Compliance e Responsabilização: A Mitigação da Responsabilização Através de Cláusulas Contratuais

Por Thaís Netto - 08/04/2024 as 17:21

Neste artigo objetiva-se informar sobre o compliance e a responsabilização, no que se refere à mitigação da responsabilização pelas cláusulas contratuais, securitização e afins. Para tanto, inicia-se a exposição retomando aspectos importantes sobre o compliance e o programa de integridade. Em seguida, parte-se para a abordagem sobre a securitização, o fomento comercial e as Comissões de Valores Mobiliários - CVM, para alcançar a mitigação da responsabilização pelas cláusulas contratuais. 

Compliance e Programa de Integridade

O Compliance surgiu nos EUA, com o intuito de prevenir delitos econômicos e empresariais por intermédio de corregulação empresarial e privada. Expandiu-se para outras atividades financeiras e começou a ser adotado por organizações públicas e privadas. Brevemente, pode-se dizer que compliance é estar em conformidade com as normas internas e externas dos negócios. O compliance pode abranger diversas áreas como a governança, a fiscal, a ambiental, a concorrência, a corrupção, entre outras. 

O Compliance teve início no Brasil na década 1990, mas ganhou notoriedade com a Lei Anticorrupção - Lei nº 12.846 de 2013. O Programa de Integridade se refere a um programa específico de compliance para prevenir, detectar e remediar atos lesivos previstos na Lei nº 12.846 de 2013, com foco na ocorrência de subornos, de fraudes nos processo de licitações e execução de contratos com o setor público. 

Conforme indicado na Cartilha da CGU (2015), o Programa de Integridade orienta-se sob cinco pilares: 

  • Comprometimento e apoio da alta direção - condição indispensável e permanente; 

  • Instância responsável pelo programa deve ser dotada de autonomia, de independência, de imparcialidade, de recursos materiais, humanos e financeiros; 

  • Análise de perfil e riscos - a empresa deve conhecer a estrutura organizacional e os processos, identificar os principais parceiros e os setores de atuação; 

  • Estruturação das regras e dos instrumentos - o código de ética e código de conduta e de regras deve ser elaborado com base no perfil das empresas e das áreas de riscos envolvidas; 

  • Estratégias de monitoramento contínuo - para verificar a aplicabilidade do Programa de Integridade, criar mecanismos para aperfeiçoamento e para atualização. 

Os Programas de Integridade devem ser construídos com o objetivo de atender às necessidades da empresa, para tanto, é importante que se observe as características da empresa e as áreas de risco do negócio.

Comissão de Valores Mobiliários, securitização e factoring

Preliminarmente, cabe informar que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) foi criada em em 07 de dezembro de 1976 pela Lei nº 6.385 de 1976, com o intuito de fiscalizar e de desenvolver o mercado de valores mobiliários no Brasil. A CVM é considerada uma autarquia em regime especial, vinculada ao Ministério da Economia. 

A securitização é uma técnica de transformar ativos relativamente ilíquidos em títulos mobiliários líquidos e de transferir os riscos associados a eles aos investidores “qualificados” que os compram. Os títulos de securitização estão relacionados com o compromisso de pagamento futuro, de principal e juros, a partir de fluxo de caixa oriundo de carteira de ativos selecionados (ANFAC). 

No artigo 8º, da Lei nº 9.514 de 1997 é definida a securitização de créditos imobiliários como a operação pela qual os créditos são vinculados à emissão de títulos de crédito, por intermédio de Termo de Securitização de Créditos, lavrado por companhia securitizadora, onde constarão informações a respeito da operação.

A discussão sobre securitização ganhou destaque com a crise de 2008. Muitos estudiosos acreditam que as brechas na regulamentação do sistema financeiro mundial tiveram relação com a crise indicada. Anteriormente à crise houve expansão de crédito para a habitação, que impulsionou os financiamentos do mercado subprime e do mercado prime.

Com a securitização foi possível passar o risco para outras instituições, que não possuíam acesso ao perfil dos financiadores. Dessa forma, a securitização foi utilizada para camuflar financiamentos de risco como as hipotecas. 

