Análise de Decisões Proferidas em Ações Diretas de Inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal em 2018

A Constituição Federal Brasileira de 1988, além de solidificar as bases do controle de constitucionalidade existentes, prevê uma série de instrumentos para a provocação da revisão judicial concentrada: a Ação Direta de Constitucionalidade; Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental; a Ação Declaratória de Constitucionalidade e o Mandado de Injunção. Dentre estes o que apresenta maior utilização e maior relevância nos cenários jurídicos e políticos é a Ação Direta de Constitucionalidade, proposta mais de quatro mil e duzentas vezes, ao longo de vinte anos de existência da Constituição Federal, abrangendo temas de grande relevância, contidos em legislação federal e estadual. (GOMES NETO, FEITOSA, DOS SANTOS FILHO, PACÍFICO, 2017, p. 78)

Por isso, o projeto de pesquisa de iniciação científica com o tema "Teoria da Decisão Judicial e Jurisdição Constitucional" – financiado pelo CNPq cujo relatório foi elaborado por Emerson Affonso da Costa Moura e por mim – se concentrou em fichar os julgamentos proferidos pelo Supremo Tribunal Federal no âmbito do Direito Constitucional no ano de 2018, a partir dos informativos semanais, com o intuito de identificar quais as técnicas de decisão foram mais aplicadas pela Corte; o objetivo do projeto consistiu em conhecer a produtividade e a efetividade, de forma quantitativa e qualitativa, do trabalho realizado pelo Supremo.

Para fins de filtragem qualitativa foram escolhidas como técnicas de decisão o ativismo judicial, o minimalismo, o pragmatismo e a autocontenção. Todavia, para continuidade da pesquisa realizada no referido relatório, decidi focar este presente trabalho de conclusão de curso somente na autocontenção, como técnica de decisão judicial, e suas características e impactos para o ordenamento institucional e jurídico brasileiro.

No que tange aos elementos quantitativos havia a delimitação em cada informativo, referente aos órgãos do Tribunal em que os processos foram distribuídos, sendo estes: Plenário, 1ª turma, 2ª turma, Clipping, Repercussão Geral e outros, e ao número de ações – Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, Ação Direta de inconstitucionalidade, Ação Declaratória de Constitucionalidade, Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão, Recurso Extraordinário, Mandado de Segurança, Habeas Corpus, Conflito de Competência, Inquérito e outros – e, por fim, os temas que versavam cada julgado: Direitos Fundamentais, Organização/Função/Prerrogativas de Poder, Relações entre Poderes, Conflito de Competência/Normas Processuais, Princípios/Objetivos/Ordem Econômica ou Social.

Foi feita a coleta de 31 (trinta e um) informativos considerando os critérios para análise durante o período de 01 de janeiro a 31 de dezembro de 2018. A amostragem obtida foi satisfatória, uma vez que possibilitou um panorama sobre quais os tipos de ações foram impetradas com mais frequência dentro do referido período de tempo, ainda, um panorama acerca dos temas que podem estar associados e interferidos com a tendência a escolher determinados os melhores instrumentos que se adequam ao caso concreto e que estejam em consonância com as decisões já tomadas pelo Tribunal.

A partir dessa metodologia, nesse trabalho, para fins de coesão e coerência com o que já foi exposto, foram selecionadas ADIs de temas referentes aos direitos e garantias fundamentais em que houve o reconhecimento de um julgamento autocontido por parte do Tribunal. Logo, num universo de 77 (setenta e sete) ações, a autocontenção foi identificada em 29 dessas ações (“Em contrapartida e de modo surpreendente, ADIs cujo objeto fosse alegação de lesão a direitos fundamentais possuíam maior tendência à abstenção, indo de encontro à crença de que o STF seria o “guardião de princípios e garantias fundamentais”.” (GOMES NETO; FEITOSA; DOS SANTOS FILHO; PACÍFICO. Litígios Esquecidos: Análise empírica dos processos de controle concentrado de constitucionalidade aguardando julgamento, 2017, p. 83)) e, ainda, 14 ações com o tema escolhido.

“Todos os esforços – normativos, doutrinários e jurisprudenciais – pretendem, em última análise, garantir, proteger e promover os direitos fundamentais. E parece certo que eles são efetivamente importantes para a realização dos direitos no Estado contemporâneo, embora não sejam suficientes. Nada obstante, é preciso reconhecer que a edição de normas, a produção doutrinária e mesmo a prolação de decisões judiciais, não garantem, por si só, a realização de direitos.” (BARCELLOS, Ana de. Políticas públicas e o dever de monitoramento: “levando os direitos a sério”, 2018, p. 254)

Portanto, serão expostos exemplos retirados da referida pesquisa de iniciação científica com o intuito de demonstrar o raciocínio critico desenvolvido no presente trabalho.

