento está implícito no poder de fato que se exerce sobre a coisa. A posse é demonstrada pela existência exterior, sem a necessidade de tratar da vontade individual de quem possui. 

Definições e aspectos legais

A posse é definida no Dicionário Jurídico Compacto organizado por Deocleciano Guimarães (p. 193, 2012) como “exercício pleno, ou não, de alguns dos poderes inerentes ao domínio ou propriedade. A posse é a exteriorização da propriedade, o poder de fato sobre a coisa, sendo a propriedade um poder de direito”.

O Código Civil de 1916 não incluiu a posse como direito real. O artigo 674 indica como direitos reais, além da propriedade: a enfiteuse, as servidões, o usufruto, o uso, a habitação, as rendas expressamente constituídas sobre os imóveis, o penhor, a anticrese e a hipoteca. 

Salienta-se que o Código Civil de 2002 continuou não incluindo a posse como direito real e manteve-se firmado à teoria objetiva. O artigo 1.225 com as atualizações realizadas pela Lei nº 11.481 de 2007 e pela Lei nº 13465 de 2017 indica como direitos reais: a propriedade, a superfície, as servidões, o usufruto, o uso, a habitação, o direito do promitente comprador do imóvel, o penhor, a hipoteca, a anticrese, a concessão de uso especial para fins de moradia, a concessão de direito real de uso e a laje. 

O Código Civil de 2002 também não traz uma definição de posse, contudo, delimita a definição de possuidor. Assim, com base no artigo 1.196 para ser possuidor não é necessário possuir título.

Apesar de não haver previsão da posse na enumeração dos direitos reais disposta no artigo 1.225 nada impede que seja caracterizada como direito real, uma vez que o requisito da taxatividade exige previsão legal, porém não necessariamente a inclusão no respectivo dispositivo (TEPEDINO et al., 2020). 

Tepedino et al. (2020) indicam que no Direito brasileiro, é predominante o entendimento da posse como um direito real. Além disso, apontam que existem críticas com relação a esse posicionamento, pois a posse não se reveste das notas típicas de direitos reais, como a sequela. 

Ressalta-se que a posse pode se basear em um direito preexistente, que acontece quando um adquirente registra o seu título e assim, torna-se proprietário do bem - jus possidendi -  ou a posse pode se referir à situação em que alguém se instala na propriedade de outra pessoa e permanece na referida propriedade, mantendo a posse mansa e pacífica por mais de ano e dia - jus possessionis. 

Conforme indicado por Álvaro Antônio Sagulo Borges de Aquino (2013) em lugar de definir a posse como o exercício do direito de propriedade - caso fosse definida dessa maneira, apenas o proprietário seria possuidor -, para perceber se há posse, deve-se verificar se ocorre o fato do exercício de algum dos poderes inerentes à propriedade. 

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Além disso, de acordo com Aquino (2013), na caracterização da posse o contato pode ocorrer em três situações diferentes: contato físico, possibilidade imediata do possuidor manter a coisa com o contato físico e a possibilidade mediata, concreta e definida do possuidor retomar o contato físico com a coisa.

Conclusão 

Percebe-se que tanto a Teoria de Savigny quanto a Teoria de Ihering abordam a detenção ao conceituarem a posse. A Teoria de Savigny tida como subjetiva valoriza a vontade e, por isso, é alvo de críticas pela Teoria de Ihering que, em sua concepção objetiva, subordina a posse à propriedade. 

Destaca-se que a concepção de Ihering é criticada pela subordinação citada, já que alguns juristas acreditam que isso reduz a posse a um direito ínfimo e diminui a sua importância social. 

Destaca-se que as referidas teorias trouxeram contribuições para a discussão envolvendo o conceito da posse. Entretanto, a discussão no que se refere à posse precisa avançar para a realidade brasileira, que vive de forma frequente o conflito entre posse e direito de propriedade. Vários operadores do direito apontam, inclusive, para a necessidade de dar mais importância à posse e a imprescindibilidade de ser garantida a função social da posse que, por sua vez, se relaciona com o direito à moradia como um direito fundamental. 

Referências:

ALVES, José Carlos Moreira. Posse evolução histórica. vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 1985. p. 1-5. 

ALVES, José Carlos Moreira. Direito Romano. vol. 1. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 261-279. 

AQUINO, Álvaro Antônio Sagulo de. A posse e os seus efeitos. 3 ed. São Paulo: Editora Atlas S/A, 2013. p. 41-50. 

FARIAS, Cristiano Chaves de.; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil Reais. vol. 5. 10 ed. Salvador: JusPodivm, 2014. p. 52-67. 

GUIMARÃES, Deocleciano Torrieri. Dicionário Compacto Jurídico. 16 ed. São Paulo: Rideel, 2012. p.193. 

TEPEDINO, Gustavo.; MONTEIRO FILHO, Carlos Edison do Rêgo.; RENTERIA, Pablo. Fundamentos do Direito Civil Direitos Reais. vol. 5. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020. p.16-22.