A securitização se diferencia do factoring. O conceito de factoring encontra-se previsto no artigo 15, § 1º, Inciso III, “d’, da Lei nº 9.249 de 1995. Segundo o Procurador do Distrito Federal Marlon Tomazette (2018) pelo conceito legal, pode-se perceber que o factoring está relacionado com a atividade empresarial que engloba a prestação de serviços e a compra de ativos financeiros - créditos. 

O factoring auxilia a alavancagem de negócios de pequenas e de médias empresas, desde a prestação dos serviços até a compra de ativos financeiros. Tal processo pode ser chamado de fomento comercial ou mercantil (ANFAC).

Como fora indicado a CVM fica responsável por fiscalizar e desenvolver o mercado de valores mobiliários no Brasil. Em 23 de outubro de 2018, o colegiado da CVM condenou a administradora de fundos de investimento e o administrador pela falta de setor estruturado de compliance na empresa. Foram identificadas falhas nos controles internos e não havia política escrita de gestão de riscos de liquidez nos fundos administrados (PIMENTA, 2018). 

Os controles internos vão além do cumprimento das normas legais, compreendem a verificação para que os ativos e os recursos sejam usados, com o intuito de atender aos propósitos da organização, abrangendo a eficiência e a eficácia operacional (CVM, 2015). 

Com base na ISO 31000 apud CVM (2015) a gestão de riscos pode ser definida como o conjunto de componentes que fornecem a política, os objetivos, o mandato e o comprometimento para administrar o risco, bem como, as relações, as responsabilidades e os recursos. Além de estar relacionada com o monitoramento e o melhoramento de atividades, com o objetivo de direcionar e de controlar a organização com relação aos riscos. 

Compliance e contratos 

Segundo Natalia Kuznecov (2019) além da mitigação de riscos pela adoção de programa de compliance com os pilares já indicados anteriormente, é importante que exista preocupação com relação aos contratos firmados ou negociados com terceiros. Há formas de prevenir riscos, como os processos internos aplicados aos terceiros e a inserção de cláusulas específicas nas propostas comerciais e nos contratos a serem firmados. 

Ainda conforme indicado por Natalia Kuznecov (2019), na fase pré-contratual, caso a empresa realize due diligence no futuro parceiro para verificar a idoneidade da empresa, recomenda-se a inclusão da cláusula “request for proposal” (REP) na proposta a terceiros que participarão do processo. A cláusula pode dispor que a execução do contrato está condicionada a aprovação do respectivo parceiro no processo de revisão interna do processo de compliance. Assim, não será necessária a justificativa para descredenciamento ou não aprovação do projeto. 

Com relação às cláusulas de compliance nos contratos, cabe indicar algumas que são importantes para mitigar os riscos, tais como aquelas que se refiram ao comprometimento com a integridade nas relações público-privadas, a previsão de rescisão contratual quando a contratada praticar atos lesivos à administração pública nacional ou estrangeira e o pagamento de indenização nos casos de responsabilização da empresa contratante em razão de ato do contratado (CGU, 2015). 

Diante do exposto, percebe-se que a adoção de programas de compliance é fundamental para mitigar a ocorrência de atos ilícitos, de riscos, de fraude e de atos de corrupção. A adoção de programas de compliance pode reduzir penalidades previstas na Lei Anticorrupção e na Lei de Defesa da Concorrência. Outrossim, foi indicada a importância do compliance na fase pré-contratual e na fase contratual, com o intuito de preservar a organização ao selecionar o parceiro comercial. 

Referências:

Gerenciamento de riscos corporativos. CVM. Outubro de 2015. 

KUZNECOV, Natalia. Cláusulas contratuais para mitigação de riscos relacionados à reputação em virtude de violações à Lei nº 12.846 de 2013. In: KLEINDIENST, Ana Cristina. Grandes Temas do Direito Brasileiro: Compliance. 2 ed. São Paulo: Almedina, 2019.

PIMENTA, Guilherme. CVM condena administradora de fundos por falta de setor de compliance. Jota. 25 out. 2018. 

Programa de Integridade: diretrizes para as empresas privadas. CGU. Brasília, setembro de 2015. 

Securitizadoras. ANFAC. Página Institucional. 

TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: títulos de crédito. 9 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.