TRF1 Reforma Sentença e Arbitra Indenização por Contaminação

Por Elen Moreira - 14/06/2022 as 10:26

Ao julgar a apelação interposta contra sentença de improcedência da ação de indenização por danos morais decorrente de contaminação de inseticidas durante o trabalho, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região deu provimento e reformou a sentença, fixando o valor de 3 mil reais.

 

Entenda o Caso

A apelação foi interposta contra sentença proferida na ação ajuizada para o pagamento de indenização por danos morais decorrente de contaminação de inseticidas de elevada toxidade, ante a exposição durante o exercício das funções laborais.

A sentença julgou improcedente o pleito “[...] sob o fundamento de que o autor não comprovou a existência de dano causado pela exposição desprotegida a produtos tóxicos, dentre eles o DDT, no período em que laborou no combate a endemias”.

Nas razões recursais, o autor/apelante alegou “[...] que faz jus à indenização por dano moral pretendida, uma vez que trabalhou com DDT e outros produtos químicos similares e a contaminação do seu organismo pelo produto sem a devida utilização de Equipamento de Proteção Individual é fato notório, restando demonstrado o nexo causal entre o ato/omissão e o dano causado”.

 

Decisão do TRF1

A 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, sob voto do Desembargador Souza Prudente, deu provimento ao recurso.

Com base no REsp 1809204/DF, do STJ, consignou que o termo inicial do prazo prescricional não é a data de início de vigência da Lei nº 11.936/09 e sim “[...] o momento em que o servidor, ora recorrente, teve ciência dos malefícios que podem surgir de sua exposição desprotegida e sem orientação ao dicloro-difenil-tricloroetano - DDT, sendo irrelevante a data de vigência da Lei nº 11.936/09”.

Portanto, diante do efeito vinculante do julgado, “[...] aplica-se o mencionado paradigma ao presente caso, uma vez que ‘a jurisprudência do STJ e do STF firmou entendimento no sentido de ser desnecessário aguardar o trânsito em julgado para a aplicação do paradigma firmado em sede de recurso repetitivo ou de repercussão geral’ (AgInt nos EDcl noREsp 1.146.036/RS [...]”.

No caso, o exame laboratorial que constatou a presença de produtos tóxicos no sangue do autor foi concluído em 22/03/2017, data em que, portanto, “[...] o autor teve ciência da sua contaminação decorrente da atividade laboral que exercia, não havendo que se falar, pois em prescrição, eis que a presente demanda foi ajuizada no mesmo ano”.

No mérito, ressaltou que o autor não sofria de patologias decorrentes do dano, por outro lado, afirmou que:

[...] se não sofre de males físicos e/ou psíquicos decorrentes da manipulação, desprotegida e sem treinamento adequado pelo manuseio de produtos tóxicos, como o DDT, em suas atividades laborais, com certeza sofreu e continua sofrendo, no mínimo, a angústia causada pela contaminação e pelo pânico produzido em torno da questão, com reflexo em suas relações sociais, a começar 

Por fim, foi arbitrado o valor de R$ 3.000,00 por ano de exposição desprotegida aos pesticidas.

 

Número do Processo

1005957-86.2017.4.01.3400

 

Ementa

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. PROCEDIMENTO ORDINÁRIO. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONTAMINAÇÃO DECORRENTE DE MANIPULAÇÃO DE INSETICIDA (DDT). DANOS MORAIS RECONHECIDOS. CONTAMINAÇÃO COMPROVADA. VALOR DA INDENIZAÇÃO DEVIDA. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS. OBSERVÁNCIA DAS DECISÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (RE 870.947) E DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA EM REGIME DE RECURSO REPETITIVO (RESP 1.495.144/RS). PRESCRIÇÃO QUINQUENAL AFASTADA. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA FUNASA. INOCORRÊNCIA. SENTENÇA REFORMADA. HONORÁRIOS RECURSAIS. (ART. 85, § 11, DO CPC). CABIMENTO.

I - A FUNASA tem legitimidade para ocupar o polo passivo da presente lide, pois, de acordo com informações constantes dos autos, o demandante exerceu, desde ingresso na Superintendência de Campanhas de Saúde Pública – SUCAM, ocorrido em 1962, a função de Guarda de Endemias/Agente de Saúde Pública, manuseando inseticidas e pesticidas empregados no controle de pragas e insetos nocivos. Posteriormente, passou a integrar o quadro de pessoal da FUNASA, em razão do quanto disposto na Lei 8.029/90 e Decreto nº 100/91, onde permaneceu exercendo as suas funções, até, ao menos, a data da sua aposentadoria, ocorrida em 1995.

II – No caso em exame, busca-se o pagamento de indenização por dano moral, decorrente da alegada contaminação pela substância Dicloro-Difenil-Tricloroetano - DDT e outros produtos químicos correlatos que passaram a substituir o DDT, em virtude de exposição do autor durante o exercício de suas funções laborais no Programa do Combate de Endemias, sem o uso de equipamento de proteção individual.

III - A orientação jurisprudencial já sedimentada no âmbito do colendo Superior Tribunal de Justiça, inclusive, pelo sistema de recursos repetitivos, é no sentido de que "nas ações de indenização por danos morais, em razão de sofrimento ou angústia experimentados pelos agentes de combate a endemias decorrentes da exposição desprotegida e sem orientação ao dicloro-difenil-tricloroetano - DDT, o termo inicial do prazo prescricional é o momento em que o servidor tem ciência dos malefícios que podem surgir da exposição, não devendo ser adotado como marco inicial a vigência da Lei nº 11.936/09, cujo texto não apresentou justificativa para a proibição da substância e nem descreveu eventuais malefícios causados pela exposição ao produto químico." (REsp 1809204/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/02/2021, DJe 24/02/2021).

IV - Na hipótese dos autos, o exame laboratorial que constatou a presença de DDT, ou outro produto tóxico correlato, no sangue do autor, apto a comprovar a ciência da contaminação decorrente do manuseio do Dicloro-Difenil-Tricloroetano (DDT) ou outro inseticida, foi concluído em 22/03/2017, ocasião em que indubitavelmente o autor teve ciência da sua contaminação decorrente da atividade laboral que exercia, não havendo que se falar, pois em prescrição, eis que tal exame foi realizado no mesmo ano da propositura da presente demanda.

V – Conforme entendimento do colendo Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria, “se já se poderia cogitar de dano moral pelo simples conhecimento de que esteve exposto a produto nocivo, o sofrimento psíquico surge induvidosamente a partir do momento em que se tem laudo laboratorial apontando a efetiva contaminação do próprio corpo pela substância.” (REsp 1684797/RO, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/10/2017, DJe 11/10/2017)

VI – Devidamente comprovado, como no caso dos autos, a contaminação do autor decorrente da manipulação de inseticida, ainda que não seja possível afirmar que ele sofre “males físicos e/ou psíquicos decorrentes da manipulação, desprotegida e sem treinamento adequado, do DDT em suas atividades, com certeza sofreu [sofreram] (...), no mínimo, a angústia causada pela contaminação e pelo pânico produzido em torno da questão, com reflexo em suas relações sociais, a começar pelas relações familiares” (AC 0015286-87.2004.4.01.3500 / GO, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL JOÃO BATISTA MOREIRA, QUINTA TURMA, e-DJF1 p.56 de 19/09/2013), passível de reparação por danos morais, tendo em vista a comprovação da contaminação no sangue do autor, em razão da realização de atividade laboral no combate a endemias.

VII – Na fixação do valor da indenização por danos morais inexiste parâmetro legal definido para o seu arbitramento, devendo ser quantificado segundo os critérios de proporcionalidade, moderação e razoabilidade, submetidos ao prudente arbítrio judicial, com observância das peculiaridades inerentes aos fatos e circunstâncias que envolvem o caso concreto. Portanto, o quantum da reparação não pode ser ínfimo, para não representar uma ausência de sanção efetiva ao ofensor, nem excessivo, para não constituir um enriquecimento sem causa em favor do ofendido. Em sendo assim, mostra-se razoável e adequado o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), por ano de exposição desprotegida aos pesticidas, a exemplo do DDT, cujo montante deverá ser apurado na fase de liquidação de sentença.

VIII - Correção monetária a partir do arbitramento, ou seja, da data da prolação deste julgado (Súmula nº 362 do STJ) e juros de mora a partir do evento danoso (Súmula nº 54 do STJ), qual seja, a data da conclusão do exame toxicológico. Precedentes.

XI - Os juros de mora e a correção monetária devem incidir conforme a tese firmada pelo Supremo Tribunal Federal, no RE 870.947/SE (TEMA 810), e pelo Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1.495.146/MG (TEMA 905). Precedentes.

X – Apelação provida para julgar procedente o pedido de indenização por danos morais. Sentença reformada. Invertido o ônus da sucumbência. A verba honorária será fixada durante a fase de liquidação do julgado, nos percentuais previstos nos incisos I a V, do parágrafo 3 e 4, inciso II, com o acréscimo de 2% do valor apurado a titulo de honorários advocatícios, nos termos do parágrafo 11 do artigo 85 do CPC vigente.

 

Acórdão

Decide a Turma, à unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator.

Quinta Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região – Em 11/05/2022.

Desembargador Federal SOUZA PRUDENTE

Relator