Por reconhecer a negativa de prestação jurisdicional efetiva, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que delegou ao juiz de primeira instância a aplicação de decisão genérica de segundo grau, sob a justificativa da existência de múltiplos recursos relacionados à liquidação de sentença proferida em ação civil pública.
Em virtude do ingresso de mais de seis mil recursos sobre o cumprimento de sentença coletiva contra uma empresa de telefonia, uma das turmas julgadoras do TJSP decidiu elaborar um voto padrão que abarcasse o posicionamento definitivo sobre todas as questões controvertidas no caso. Assim, a determinação do tribunal paulista foi de que o magistrado de primeiro grau seguisse a orientação dos desembargadores, aplicando seu entendimento genérico ao caso concreto.
Relator do recurso da empresa de telefonia, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino apontou que, embora o número de recursos mencionado pelo TJSP seja alarmante – a ponto de comprometer a capacidade da corte de julgar em tempo razoável –, a solução para esse problema não pode escapar dos limites da legalidade.
"No caso dos autos, a lei processual civil foi flagrantemente desrespeitada, ao se prolatar um acórdão genérico, que apenas elenca os entendimentos pacificados na jurisprudência daquela corte, sem resolver, efetivamente, as questões devolvidas no caso concreto sob julgamento", disse o ministro.
Delegação ilegal
De acordo com Sanseverino, a necessidade de que as decisões judiciais sejam particularizadas é regra fundamental, nos termos do artigo 489 do Código de Processo Civil.
Por isso, para o relator, "causa espécie" a determinação de que os juízes de primeira instância apliquem o acórdão genérico ao caso concreto, o que configura delegação de competência jurisdicional, sem que haja amparo legal para esse ato.
"A solução legalmente prevista no Código de Processo Civil de 2015 para enfrentar o cenário de multiplicidade de recursos identificado pelo relator do tribunal de origem é o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), previsto no artigo 976", observou o ministro ao anular o acórdão do TJSP.
Processo relacionado
(Ver o acórdão em pdf)
Fonte: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/26112020-Terceira-Turma-anula-acordao-generico-que-delegava-ao-juiz-de-primeiro-grau-sua-aplicacao-no-caso-concreto.aspx
Ementa
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. CPC/2015. CONTRATO DE PARTICIPAÇÃO FINANCEIRA EM EMPRESA DE TELEFONIA. LIQUIDAÇÃO INDIVIDUAL DE SENTENÇA COLETIVA (ACP N. 0632533-62.1997.8.26.0100/SP). PROLAÇÃO DE ACÓRDÃO GENÉRICO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. DELEGAÇÃO DE COMPETÊNCIA RECURSAL AO JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. DESCABIMENTO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. OCORRÊNCIA. NULIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO.
Controvérsia acerca da validade de acórdão genérico prolatado pelo resolução das questões atinentes à especificidade do caso sob julgamento. Doutrina sobre o tema.
Nos termos do art. 489, § 1º, inciso V, do CPC/2015, não se considera fundamentada a decisão ou acórdão que "se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos".
Imprescindibilidade, no exercício da jurisdição em caráter difuso, da resolução das questões atinentes à especificidade do caso sob julgamento. Doutrina sobre o tema.
Inobservância da regra do art. 489, § 1º, inciso V, do CPC/2015 no caso concreto.
Inviabilidade de delegação de competência funcional hierárquica ao juízo de primeiro grau para aplicar o referido acórdão genérico ao caso dos autos, em virtude da ausência de previsão legal.
Recomendação para que seja instaurado incidente de demandas repetitivas no Tribunal de origem para enfrentar de maneira uniforme a multiplicidade de recursos identificada naquele sodalício.
Anulação do acórdão recorrido por negativa de prestação jurisdicional, restando prejudicado o mérito recursal.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
Acórdão
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a) Ministro(a) Relator(a).
Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze, Moura Ribeiro e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 17 de novembro de 2020.
Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Relator