Compliance e Responsabilização: Lavagem de Dinheiro, Corrupção da Legislação Geral e Compliance

Por Thaís Netto - 08/04/2024 as 17:29

Neste artigo busca-se abordar o compliance e a responsabilização, englobando a lavagem de dinheiro e a corrupção. Para tanto, inicia-se a discussão retomando aspectos sobre o compliance e a legislação. Posteriormente, serão analisados separadamente e de forma um pouco mais detalhada a lavagem de dinheiro e a corrupção. 

Compliance e legislação 

O compliance surgiu nos EUA, com o objetivo de prevenir delitos econômicos e empresariais por meio de corregulação empresarial e privada. Expandiu-se para outras atividades financeiras e passou a ser adotado por várias organizações públicas e privadas. Compliance é estar em conformidade com as normas e com as leis, ou seja, é agir de acordo com as regras nos controles internos e externos do negócio. 

A discussão sobre o compliance teve início no Brasil na década de 1990. Em 17 de dezembro de 1997 foi concluída em Paris a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE. 

No ano seguinte, em 03 de março de 1998 foi publicada no Brasil, a Lei nº 9.613, que trata dos crimes de lavagem de dinheiro ou ocultação de bens, de direitos e de valores; da prevenção da utilização do sistema financeiro para os ilícitos indicados na respectiva Lei, bem como, cria o Conselho de Controle de Atividades Financeiras - COAF. A lei indicada seguiu o compromisso firmado pelo Brasil na Convenção de Viena de 1988, no que se refere à tipificação na legislação interna da lavagem de dinheiro. 

O COAF “coordena a participação do Brasil em organizações multigovernamentais de prevenção e de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo = PLD/FT”. O conselho indicado também se relaciona com as Unidades de Inteligência Financeira de outros países, com o intuito de prestar informações e de prestar assistência às unidades que solicitarem apoio. 

Em 24 de setembro de 1998 foi publicada a Resolução nº 2.554 do Banco Central do Brasil - Bacen, que implanta e implementa os Sistemas de Controle Internos. Com a resolução citada foram incorporadas regras trazidas da Europa - Comitê da Basileia para Supervisão Bancária, de 1975 - e dos Estados Unidos da América - SEC Securities and Exchange Comission de 1934. 

Em 1999 o Brasil passou a integrar o Grupo de Ação Financeira contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo - GAFI / FATF - e o Grupo Egmont de Unidades de Inteligência Financeira. Em 2000 o Brasil passou a fazer parte do Grupo de Ação Financeira da América do Sul contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo - GAFISUD, atualmente denominado de Grupo de Ação Financeira da América Latina - GAFILAT.

Com a Lei nº 12.846 de 2013 - Lei Anticorrupção, publicada em 01 de agosto, o termo compliance ganhou notoriedade no Brasil e introduziu a temática no âmbito do Direito Administrativo. Conforme exposto por Odete Medauar (2018), de acordo com a legislação indicada é possível atenuar as sanções da pessoa jurídica que estiver envolvida e que utilize procedimentos internos de integridade, de auditoria, de canais de denúncia e que aplique códigos de ética e de conduta. 

A Lei Anticorrupção seguiu os princípios da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE e estabeleceu normas que se relacionam com a transparência, com a governança corporativa e com o compliance. A Lei Anticorrupção prevê a responsabilidade administrativa e civil das pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira. Em 18 de março de 2015 foi publicado o Decreto nº 8.420, que visa regulamentar a Lei nº 12.846 de 2013. 

Em 02 de agosto de 2013 foi sancionada a Lei de Organização Criminosa - Lei nº 12.850. A Lei indicada teve dispositivos alterados pelo Pacote “Anticrime” - Lei nº 13.964 de 2019. 

Em janeiro de 2020 foram publicadas pelo Banco Central a Circular nº 3.978 no dia 23, que visa prevenir a utilização do sistema financeiro para a prática dos crimes de lavagem de dinheiro, entre outros e a Carta-Circular nº 4.001 no dia 29, que atualizou as situações e as operações que eram consideradas suspeitas.  

Lavagem de dinheiro 

A expressão lavagem de dinheiro ou money laudering tem origem nos EUA na década de 1920, época em que as organizações mafiosas aplicavam capitais de atividades criminosas, como o contrabando de bebidas e extorsão em lava-rápidos e lavanderias. 

Conforme indicado anteriormente, a Lei nº 9.613 de 03 de março de 1998 dispõe sobre a lavagem de dinheiro. A Lei citada teve dispositivos alterados pela Lei nº 12.683 de 2012. 

Segundo o Doutor em Processo Penal Marcelo Mendroni (2018) a atividade de lavagem de dinheiro é subdividida em duas categorias e três estágios. A primeira categoria se refere à conversão em bens, em que o agente criminoso troca os valores ou o dinheiro por bens materiais. As obras de arte, os veículos raros, entre outros, são objetos muito utilizados, já que é difícil comprovar, constatar e ter controle sobre o valor empenhado para a aquisição. 

A movimentação do dinheiro / valores / direitos é a segunda categoria. Na respectiva categoria, o agente criminoso movimenta valores ou dinheiro por intermédio de bancos, de paraísos e de praças, dividindo e tornando a reuni-lo, por diferentes formas de transferência e em nomes e contas diversas, com o intuito de dificultar a análise de sua origem ou rastrear sua trilha (MENDRONI, 2018)

De acordo com o COAF, as fases da lavagem de dinheiro são: colocação, ocultação e integração. Brevemente, pode-se dizer que o dinheiro sujo é acumulado e posteriormente é colocado no sistema financeiro. Em seguida, acontece a ocultação, em que há transferência para a conta bancária da empresa “X” - transferência eletrônica, Banco Off-shore, Empréstimo à empresa “Y” e Pagamento por “Y” de notas fiscais falsas à empresa “X”. Após a etapa da ocultação, ocorre a compra de bens de luxo, investimentos financeiros, comerciais e industriais. 

Em 2003 foi criada a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro - ENCCLA, com o objetivo de contribuir para o combate sistemático à lavagem de dinheiro no Brasil. 

A meta 20 da ENCCLA foi criada com o intuito de avaliar e propor alterações nos projetos de lei que ampliem a tipificação do crime de lavagem de dinheiro, desvinculando-o de rol exaustivo de crimes antecedentes, introduz o bloqueio administrativo de ativos ilícitos; conceitua organização criminosa; tipifica o crime de terrorismo e de financiamento ao terrorismo e modifica a Lei nº 9.613 de 1998, adaptando-a a recentes recomendações internacionais. 

A legislação anterior da Lei nº 9.613 de 1998, considerava como delitos: o tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins; de terrorismo; de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção; de extorsão mediante sequestro; contra a administração pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos; contra o sistema financeiro nacional; praticado por organização criminosa e praticado por particular contra a administração pública estrangeira. 

Em 09 de julho de 2012 foram alterados dispositivos da Lei Anticorrupção, revogando os incisos do artigo 1º que indicava os delitos citados acima. Com a alteração da Lei, a lavagem de dinheiro passa a englobar também a ocorrência de contravenção penal antecedente, antes da Lei, era considerado apenas a ocorrência de crime antecedente. 

A Lei atual passa para a 3ª geração de leis sobre lavagem de dinheiro no mundo, que estabelece que qualquer ilícito penal pode ser antecedente da lavagem de dinheiro. Os EUA, a Itália, a Suíça, entre outros, também fazem parte da 3ª geração. 

Os delitos tipificados na legislação anterior continuam inseridos na aplicação da lei, tendo em vista que configuram infrações penais anteriores ou precedentes de lavagem de dinheiro.

Corrupção 

A corrupção e a desigualdade social encontram-se presentes nas civilizações desde a antiguidade e estão relacionadas com o individualismo, os interesses egoísticos, a apropriação de riquezas, a busca e a manutenção do poder, entre outros. As raízes da problemática são bem mais profundas e antigas do que aparentam. 

Conforme indicado no Dicionário de política de Norberto Bobbio et al (p. 292, 1989) a palavra corrupção significa “transação ou troca em quem corrompe e quem se deixa corromper. Trata-se normalmente de uma promessa de recompensa em troca de um comportamento que favoreça interesses do corruptor”. Além disso, a corrupção é uma forma de exercer influência que seja considerada ilícita, ilegal e ilegítima. 

No Código Penal de 1940, mais precisamente, no título XI são elencados os crimes contra a Administração Pública, entre eles, cabe indicar a corrupção passiva - artigo 317- e a corrupção ativa - artigo 333. A corrupção na esfera penal é tipificada como crime e é punida com pena privativa de liberdade. Além das condutas indicadas, há outras relacionadas com a corrupção dispostas no Código Penal, como o peculato e a prevaricação. 

Com a  Lei Anticorrupção publicada em agosto de 2013, ganharam destaque os sistemas de compliance, que são ferramentas de combate à corrupção. Diversos entes federativos têm elaborado legislações dispondo sobre a obrigatoriedade de programa de integridade para as empresas que contratarem com a Administração Pública, como fez o Estado do Rio de Janeiro, por intermédio da Lei nº 7.753 de outubro de 2017.

A corrupção é um dos delitos que mais ensejam a prática de lavagem de dinheiro. No entendimento do STF, a omissão nos deveres de compliance implica a responsabilização pelo crime de lavagem de dinheiro. Dessa forma, as empresas brasileiras devem buscar implantar os sistemas de compliance e cumprir os regulamentos. O responsável pela aplicação do programa de integridade nas organizações é o compliance officer, com base no artigo 42, Inciso IX, do Decreto nº 8.420 de 2015. Assim, o referido  profissional fica encarregado de garantir que todos os regulamentos internos e externos à empresa sejam cumpridos. 

Diante do exposto, pode-se dizer que a comunidade internacional tem incentivado a adoção de programas de compliance e de integridade no enfrentamento da corrupção. Tais programas têm o objetivo de mitigar a ocorrência de casos de fraude, de corrupção e de lavagem de dinheiro, bem como, de responsabilizar administrativamente e civilmente as pessoas jurídicas pela prática de atos lesivos à Administração Pública. 

Referências:

Atuação Internacional em PLD / FT. Ministério da Economia. 

BOBBIO, Norberto.; MATTEUCCI, Nicola.; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de Política. Tradução de Carmen C Varriale et al. v. 1. 11 ed. Brasília: Editora UNB, 1998. 

Carta Circular nº 4.001 de 29 de janeiro de 2020.

Circular nº 3.978 de 23 de janeiro de 2020. 

Lei nº 9.613 de 1998.

Lei nº 12.683 de 2012.

Lei nº 12.846 de 2013.

MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 21 ed. Belo Horizonte: Fórum, 2018.

MENDRONI, Marcelo Batiouni. Crime de lavagem de dinheiro. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2018. 

Meta 20 de 2004. Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro - ENCCLA.