Direito das Sucessões: Petição de Herança

A petição de herança é a ação judicial que o verdadeiro herdeiro pode mover contra o aparente ou o possuidor, para ver respeitados seus direitos sucessórios, sendo cabível sempre que o bem de pessoa falecida tiver sido transmitido (ou estiver em vias de o ser) para pessoa que não titularizava o direito de o receber ou estiver indevidamente na posse de quem não ostenta a condição de sucessor, conforme expõe Fábio Coelho.

Nesse sentido, temos o artigo 1.824 do Código Civil que afirma que o herdeiro pode, em ação de petição de herança, demandar o reconhecimento de seu direito sucessório, para obter a restituição da herança, ou de parte dela, contra quem, na qualidade de herdeiro, ou mesmo sem título, a possua.

Fábio Coelho explica a ação com o seguinte exemplo:

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“O filho havido fora do casamento, que não foi reconhecido pelo genitor, pode mover a ação de reconhecimento de paternidade enquanto viver (CC, art. 1.606). Se o fizer depois do falecimento do genitor — de modo mais preciso, depois da partilha —, demandará os sucessores aos quais tiver sido transmitida a herança. Evidentemente esse filho não participou da sucessão porque ainda não tinha título de familiar sucessível a legitimar sua participação. Vindo a ser julgada procedente a ação de reconhecimento de paternidade, no entanto, poderá reivindicar dos sucessores sua quota hereditária (se os sucessores eram descendentes de primeiro grau, ou seus representantes, ou familiar concorrente) ou mesmo toda a herança (se os sucessores eram ascendentes ou colaterais do falecido). Essa reivindicação faz-se por petição de herança, que pode ser cumulada com a ação de reconhecimento de paternidade ou sucedê-la. Note-se, contudo, que é imprescritível a ação de reconhecimento, mas não a petição de herança (Súmula 149 do STF); a pretensão relativamente a essa última prescreve em 10 anos, contados da abertura da sucessão (art. 205, CC)”.

A ação de petição de herança pode ser ajuizada por somente um dos herdeiros e, ainda assim, poderá compreender todos os bens hereditários (artigo 1.825 do CC), pois, conforme Flávio Tartuce, a herança, antes da partilha, constitui um bem indivisível e, havendo a citada devolução, o possuidor da herança está obrigado à restituição dos bens do acervo, sendo fixada a sua responsabilidade segundo a sua posse, se de boa ou má-fé (art. 1.826, caput, do CC).

Segundo o artigo 1.827 do Código Civil, o herdeiro pode demandar os bens da herança, mesmo em poder de terceiros, sem prejuízo da responsabilidade do possuidor originário pelo valor dos bens alienados.

Todavia, se o herdeiro aparente realizar alienações, a título oneroso, a terceiro de boa-fé, as mesmas serão consideradas eficazes e válidas (parágrafo único do artigo 1.827 do CC).

Maria Helena Diniz conceitua o herdeiro aparente:

“(...) herdeiro aparente é aquele que, por ser possuidor de bens hereditários, faz supor que seja o seu legítimo titular, quando, na verdade, não o é, pois a herança passará ao real herdeiro, porque foi declarado não legitimado para suceder, indigno ou deserdado, ou porque foi contemplado por testamento nulo ou anulável, caduco ou revogado”.

Assim, a ação de petição de herança não pode ser ajuizada em face do herdeiro aparente que, de boa-fé, houver pago um legado, com a intenção de ter o bem restituído ao acervo hereditário (1.828 do CC).

Quanto ao prazo prescricional para a sua propositura, tem-se a Súmula 149 do STF: “é imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é a de petição de herança”.

Com a vigência do Código Civil de 2002, o artigo 205 trouxe o prazo prescricional de dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor, tendo como termo inicial a abertura da sucessão, que se dá pela morte (STF, RE 741.00/SE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Eloy da Rocha, j. 03.10.1973, DJU 02.01.1974).

