Ao julgar a apelação interposta pelo representante do Ministério Público em face da sentença que absolveu a ré da conduta prevista no artigo 171, §3º, do Código Penal, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região negou provimento assentando que o dolo é requisito subjetivo essencial para condenação por estelionato.
Entenda o Caso
A ré foi denunciada por manter em erro a CEF quando consentiu que fosse cadastrada no Programa de Integração Social (PIS) como empregada de empresa inativa para que ela recebesse valores atinentes ao Abono Salarial (art. 171, §3º, c/c art. 71, ambos do Código Penal), tendo realizado 4 saques indevidos.
Consta que um terceiro recebia 40% a 50% do total recebido decorrente dos falsos vínculos trabalhistas que forjava “[...] com empresas que foram abertas, mas que nunca entraram em atividade ou que então haviam funcionado por algum tempo e já estavam inativas, a fim de criar um direito indevido ao recolhimento do Abono Salarial”.
O Ministério Público Federal apresentou proposta de suspensão condicional do processo, no entanto, na resposta à acusação a defesa não manifestou interesse no benefício, sendo proferida sentença improcedente e absolvida a acusada (art. 386, VI, do Código de Processo Penal).
O órgão ministerial interpôs apelação alegando, em síntese, que “[...] a acusada admitiu o recebimento do abono salarial; [...] e (f) não se mostra minimamente crível que a ré não tivesse ciência das ilicitudes que estavam sendo reiteradamente perpetradas ou, no mínimo, a partir da perspectiva da cegueira deliberada, evitado conscientemente/deliberadamente o alcance do entendimento sobre o caráter ilícito dos fatos”.
Decisão do TRF4
A 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, com voto do Desembargador Federal Loraci Flores de Lima, negou provimento ao recurso.
O relator destacou a necessidade da presença dos seguintes elementos objetivos:
[...] o emprego de algum artifício ou qualquer outro meio fraudulento; o induzimento em erro da vítima; e a obtenção da vantagem ilícita pelo agente e o prejuízo de terceiros. Indispensável que haja o duplo resultado (vantagem ilícita e prejuízo alheio), decorrente da fraude e o erro que esta provocou.
E, ainda, como elemento subjetivo “[...] a presença do dolo específico para o estelionato, consistente no agir especial do agente para apoderar-se de vantagem ilícita, e, sendo crime material, se consuma no momento e no local em que o agente obtém a vantagem ilícita, em prejuízo de outrem”.
No caso dos autos, confirmou que “[...] as provas produzidas não são suficientes para demonstrar, acima de dúvida razoável, que a ré tenha praticado o crime de forma dolosa”.
Por fim, utilizou os fundamentos da sentença para decidir, assentando que a ré afirmou que acreditou em seu direito ao recebimento do benefício.
Assim, em que pese a confirmação da conduta prevista no artigo 171, § 3.º, do Código Penal, “[...] não há comprovação de que a ré tenha agido com a finalidade específica de obter vantagem que soubesse indevida”, incidindo o disposto no artigo 20 do Código Penal (Erro sobre elemento do tipo).
Número do Processo
Ementa
PENAL. ESTELIONATO. OBTENÇÃO DE ABONO SALARIAL. ELEMENTOS DO TIPO. AUSÊNCIA DE PROVA SUFICIENTE. ABSOLVIÇÃO.
1. Para a subsunção de determinada conduta no tipo penal descrito no artigo 171 do CP, é essencial a presença dos seguintes elementos objetivos: o emprego de algum artifício ou qualquer outro meio fraudulento; o induzimento em erro da vítima; e a obtenção da vantagem ilícita pelo agente e o prejuízo de terceiros. Indispensável que haja o duplo resultado (vantagem ilícita e prejuízo alheio), decorrente da fraude e o erro que esta provocou.
2. Não estando suficientemente evidenciado o dolo da agente em praticar o delito e ludibriar a União, impõe-se a manutenção da sua absolvição.
3. Apelação criminal desprovida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação criminal, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 01 de fevereiro de 2023.
Acórdão
Documento eletrônico assinado por LORACI FLORES DE LIMA, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003647460v4 e do código CRC 36a1dd72.