Com base no poder geral de cautela, o juiz pode ampliar o alcance da norma que prevê a indisponibilidade de bens dos administradores de plano de saúde em liquidação extrajudicial, quando verificar a existência de fundados indícios de responsabilidade de determinado agente, a fim de assegurar a eficácia e a utilidade do provimento jurisdicional definitivo.
Com esse entendimento, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou o recurso no qual o ex-conselheiro fiscal de uma operadora de saúde pedia a reforma de decisão que, em razão da insolvência da empresa, determinou a indisponibilidade de seus bens.
Ele recorreu ao STJ após o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro manter decisão de primeiro grau que estendeu a decretação da indisponibilidade dos bens aos conselheiros indicados pela massa falida – entre os quais o recorrente. Para o ex-conselheiro, houve violação da Lei dos Planos de Saúde (Lei 9.656/1998), pois não exercia a função havia mais de um ano e, segundo afirmou, não poderia ser responsabilizado.
Responsabilidade patrimonial
A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, explicou que o artigo 24-A, parágrafo 1º, da Lei 9.656/1998 estabelece que a decretação da indisponibilidade de bens no procedimento de liquidação extrajudicial de operadora de plano de saúde atinge todos os administradores que tenham estado no exercício das funções nos 12 meses anteriores ao ato que determina a liquidação.
Segundo a ministra, a indisponibilidade de bens dos administradores, gerentes, conselheiros ou de quaisquer outros possíveis responsáveis decorre da instauração do regime de liquidação extrajudicial, cabendo à Diretoria de Normas e Habilitação das Operadoras da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) comunicar a órgãos, entidades competentes e instituições financeiras para que estes procedam à restrição (artigo 47 da Resolução ANS 316/2012).
Essa medida se mantém – ressaltou – até a apuração e liquidação final das responsabilidades dos administradores e assemelhados, e, no caso de distribuição do pedido judicial de falência ou insolvência civil – como na hipótese –, até posterior determinação judicial.
"A decretação da indisponibilidade de bens visa evitar que a eventual insolvência civil ou falência da operadora, causada pela má administração, provoque um risco sistêmico ao mercado de planos de saúde, assegurando a responsabilidade patrimonial de todos aqueles que concorreram para a instauração do regime de liquidação extrajudicial", disse a ministra.
Requisitos legais
Para a relatora, a ANS – autoridade competente para a decretação da medida e ente administrativo subordinado ao princípio da legalidade estrita – deve observar rigidamente as limitações previstas na lei, não lhe sendo permitido – diferentemente dos órgãos da Justiça – ampliar o prazo previsto no parágrafo 1º do artigo 24-A da Lei 9.656/1998 para atingir outros agentes que não se enquadram na hipótese legal.
De acordo com Nancy Andrighi, desde que observados os requisitos legais, cabe ao juízo onde tramita a ação de insolvência civil decidir, à luz das circunstâncias do caso, pela efetivação da medida de indisponibilidade de bens, para assegurar o direito tutelado, nos termos dos artigos 297, 300 e 301 do Código de Processo Civil.
Dessa forma, a ministra concluiu que não merece reforma o acórdão recorrido no ponto em que considerou o período de 12 meses um mínimo legal para a apuração de responsabilidade solidária dos administradores, sendo facultado ao magistrado, em decisão devidamente fundamentada, ampliar esse período de responsabilização e, cautelarmente, estender a indisponibilidade de bens.
Processo relacionado a esta notícia
Fonte
RECURSO ESPECIAL Nº 1.845.214 - RJ (2019/0318217-9)
Leia o Inteiro Teor.
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INSOLVÊNCIA CIVIL. OPERADORA DE PLANO DE SAÚDE. INDISPONIBILIDADE DE BENS DE EX-CONSELHEIRO FISCAL. PRAZO DO § 1º DO ART. 24-A DA LEI 9.656/1998. AMPLIAÇÃO. POSSIBILIDADE. PODER GERAL DE CAUTELA DO JUÍZO. JULGAMENTO: CPC/2015.
1. Ação de insolvência civil ajuizada em 2014, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 16/05/2019 e atribuído ao gabinete em 31/01/2020.
2. O propósito recursal é dizer se o prazo legal previsto no § 1º do art. 24-A da Lei 9.656/1998 pode ser ampliado pelo Juízo da ação de insolvência civil de operadora de plano de saúde para atingir os bens de ex-conselheiro fiscal que deixara o cargo antes dos doze meses que antecederam o ato de decretação da liquidação extrajudicial da sociedade.
3. Segundo a legislação de regência, a indisponibilidade de bens dos administradores, gerentes, conselheiros ou assemelhados, decorre da instauração pela ANS do regime de liquidação extrajudicial e se mantém até a apuração e liquidação final das responsabilidades, prorrogando-se, no caso de distribuição do pedido judicial da falência ou insolvência civil, até posterior determinação judicial.
4. Por força do art. 24-D da Lei 9.656/1998, as normas do Código de Processo Civil aplicam-se, subsidiariamente, à liquidação extrajudicial, falência e insolvência civil das operadoras de planos de saúde, no que for compatível com a legislação especial, como ocorre com os dispositivos que versam sobre o poder geral de cautela, sobretudo por se tratar de poder com acento em princípios processuais gerais como o da efetividade da jurisdição e o da segurança jurídica.
5. A decretação da indisponibilidade de bens visa a evitar que a eventual insolvência civil ou falência da operadora, causada pela má-administração, provoque um risco sistêmico ao mercado de planos de saúde, assegurando a responsabilidade patrimonial de todos aqueles que concorreram para a instauração do regime de liquidação extrajudicial; visa, em última análise, à proteção de toda a coletividade envolvida na prestação do serviço privado de assistência à saúde, de inegável relevância econômica e social.
6. Desde que observados os requisitos legais, pode o Juízo, com base no poder geral de cautela, ampliar o alcance da norma que prevê a decretação da indisponibilidade de bens quando verificar a existência de fundados indícios de responsabilidade de determinado agente, a fim de assegurar, concretamente, a eficácia e a utilidade do provimento jurisdicional de caráter satisfativo.
7. A teor do que dispõe, por analogia, a súmula 735/STF, não cabe a esta Corte reexaminar as circunstâncias que configuram o preenchimento dos requisitos para o deferimento da medida acautelatória, tendo em vista sua natureza precária e provisória, cuja reversão é possível a qualquer momento pelas instâncias ordinárias. Precedentes.
8. Recurso especial conhecido e desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer do recurso especial e negar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Dr. CLÁUDIO RICARDO MARQUES SA LEITE, pela parte RECORRENTE: DAERCIO LOPES MAIA
Brasília (DF), 20 de outubro de 2020(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora