No último mês, as mortes de Bruno Pereira e Dom Philips tomaram os noticiários. O indigenista e o jornalista britânico foram assassinados durante uma viagem na terra indígena do Vale do Javari, no Amazonas. Durante as investigações, a cadeia de custódia assumiu papel de protagonista e comprovou os crimes praticados contra a dupla. Como? A Polícia Federal que estava no comando da investigação perfez a cadeia de custódia da causa criminal, o que culminou com o reconhecimento, isolamento e coleta de vestígios.
E foi neste cenário que o Defensor Público Federal Pablo Farias escolheu o tema "A Cadeia de Custódia no Processo Penal" para a terceira live promovida pelo Instituto de Direito Real. Intermediada pela professora Bethânia Senra, a conversa abordou o conceito, as peculiaridades e suas etapas.
Antes de entrar, de fato, no que consiste a Cadeia de Custódia, Pablo explicou que o tema é, em si, polêmico sobre vários aspectos. De acordo com o defensor, isso ocorre porque trazemos uma ótica jurídica quando na verdade é uma temática criminalística.
"O tema será polêmico sobre vários aspectos. Primeiro porque a gente tem uma ótica jurídica a respeito da temática, só que é uma temática que ingressou no Código de Processo Penal, mas é uma temática criminalística. Tanto é que aqueles conceitos que foram escritos ali pelo artigo 158-A, B, principalmente o B, que define cada fase desse acondicionamento dos vestígios é um conjunto de conceitos que vêm de outros ramos da ciências. Enxergo isso com muito otimismo por ter se colocado dentro do Código de Processo Penal uma normativa tão detalhada sobre a Cadeia de Custódia".
Pablo ressaltou ainda que a nomenclatura pode gerar uma certa confusão para quem não é da área, pois muitas pessoas acabam associando a algo ligado à prisão, "uma cela com grades" ou "uma cadeia que mantém as pessoas custodiadas". Inserida no Código de Processo Penal após a Lei Anticrime (Lei 13.964/2019), a Cadeia de Custódia é abordada do artigo 158-A ao 158-F. Neles são tratados como deve ser a preservação do local do crime, o momento da coleta até o descarte final do material, passando por inúmeras etapas e respeitando várias formalidades.
Mas o que, de fato, é a cadeia de custódia? De acordo com o Art. 158-A, ela corresponde ao conjunto de todos os procedimentos utilizados para manter e documentar a história cronológica do vestígio coletado em locais ou em vítimas de crimes, para rastrear sua posse e manuseio a partir de seu reconhecimento até o descarte. Na live, Pablo explicou que a cadeia de custódia é o percurso histórico dos vestígios.
"A cadeia de custódia é o percurso histórico dos vestígios, que são aqueles elementos sensíveis deixados pelo delito. Depois que o crime aconteceu, os rastros dele foram guardados por quem, quando, onde? São vários questionamentos que essa normalização que o CPP fixa vão garantir. E esse é um tema muito caro porque se você parar para analisar garantir a confiança de que aquele vestígio se refere aquele fato é também permitir que, no futuro, a defesa possa produzir ou solicitar um meio de prova favorável a sua tese".
No Art. 158-B, o CPP define as etapas do rastreamento de um vestígio começando pelo reconhecimento até o descarte do mesmo. Já o Art. 158-C reforça que a coleta dos vestígios deverá ser realizada preferencialmente por perito oficial, que dará o encaminhamento necessário para a central de custódia, mesmo quando for necessária a realização de exames complementares.
Antes de encerrar o bate-papo, o defensor público federal trouxe a tona um caso particular para demonstrar a importância da cadeia de custódia. Pablo contou sobre o desfecho de uma audiência que julgava um furto a uma agência da Caixa Econômica Federal.
"Já teve audiência que estava com a papiloscopista da Polícia Federal e ela reconheceu que a digital que foi apresentada a ela era do réu. E eu: "beleza". Se bateu, não tem como discutir. Mas eu perguntei para ela: "Você se deparou com o cofre? Esse cofre foi apresentado a você fisicamente?". Ela respondeu que não e continuei questionando: "o que foi apresentado a você foi o fragmento das papilas datiloscópicas?". A papiloscopista respondeu que sim e eu segui na argumentação: "Então você sabia que era um comparativo do Banco Nacional, e o outro, que estava no cofre? Como foi apresentado?". Ela alegou que recebeu apenas um fragmento em um arquivo digital enviado por e-mail pelo agente de polícia, sendo que esse agente não tinha sido arrolado pela acusação".
Nesse momento, Pablo conta que o cenário estava favorável a ele, pois tudo indicava que a papiloscopista não havia presenciado a cadeia de custódia.
"Falei: "então você não presenciou a cadeia de custódia?" e ela deu a resposta que eu queria: "não". Continuei na argumentação e a perguntei se ela poderia indicar alguém que tivesse presenciado a cadeia. Recebi como resposta uma negativa, deixando o MPF em silêncio".
Como resultado do processo, devido a falta da cadeia de custódia, o réu foi absolvido por falta de prova. Pablo concluiu:
"Aquela digital poderia ter sido pega em qualquer lugar e entregue ao papiloscopista, e ele comparar".
Pablo encerrou a live ressaltando a importância da cadeia de custódia.
"É um desafio que a gente tem que superar para melhorar a qualidade da nossa prova".
Confira a live completa clicando no vídeo abaixo.