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No entanto, em 2016, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que a ação de petição de herança terá início com o trânsito em julgado da ação de reconhecimento de paternidade, superando o entendimento sumulado pelo STF. Segue trecho da decisão:

"Na hipótese em que ação de investigação de paternidade post mortem tenha sido ajuizada após o trânsito em julgado da decisão de partilha de bens deixados pelo de cujus, o termo inicial do prazo prescricional para o ajuizamento de ação de petição de herança é a data do trânsito em julgado da decisão que reconheceu a paternidade, e não o trânsito em julgado da sentença que julgou a ação de inventário. A petição de herança, objeto dos arts. 1.824 a 1.828 do CC, é ação a ser proposta por herdeiro para o reconhecimento de direito sucessório ou a restituição da universalidade de bens ou de quota ideal da herança da qual não participou. Trata-se de ação fundamental para que um herdeiro preterido possa reivindicar a totalidade ou parte do acervo hereditário, sendo movida em desfavor do detentor da herança, de modo que seja promovida nova partilha dos bens. A teor do que dispõe o art. 189 do CC, a fluência do prazo prescricional, mais propriamente no tocante ao direito de ação, somente surge quando há violação do direito subjetivo alegado. Assim, conforme entendimento doutrinário, não há falar em petição de herança enquanto não se der a confirmação da paternidade. Dessa forma, conclui-se que o termo inicial para o ajuizamento da ação de petição de herança é a data do trânsito em julgado da ação de investigação de paternidade, quando, em síntese, confirma-se a condição de herdeiro" (STJ, REsp 1.475.759/DF, Terceira Turma, Rel. Min. João Otávio de Noronha, j. 17.05.2016, DJe 20.05.2016)”. (grifo nosso)

Em 2018, a Terceira Turma do STJ confirmou o entendimento:

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“Recurso especial. Civil. Direito das sucessões. Ação de petição de herança. Filiação reconhecida e declarada após a morte do autor da herança. Termo inicial. Teoria da ‘actio nata’. Data do trânsito em julgado da ação de investigação de paternidade. 1. Controvérsia doutrinária acerca da prescritibilidade da pretensão de petição de herança que restou superada na jurisprudência com a edição pelo STF da Súmula n.º 149: ‘É imprescritível a ação de investigação de paternidade, mas não o é a de petição de herança’. 2. Ausência de previsão, tanto no Código Civil de 2002, como no Código Civil de 1916, de prazo prescricional específico para o ajuizamento da ação de petição de herança, sujeitando-se, portanto, ao prazo geral de prescrição previsto em cada codificação civil: vinte anos e dez anos, respectivamente, conforme previsto no art. 177 do CC/16 e no art. 205 do CC/2002. 3. Nas hipóteses de reconhecimento ‘post mortem’ da paternidade, o prazo para o herdeiro preterido buscar a nulidade da partilha e reivindicar a sua parte na herança só se inicia a partir do trânsito em julgado da ação de investigação de paternidade, quando resta confirmada a sua condição de herdeiro. Precedentes específicos desta Terceira do STJ. 4. Superação do entendimento do Supremo Tribunal Federal, firmado quando ainda detinha competência para o julgamento de matérias infraconstitucionais, no sentido de que o prazo prescricional da ação de petição de herança corria da abertura da sucessão do pretendido pai, seguindo a exegese do art. 1.572 do Código Civil de 1916. 5. Aplicação da teoria da ‘actio nata’. Precedentes. 6. Recurso especial desprovido” (STJ, REsp 1.368.677/MG, 3.ª Turma, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 05.12.2017, DJe 15.02.2018). (grifo nosso)

A questão do prazo prescricional para a ação de petição de herança tornou-se polêmica, tendo em vista que muitos juristas discordam esse posicionamento.

Flávio Tartuce entende que a ação de petição de herança deve ser reconhecida como imprescritível e cita a autora Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka:

“A petição de herança não prescreve. A ação é imprescritível, podendo, por isso, ser intentada a qualquer tempo. Isso assim se passa porque a qualidade de herdeiro não se perde (semei heres semper heres), assim como o não exercício do direito de propriedade não lhe causa a extinção. A herança é transferida ao sucessor no momento mesmo da morte de seu autor, e, como se viu, isso assim se dá pela transmissão da propriedade do todo hereditário. Toda essa construção, coordenada, implica o reconhecimento da imprescritibilidade da ação, que pode ser intentada a todo tempo, como já se afirmou”.

Ainda, no final de 2019, todavia, a Quarta Turma do STJ, nos autos do Agravo no Recurso Especial n. 479.648/MS, julgou no sentido de que o termo inicial do prazo de prescrição da ação é com a abertura da sucessão.

Dessa forma, fica claro que essa questão não tem um entendimento pacífico dentro do Superior Tribunal de Justiça, haja vista os fortes argumentos de cada posição.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Civil – Família, Sucessões. Editora Saraiva, pp. 545, 546;

DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. Editora Saraiva, 2010. p. 1.294  ;

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil. Editora Método, pp. 2211, 2213, 2214.