Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a cláusula contratual de cobrança mínima, no caso de evasão de usuários de plano de saúde coletivo, que se torna, ela própria, fator de onerosidade excessiva para a estipulante e vantagem exagerada para a operadora, autoriza a revisão ou rescisão do contrato, nos termos dos artigos 478 e 479 do Código Civil de 2002.
O colegiado confirmou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que considerou inválida a cláusula de pagamento mínimo, mas afastou a aplicação do Código de Defesa do Consumidor (CDC) ao caso.
A controvérsia teve origem em ação de rescisão contratual ajuizada por uma empresa de serviços aeroportuários contra a operadora de plano de saúde. A autora alegou que o reajuste de preços aplicado ao plano coletivo seria abusivo e contestou a exigência de valores a título de cobrança mínima.
O juiz reconheceu o caráter abusivo da cláusula de cobrança mínima e declarou rescindido o contrato, sem incidência de multa. O TJSP, ao confirmar a sentença, considerou que o CDC é aplicável na relação entre a operadora de plano de saúde coletivo empresarial e a pessoa jurídica estipulante, pois esta última atuaria meramente como mandatária dos segurados.
No recurso especial apresentado ao STJ, a operadora questionou a incidência do CDC e pediu para ser declarada válida a cláusula de cobrança mínima presente no contrato.
Equilíbrio contratual
Segundo a relatora, ministra Nancy Andrighi, a demanda entre empregador e operadora de plano de saúde coletivo não se rege pelo CDC, salvo quando o contrato contar com menos de 30 beneficiários – situação que revela condição de vulnerabilidade do estipulante.
A ministra explicou que a finalidade da previsão de cobrança mínima é evitar o desequilíbrio econômico-financeiro do contrato, preservando a própria viabilidade da prestação do serviço de assistência coletiva à saúde nos moldes em que foi contratado.
No caso julgado, houve redução de receita decorrente da grande evasão de usuários: 354 pessoas deixaram o plano de saúde, das 604 que inicialmente estavam inscritas.
"A perda de quase 60% dos beneficiários ativos, após a implementação do reajuste acordado entre os contratantes, é circunstância extraordinária e imprevisível, que gera efeitos não pretendidos ou esperados por ocasião da celebração do negócio jurídico, frustrando, pois, a legítima expectativa das partes", afirmou a relatora.
Onerosidade excessiva
Para Nancy Andrighi, a redução de receita decorrente da evasão de usuários causou importante impacto na situação econômico-financeira do contrato.
Porém, acrescentou a ministra, quando a exigência da cobrança mínima implica – como no caso – a obrigação de pagamento correspondente a 160 beneficiários sem qualquer contraprestação da operadora, há violação do espírito de justiça contratual que modela o exercício da autonomia privada.
Dessa forma – destacou a relatora –, a cláusula de cobrança mínima, que em tese serviria para corrigir desequilíbrios e permitir a manutenção do contrato, transformou-se em "fator de onerosidade excessiva para a estipulante e vantagem exagerada para a operadora", a qual se beneficia com o recebimento correspondente a 64% dos beneficiários ativos, sem ter a obrigação de prestar o serviço.
Processo relacionado a esta notícia
Fonte
STJ (ver texto original)
RECURSO ESPECIAL Nº 1.830.065 - SP (2019/0229147-1)
Ver acórdão. no STJ
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚM. 282/STF. CONTRATO DE PLANO DE SAÚDE COLETIVO EMPRESARIAL. RELAÇÃO JURÍDICA ENTRE ESTIPULANTE E OPERADORA. NÃO INCIDÊNCIA DO CDC. GRANDE EVASÃO DE BENEFICIÁRIOS ATIVOS. DESEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DO CONTRATO. CLÁUSULA DE “COBRANÇA MÍNIMA”. FATOR DE ONEROSIDADE EXCESSIVA. RESILIÇÃO CONTRATUAL. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. ANÁLISE PREJUDICADA. JULGAMENTO: CPC/2015.
1. Ação de rescisão contratual c/c declaratória de inexigibilidade ajuizada em 28/05/2018, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 26/04/2019 e atribuído ao gabinete em 22/08/2019.
2. O propósito recursal é dizer sobre a incidência do CDC à lide instaurada entre a operadora do plano de saúde coletivo empresarial e a pessoa jurídica estipulante, bem como sobre a validade da cláusula contratual que exige o pagamento de “cobrança mínima” na hipótese de evasão de usuários.
3. A demanda entre empregador e a operadora do plano de saúde coletivo não se rege pelo CDC, ressalvada a hipótese em que o contrato conta com menos de 30 (trinta) beneficiários, situação que revela a condição de vulnerabilidade do estipulante. Precedentes.
4. A finalidade da previsão de “cobrança mínima” é, em verdade, evitar o desequilíbrio econômico-financeiro do contrato e, ao fim, a própria inviabilidade de prestação do serviço de assistência à saúde nos moldes em que contratado.
5. A perda de quase 60% dos beneficiários ativos, após a implementação do reajuste acordado entre os contratantes, é circunstância extraordinária e imprevisível, que gera efeitos não pretendidos ou esperados por ocasião da celebração do negócio jurídico, frustrando, pois, a legítima expectativa das partes.
6. A redução de receita decorrente da grande evasão de usuários causa importante impacto na situação econômico-financeira do contrato; no entanto, quando a exigência da “cobrança mínima” implica, como na espécie, a obrigação de pagamento correspondente a 160 beneficiários sem qualquer contraprestação da operadora, há violação do espírito de justiça contratual que modela o exercício da autonomia privada.
7. Hipótese em que a cláusula de “cobrança mínima”, que, em tese, serviria para corrigir o desequilíbrio contratual e permitir a manutenção da avença, se transformou, ela própria, no fator de onerosidade excessiva para a estipulante e vantagem exagerada para a operadora, que se beneficia com o recebimento de valores correspondentes a mais de 60% dos beneficiários ativos, sem ter a obrigação de prestar o serviço correspondente.
8. Em virtude do exame do mérito, por meio do qual foram rejeitadas as teses sustentadas pelos recorrentes, fica prejudicada a análise da divergência jurisprudencial.
9. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, desprovido, com majoração de honorários.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer em parte do recurrso especial e, nesta parte, negar-lhe provimento com majoração de honorários, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Dr. VITOR CAMARGO OLIVEIRA SANTOS, pela parte RECORRENTE: NOTRE DAME INTERMEDICA SAUDE S.A
Dra. HELENA BIMONTI, pela parte RECORRIDA: TRI-STAR SERVICOS AEROPORTUARIOS LTDA
Brasília (DF), 17 de novembro de 2020(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora