A Posse e sua Tutela: Detenção

Por Thaís Netto - 13/04/2024 as 11:05

Este artigo objetiva tratar da posse e sua tutela no que diz respeito à detenção. Para tanto, em um primeiro momento, retoma-se a discussão de Savigny e de Ihering sobre a posse. Em seguida, a abordagem passa a dispor sobre: o conceito de detenção previsto no Código Civil de 2002, as hipóteses de detenção e, por fim, alcança a transformação da posse em detenção. 

Aspectos introdutórios

A Teoria de Savigny conhecida como a teoria subjetiva concebe a posse como o poder que o indivíduo possui para dispor materialmente de uma coisa, com a intenção de tê-la ou defendê-la contra a intervenção de outro indivíduo. 

Na Teoria de Savigny, a posse possui dois elementos constitutivos, quais sejam, o corpus e o animus. O corpus se refere ao controle material da pessoa sobre a coisa, já o animus está relacionado com o elemento da vontade de ter a coisa para si. Dessa forma, somente haverá posse quando houver animus possidendi. Nos casos em que a pessoa atuar materialmente sobre a coisa e não tiver o animus - vontade - haverá mera detenção - locatário, usufrutuário, entre outros. 

A Teoria de Ihering conhecida como teoria objetiva entende que a posse, nas palavras de Farias e Rosenvald (2014, p. 53), é “mero exercício da propriedade”. A teoria objetiva afasta a conceituação de que a posse se baseia no elemento subjetivo animus, já que “ele está implícito no poder de fato exercido sobre a coisa”. 

Segundo Ihering, para existir posse tem que existir propriedade. A teoria de Ihering dispensa a vontade - animus - e, assim, estende a condição de possuidores aos locatários, aos usufrutuários, entre outros, diferentemente, da teoria de Savigny. 

Conforme indicado por Caio Mário da Silva Pereira (2019, p. 15) pode-se dizer que a diferença substancial entre a teoria de Savigny e de Ihering reside no fato de que para “a primeira, o corpus aliado à affectio tenendi gera detenção, que somente se converte em posse quando se lhes adiciona o animus domini (Savigny); para a segunda, o corpus mais a affectio tenendi geram posse, que se desfigura em mera detenção apenas na hipótese de um impedimento legal (Ihering)”. 

Percebe-se que tanto a Teoria de Savigny quanto a Teoria  de Ihering consideram a detenção como base de suas teorias. Entretanto, as duas teorias apresentam divergências como explicitado acima. Além disso, cabe informar que no ordenamento jurídico brasileiro adota-se a teoria objetiva de Ihering. Dessa forma, são previstas hipóteses taxativas da detenção. 

Detenção

Para Sidou (2016) o detentor no Direito Civil se refere àquele que, encontra-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse da coisa em nome desse, e em cumprimento de ordens ou de instruções recebidas. A detenção está prevista no artigo 1.198 do Código Civil de 2002. 

Com base no artigo 1.198, do Código Civil de 2002 pode ser caracterizado como detentor “aquele que, achando-se em relação de dependência para com outro, conserva a posse em nome deste e em cumprimento de ordens ou instruções suas”. 

Conforme indicado por Rosenvald e Farias (2014) são reconhecidas quatro hipóteses (taxativas) de detenção: os servidores da posse, os atos de permissão ou tolerância, a prática de atos de violência ou clandestinidade e a atuação em bens públicos de uso comum do povo ou de uso especial.

Os servidores da posse ou os gestores da posse ou os fâmulos da posse são aqueles que possuem o poder físico sobre a coisa, em virtude de uma relação subordinativa para com terceiro. Dessa forma, é aquele que apreende o bem em cumprimento de ordens ou de instruções emanadas dos reais possuidores ou proprietários. Exemplo: caseiro do imóvel (FARIAS; ROSENVALD, 2014).

Salienta-se que o detentor não pode ajuizar ações possessórias em defesa de esbulho, turbação ou ameaça sobre o bem. Contudo, com base no Enunciado nº 493 do Conselho de Justiça Federal, “o detentor pode, no interesse do possuidor, exercer a autodefesa do bem sob seu poder”. 

Os atos de permissão ou tolerância não induzem posse, nos termos do artigo 1.208, do Código Civil de 2002. A permissão é oriunda de autorização expressa do possuidor para que outro indivíduo utilize a coisa, já a tolerância é resultante do consentimento tácito ao seu uso. Exemplo: quando um indivíduo guarda o seu carro na vaga de garagem do vizinho, sem ter expressa autorização, a situação pode ser enquadrada como tolerância.

Quanto à prática de atos de violência ou clandestinidade, cabe indicar que não autorizam a aquisição de posse, nos termos do artigo 1.208, do Código Civil de 2002. Os referidos atos configuram-se como simples atos de detenção. 

Com relação à atuação em bens públicos de uso comum do povo ou de uso especial, pode-se dizer que o particular que ocupa bem público de uso comum do povo ou especial não pode ajuizar ação possessória em face do Poder Público, tendo em vista que é um mero detentor. De acordo com o artigo 100, do Código Civil de 2002 não é possível a usucapião de bens públicos.

Considerações finais 

Como se pode perceber, embora as teorias de Savigny e de Ihering apresentem diferenças, ambas baseiam suas concepções na detenção. Conforme demonstrado no presente artigo, a detenção, por sua vez, se distingue da posse, tendo em vista que o detentor está a serviço da posse de outra pessoa. 

Nesse sentido, o detentor não pode ajuizar ações possessórias e invocar os interditos possessórios. Outrossim, o detentor não pode adquirir a propriedade por intermédio da usucapião. Com base no Enunciado nº 493 da V Jornada de Direito Civil do CJF (2011) “o detentor pode (artigo 1.198 do Código Civil) no interesse do possuidor, exercer a autodefesa do bem sob seu poder”. 

Por fim, destaca-se que a detenção pode se transformar em posse, caso o detentor deixe de cumprir as ordens do possuidor e exerça em nome próprio atos possessórios. A afirmativa é justificada de acordo com o Enunciado nº 301, da IV Jornada de Direito Civil de CJF (2011). 

Referências:

FARIAS, Cristiano Chaves de.; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Direitos Reais. vol. 5. Salvador: JusPodivm, 2014. 

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil: direitos reais. 27 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. 

SIDOU, J. M. Dicionário Jurídico: Academia Brasileira de Letras Jurídicas. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016. 

TEPEDINO, Gustavo. et al. Fundamentos do Direito Civil: Direitos Reais. 1 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.