Ao compreender que o Estado se constitui e se alicerça na sociedade, e que, a partir das estruturas de poder, criam e detém ideologicamente interesses do bem comum, deve-se observar como a Religião, uma das instituições que compõe a superestrutura social (MARX, 1993), influencia na elaboração de políticas públicas, uma vez que esta se encontra ideologicamente manipulada pelos interesses de classes dominantes. No cotidiano, tais normatizações podem causar reflexos negativos na sociedade que venham a trazer consequências a livre crença, legitimando discursos de ódio, os quais excluem e discriminam.
É necessário reconhecer que existe determinada influência da dominação ideológica nas relações sociais que ditam muitos dos comportamentos tidos como “normais” e acabam sendo legitimadas pelo senso comum através da história e da constituição de nosso país. Mais do que isso, a imposição de uma classe dominante sobre uma dominada constitui o que Marx chamou de dialética, que é exercida entre as mesmas (classes) desde os primórdios da organização da vida em sociedade: “A história de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história das lutas de classes” (MARX & ENGELS, 1999, p.07). E por meio de ideologias dominantes se perfazem através de políticas públicas nascentes da organização legislativa e executiva do Estado integrantes da seara político-jurídica.
Nesta seção, busca-se compreender as relações entre política e religião no Brasil sustentando que a existência de uma Frente Parlamentar dita “evangélica” e tutelada pelo Congresso Nacional constitui instrumento de um verdadeiro dilema social e moral. Uma vez que tal frente defende interesses particulares das igrejas que ali estão representadas pela “bancada”, interesses estes, que muitas vezes se sobrepõem aos interesses de liberdade, tolerância e justiça, alicerces pelos quais se baseiam as sociedades ditas democráticas.
De acordo com Alexandre Brasil Fonseca (2004), existe uma indicação de religiosos pela Igreja Universal do Reino de Deus que se candidatam às legislaturas, e que, passadas as eleições, direciona pautas, projetos de lei e dita a forma como os parlamentares deverão votar no Congresso, através de um corpo técnico montado que assessora cada político ligado à igreja.
Ao consultar alguns documentos de processos públicos a respeito do tema (BRASIL, 2017), é possível observar que existe um aumento da intolerância religiosa no país, o que o coloca na faixa dos mais hostis quanto à liberdade religiosa. É possível perceber também que o número de parlamentares representantes de segmentos religiosos cresceu nas últimas quatro eleições federais. Neste sentido, podemos ponderar a religião como uma entidade que fomenta condutas que podem tanto contribuir quanto prejudicar o âmbito da política institucional e o das relações sociais.
De acordo com Zylberstain (2012), o nível de liberdade religiosa de um país pode ser mensurado a partir das relações entre o Estado e a religião. A partir desta afirmação, e visto que o Brasil se encontra entre os mais hostis quanto à liberdade religiosa, é possível dizer que a ideia de laicidade aplicada no Brasil não é um comportamento visto na prática. Desde a Independência em 1822, o Estado brasileiro e a Igreja Católica possuíam ligações muito próximas:
A primeira Constituição de 1824 declarava o catolicismo como a religião oficial do Império. Naquela, a manifestação de outras religiosidades era permitida, desde que se limitassem ao ambiente privado. A partir da Proclamação da República em 1889, o decreto 119-A, com autoria de Rui Barbosa, selava a separação entre Estado e Igreja Católica e garantia a liberdade religiosa plena. Assim, a Constituição de 1891 não mencionou Deus em seu preâmbulo. Entretanto, a carta de 1988 menciona Deus em seu preâmbulo e também zela pela laicidade. (BISIATTI et all, 2017, p.08)
Mencionar Deus como um denominador comum nos coloca uma questão, que faz com que, como na análise de Tocqueville (1998), católicos e protestantes não entrem em conflito um com os outros, pois a crença em Deus canaliza as decisões para uma arena comum.
No Brasil, o cenário que temos é que católicos e protestantes muitas vezes se unem para combater às religiões afro-brasileiras: sob a tutela de um Deus monoteísta e da bandeira cristã, demonizam e criminalizam toda a cultura e herança africana, e por vezes também a própria herança indígena, haja vista a crescente quantidade de “missões de evangelização” encabeçadas por pastores em incursões nas aldeias.
A presença de políticos que são declaradamente religiosos em cargos públicos é um fato extremamente complicado, visto que leva para a República os seus ideários particulares. Mais do que isso, como defende Manin (1995), tal fato constitui uma corrupção dos princípios da representatividade política, uma vez que este político, imbuído de seus dogmas religiosos, acaba por espelhar as demandas da religião institucional que lhe elevou ao poder parlamentar. Ao se distanciar das ideologias partidárias em prol da ideologia das igrejas, que estão tomando paulatinamente os lugares dos partidos políticos, estes políticos religiosos tem ameaçado cada vez mais a garantia constitucional da liberdade de crença e não crença.
Nesse sentido, podemos observar exemplos de temas polêmicos batendo as portas do Legislativo que vão para além do ensino religioso, mas que exemplificam da mesma forma, o interesse de uma parcela social, como a questão do casamento homoafetivo, discutido em 2011 - no qual, inclusive, o legislativo se manteve omisso, necessitando da intervenção do judiciário, hoje fundamentado pela Resolução n. 175/2013 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) -, bem como a do aborto, discutida em 2012 e 2015, que obtiveram em sua maioria dogmas religiosos e morais pautando seus votos e decisões.