Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a tentativa frustrada de entrega da notificação extrajudicial ao devedor fiduciante – em razão de sua ausência no endereço informado – não é suficiente para constituí-lo em mora.
O colegiado negou provimento ao recurso de um credor que, com base nos comprovantes de devolução da notificação, após três tentativas frustradas de entregá-la ao devedor, ajuizou ação de busca e apreensão do veículo alienado fiduciariamente.
Em primeiro grau, a ação foi julgada extinta, sem resolução do mérito, por falta de pressuposto processual, ao fundamento de que a notificação devolvida não se prestaria a comprovar a constituição em mora. O entendimento foi mantido pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
Ao STJ, o credor fiduciário apontou ofensa ao artigo 2º, parágrafos 2º e 3º, do Decreto-Lei 911/1969, bem como ao princípio da boa-fé objetiva, uma vez que a mora estaria comprovada pelo simples envio da notificação ao endereço informado pelo devedor no momento da contratação. Segundo ele, a frustração da entrega ocorreu por motivos alheios à sua vontade.
Entrega não dispensada
O relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, afirmou que há diferentes entendimentos no STJ sobre a matéria: alguns julgados consideram necessária a entrega da notificação extrajudicial no domicílio do devedor; outros, que é indispensável o seu efetivo recebimento; e outros, ainda, que entendem ser suficiente a simples remessa da notificação ao endereço informado.
Ao analisar a redação do artigo 2º, parágrafo 2º, do Decreto-Lei 911/1969, o ministro verificou que esse enunciado normativo dispensou apenas "que a assinatura constante do referido aviso [aviso de recebimento] seja a do próprio destinatário".
Para o relator, isso não quer dizer que foi dispensada a entrega, mas somente a assinatura do devedor. "A efetiva entrega, contudo, pode ser dispensada quando se verifica que o próprio devedor deu causa à frustração da entrega da notificação, aplicando-se nessa hipótese a teoria dos atos próprios", declarou.
Segundo Sanseverino, exemplo típico dessa hipótese é o caso de mudança de endereço do devedor no curso da relação contratual, sem atualização cadastral perante o credor.
Boa-fé objetiva
No entanto, o ministro observou que a hipótese dos autos é diversa, uma vez que a entrega foi frustrada pelo motivo "ausente" – sendo que a simples ausência do devedor em sua residência não denota violação à boa-fé objetiva.
As três tentativas de entrega da notificação foram feitas na primeira quinzena de janeiro, no período da tarde, durante o horário comercial. Para o relator, "é bastante plausível, a julgar pelo que ordinariamente acontece, que o devedor estivesse ou em viagem de férias ou em seu local de trabalho, não sendo possível afirmar, nessas circunstâncias, que a ausência em seu endereço pudesse configurar violação à boa-fé objetiva".
De acordo com Sanseverino, a Terceira Turma analisou uma controvérsia análoga – mas referente à alienação de imóvel – e concluiu que a ausência do devedor no endereço não dispensa o credor de tentar promover a entrega da notificação por outros meios.
Processo relacionado a esta notícia
Fonte
RECURSO ESPECIAL Nº 1848836 - RS (2019/0343200-8)
Leia o Inteiro Teor.
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA EM GARANTIA. DECRETO-LEI 911/1969. COMPROVAÇÃO DA MORA. NOTIFICAÇÃO FRUSTRADA PELO MOTIVO "AUSENTE". VIOLAÇÃO À BOA-FÉ OBJETIVA PELO DEVEDOR. NÃO OCORRÊNCIA. CONSOLIDAÇÃO PROPRIEDADE EM FAVOR DO CREDOR FIDUCIÁRIO. DESCABIMENTO.
1. Controvérsia acerca da comprovação da mora na ação de busca e apreensão fundada no Decreto-Lei 911/1969 na hipótese em que a notificação enviada ao endereço do devedor frustrou-se pelo motivo "Ausente".
2. Nos termos do art. 2º, § 2º, do Decreto-Lei n° 911/1969, "A mora decorrerá do simples vencimento do prazo para pagamento e poderá ser comprovada por carta registrada com aviso de recebimento, não se exigindo que a assinatura constante do referido aviso seja a do próprio destinatário".
3. Existência de divergência na jurisprudência desta Corte Superior acerca da necessidade, ou não, de efetiva entrega da notificação no endereço cadastral do devedor, para se comprovar a mora.
4. Caso concreto em que a notificação sofreu três tentativas de entrega, todas frustradas pelo motivo "Ausente".
5. Inviabilidade de se extrair do simples fato da ausência do devedor de sua residência qualquer conduta contrária à boa-fé objetiva.
6. Existência de recente precedente desta turma acerca da validade da notificação frustrada pelo motivo "Mudou-se".
7. Inaplicabilidade das razões de decidir daquele precedente ao caso dos autos, pois a mudança de endereço do devedor, sem comunicação à credora fiduciária, importa violação à boa-fé objetiva, diversamente da mera ausência do devedor de sua residência.
8. Invalidade da notificação no caso em tela.
9. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 24 de novembro de 2020.
Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Relator