Neste artigo objetiva-se discorrer sobre o papel da Controladoria-Geral da União - CGU e do Ministério Público no enfrentamento da corrupção, abarcando o Compliance e as sanções previstas na Lei nº 12.846 de 2013.
Compliance
O termo compliance surgiu nos EUA na década de 1950 e é frequentemente utilizado na economia e na gestão corporativa. No Brasil, começou a ser adotado na década de 1990, mas ganhou destaque com a Lei Anticorrupção - Lei nº 12.846 de 2013, que introduziu o respectivo termo no Direito Administrativo.
A Lei nº 12.846 de 2013 diz respeito à responsabilidade administrativa e civil aplicada às pessoas jurídicas, pela prática de atos contra a administração pública nacional ou estrangeira. O Decreto nº 8.420 de 2015 veio regulamentar a respectiva lei.
A responsabilização administrativa encontra-se prevista nos artigos 6º e 7º, da Lei Anticorrupção. As sanções administrativas são: a multa no valor de 0,1% a 20% do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, não devendo nunca ser inferior a vantagem recebida, nos casos em que for possível ser estimada, bem como, a publicação extraordinária da decisão condenatória.
Pode-se dizer que a responsabilização da pessoa jurídica na esfera administrativa não afasta a possibilidade de responsabilização na esfera judicial. No que se refere à responsabilização judicial, cabe informar que as sanções estão dispostas no artigo 19, da Lei Anticorrupção, entre elas, tem-se a suspensão ou interdição parcial de suas atividades e a dissolução compulsória da pessoa jurídica.
Destaca-se que a aplicação das sanções previstas na Lei Anticorrupção não afeta os processos de responsabilização e de aplicação de penalidades decorrentes de ato de improbidade administrativa e atos ilícitos alcançados pela Lei de Licitações ou outras normas de licitações e contratos da administração pública, como o Regime Diferenciado de Contratações Públicas.
Controladoria Geral da União - CGU
A Controladoria-Geral da União - CGU é caracterizada como órgão de controle interno do Governo Federal encarregado de realizar atividades que possuem ligação com a defesa do patrimônio público e com o incremento da transparência da gestão, por intermédio de ações de auditoria pública, de correição, de prevenção e de combate à corrupção e ouvidoria.
Outrossim, cabe informar que a CGU deve exercer a supervisão técnica dos órgãos que compõem o Sistema de Controle Interno, o Sistema de Correição e o Sistema de Ouvidoria do Poder Executivo Federal, prestando orientação normativa.
Conforme indicado por Odete Medauar (2018) o controle interno se refere ao controle realizado pela Administração sobre os seus próprios órgãos e suas entidades indiretas.
A CGU no âmbito do Poder Executivo federal possui a competência concorrente para instaurar processos administrativos de responsabilização de pessoas jurídicas ou para avocar os processos instaurados, com fundamento na Lei Anticorrupção, para exame de sua regularidade ou para corrigir-lhes o andamento, com base no artigo 13, caput, do Decreto nº 8.420 de 2015.
A CGU poderá exercer a competência citada acima prevista no artigo 13, caput, do Decreto nº 8.420 de 2015, desde que presentes quaisquer das respectivas circunstâncias: a caracterização da omissão da autoridade originalmente competente; a inexistência de condições objetivas para sua realização no órgão ou entidade de origem; a complexidade, a repercussão e a relevância da matéria; o valor dos contratos mantidos pela pessoa jurídica com o órgão ou a entidade atingida; ou a apuração que envolva atos e fatos relacionados a mais de um órgão ou entidade da administração pública federal.
Além disso, compete à CGU a apuração, o processo e o julgamento dos atos ilícitos previstos na Lei Anticorrupção, praticados contra a administração pública estrangeira, respeitando o disposto no artigo 4º, da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, promulgada pelo Decreto nº 3.678 de 30 de novembro de 2000.
Salienta-se que a CGU possui a competência exclusiva para celebrar Acordos de Leniência no âmbito do Poder Executivo Federal e nos casos de atos lesivos contra a Administração Pública estrangeira.
Segundo Di Pietro (2018) o Decreto nº 8.420 de 2015, no capítulo I, determina as normas sobre a responsabilização administrativa, que deverá ser efetuada por intermédio de Processo Administrativo de Responsabilização - PAR, cuja investigação deverá ter caráter sigiloso.
Em 07 abril de 2015 a CGU normatizou, por intermédio da Instrução Normativa nº 01 de 2015, a metodologia para apuração do faturamento bruto e dos tributos a serem excluídos para fins de cálculo da multa a que se refere o artigo 6º, da Lei Anticorrupção.
Recentemente, na data de 09 de junho de 2020, a CGU publicou a Portaria nº 1.214, que regulamenta os requisitos e o procedimento de reabilitação previsto no inciso IV e no § 3º do artigo 87 da Lei de Licitações e Contratos Administrativos - Lei nº 8.666 de 1993.
A referida Portaria estabelece um rito processual próprio para a reabilitação. De acordo com o artigo 2º, III, da Portaria nº 1.214 de 2020, entre os requisitos cumulativos para a concessão reabilitação, cabe indicar a adoção de medidas que demonstrem a superação dos motivos determinantes da punição, o que inclui a implementação e a aplicação de programa de integridade, que deverá ser instituído com base nos parâmetros estabelecidos pelo artigo 42, do Decreto nº 8.420 de 2015.
Ministério Público - MP
O Ministério Público - MP é caracterizado como um órgão independente que não se encontra vinculado a nenhum dos Poderes - Executivo, Legislativo e Judiciário. Com base na Constituição da República, o MP é visto como uma instituição permanente que possui autonomia e independência funcional. Os princípios institucionais do MP são a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.
Segundo a Doutora em Direito Público Ana Flávia Messa (2019) o Ministério Público desempenha papel relevante na fiscalização e na implementação da Lei de Acesso à Informação - LAI, que visa integrar o interesse da sociedade, compreender a condução da gestão pública com o interesse da Administração Pública, prestar contas ao cidadão, e esclarecer como tem gerido o dinheiro público.
Dessa forma, na função de cumprir a LAI, o MP possui o papel, em âmbito interno, de implementação e fiscalização da LAI e em âmbito externo de implementação e de fiscalização da LAI, nos órgãos públicos integrantes da administração direta dos Poderes Executivo, Legislativo, inclusive, as Cortes de Contas e o Judiciário; as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista, bem como, as entidades controladas direta ou indiretamente pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios; as entidades privadas, que não possuam finalidade lucrativa, que recebam, para realizar ações de interesse público, recursos públicos do orçamento ou por meio de subvenções sociais, contrato de gestão, entre outros (MESSA, 2019).
A LAI tem um papel importante no enfrentamento da corrupção, já que possibilita aos cidadãos o conhecimento das informações públicas com relação às condutas dos atores políticos responsáveis pela administração e pelo uso das verbas públicas.
Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por intermédio das Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial ou, equivalentes, e o Ministério Público poderão ajuizar ação com o intuito de aplicar sanções às pessoas jurídicas infratoras, em virtude da prática de atos previstos no artigo 5º na Lei Anticorrupção.
As sanções que poderão ser aplicadas são: o perdimento de bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, salvo o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé; a suspensão ou interdição parcial de suas atividades; a dissolução compulsória da pessoa jurídica e a proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 e máximo de 5 anos.
De acordo com o artigo 5º da Lei Anticorrupção, constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins da Lei nº 12.846 de 2013, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas indicadas no parágrafo único do artigo 1º, que atentem contra o patrimônio nacional ou estrangeiro, contra os princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, como o disposto no inciso III: “comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados”.
Outrossim, pode-se dizer que o Ministério Público, a Advocacia Pública, o órgão de representação judicial ou equivalente, poderá requerer a indisponibilidade de bens, direitos ou valores necessários à garantia do pagamento da multa ou da reparação integral do dano causado, de acordo com o previsto no artigo 7º, ressalvado o direito do terceiro de boa-fé.
Nas ações ajuizadas pelo Ministério Público, poderão ser aplicadas as sanções indicadas no 6º, sem prejuízo das previstas no capítulo VI, da Lei Anticorrupção, contanto que seja constatada a omissão das autoridades competentes para promover a responsabilização administrativa.
Diante do exposto, pode-se perceber a importância dos órgãos da administração pública CGU e MP no enfrentamento da corrupção, que possuem funções que vão desde a prevenção até a instauração de processos / ajuizamento de ações que possibilitem a punição das pessoas jurídicas infratoras.
Como é sabido, a cultura de compliance tem sido difundida em diversos países no combate à corrupção. Os programas de compliance e de integridade podem auxiliar as organizações a mitigar os riscos de corrupção e de fraude, mas não podem torná-las imunes de tais ocorrências. Os instrumentos devem ser cada vez mais aprimorados e devem passar por discussões entre o governo, os professores pesquisadores, os juristas, entre outros. A corrupção é um problema de longa data, há muitos desafios a serem enfrentados, todas as medidas que forem pensadas e adotadas devem preservar as garantias constitucionais.
Referências:
CGU regulamenta procedimentos para reabilitação de fornecedores inidôneos. CGU. 10 jun. 2020.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 31 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2018.
Instrução Normativa nº 01 de 07 de abril de 2015. CGU.
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 21 ed. Belo Horizonte: Forense, 2018.
MESSA, Ana Flávia. Transparência, Compliance e Práticas Anticorrupção na Administração Pública. São Paulo: Almedina, 2019.
Portaria nº 1.214 de 08 de junho de 2020. CGU.