Em uma democracia, além de um direito fundamental em si, o acesso à informação é indispensável para a disposição dos demais direitos, para além do papel. Se, em uma república democrática, todos são iguais e responsáveis como cidadãos por deliberar e formular escolhas coletivas – escolhas essas que vão afinal promover ou não os direitos de que as normas tratam –, o acesso à informação acerca de um tema tão fundamental quando o da realidade de respeito ou desrespeito aos direitos fundamentais será indispensável para que essas escolhas possam ser feitas de forma minimamente consciente. (BARCELLOS, 2018, p. 262)

ADI 1931: Os Planos e Seguros Privados de Assistência à Saúde

Retirada do informativo semanal de nº. 890, no dia 07 de fevereiro de 2018, a ação direta de inconstitucionalidade de nº 1931 foi declarada parcialmente procedente, de forma que alguns dos artigos impugnados da Lei dos Planos de Saúde 9.656/98 foram considerados inconstitucionais por unanimidade pelo Plenário do STF.

A referida legislação regulamenta a atividade e funcionalidade dos planos e seguros privados de assistência à saúde no Brasil. A ação foi proposta pela Confederação Nacional de Saúde – Hospitais, Estabelecimentos e Serviços (CNS) com o intuito de que fossem revistos alguns dispositivos da lei e, ainda, outros artigos da medida provisória de nº. 2177-44 que a reformou no ano de 2001. Foram impugnados os artigos 10, § 2º, e 35-E da Lei 9.656/1998, bem como do art. 2º da Medida Provisória. E, em caráter preliminar, a Corte julgou prejudicada a ação no tocante aos artigos 10, VI; 12, I, “c”, II,   E, em caráter preliminar, a Corte julgou prejudicada a ação no tocante aos artigos 10, VI; 12, I, “c”, II, “g”, e §§ 4º e 5º; e 32, §§ 1º, 3º, 7º e 9º, também da Lei 9.656/98, ante o advento de sucessivas modificações legislativas a alterar o conteúdo dos dispositivos, sem que tenha havido o aditamento à inicial.

Como forma de elucidação, segue o conteúdo dos dispositivos citados:

Art. 10.  É instituído o plano-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto: 
        I - tratamento clínico ou cirúrgico experimental; 
        II - procedimentos clínicos ou cirúrgicos para fins estéticos, bem como órteses e próteses para o mesmo fim;
        III - inseminação artificial;
        IV - tratamento de rejuvenescimento ou de emagrecimento com finalidade estética;
        V - fornecimento de medicamentos importados não nacionalizados;
        VI - fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar, ressalvado o disposto nas alíneas ‘c’ do inciso I e ‘g’ do inciso II do art. 12;        
        VII - fornecimento de próteses, órteses e seus acessórios não ligados ao ato cirúrgico;  
        IX - tratamentos ilícitos ou antiéticos, assim definidos sob o aspecto médico, ou não reconhecidos pelas autoridades competentes;
         X - casos de cataclismos, guerras e comoções internas, quando declarados pela autoridade competente.  
         § 2º. As pessoas jurídicas que comercializam produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei oferecerão, obrigatoriamente, a partir de 3 de dezembro de 1999, o plano-referência de que trata este artigo a todos os seus atuais e futuros consumidores.
Art. 35-E.  A partir de 5 de junho de 1998, fica estabelecido para os contratos celebrados anteriormente à data de vigência desta Lei que: 
        I - qualquer variação na contraprestação pecuniária para consumidores com mais de sessenta anos de idade estará sujeita à autorização prévia da ANS;  
        II - a alegação de doença ou lesão preexistente estará sujeita à prévia regulamentação da matéria pela ANS;  
        III - é vedada a suspensão ou a rescisão unilateral do contrato individual ou familiar de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei por parte da operadora, salvo o disposto no inciso II do parágrafo único do art. 13 desta Lei;  
        IV - é vedada a interrupção de internação hospitalar em leito clínico, cirúrgico ou em centro de terapia intensiva ou similar, salvo a critério do médico assistente.  
        § 1o  Os contratos anteriores à vigência desta Lei, que estabeleçam reajuste por mudança de faixa etária com idade inicial em sessenta anos ou mais, deverão ser adaptados, até 31 de outubro de 1999, para repactuação da cláusula de reajuste, observadas as seguintes disposições:  
        I - a repactuação será garantida aos consumidores de que trata o parágrafo único do art. 15, para as mudanças de faixa etária ocorridas após a vigência desta Lei, e limitar-se-á à diluição da aplicação do reajuste anteriormente previsto, em reajustes parciais anuais, com adoção de percentual fixo que, aplicado a cada ano, permita atingir o reajuste integral no início do último ano da faixa etária considerada;  
        II - para aplicação da fórmula de diluição, consideram-se de dez anos as faixas etárias que tenham sido estipuladas sem limite superior;  
        III - a nova cláusula, contendo a fórmula de aplicação do reajuste, deverá ser encaminhada aos consumidores, juntamente com o boleto ou título de cobrança, com a demonstração do valor originalmente contratado, do valor repactuado e do percentual de reajuste anual fixo, esclarecendo, ainda, que o seu pagamento formalizará esta repactuação;  
        IV - a cláusula original de reajuste deverá ter sido previamente submetida à ANS;  
        V - na falta de aprovação prévia, a operadora, para que possa aplicar reajuste por faixa etária a consumidores com sessenta anos ou mais de idade e dez anos ou mais de contrato, deverá submeter à ANS as condições contratuais acompanhadas de nota técnica, para, uma vez aprovada a cláusula e o percentual de reajuste, adotar a diluição prevista neste parágrafo.  
        § 2o  Nos contratos individuais de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, independentemente da data de sua celebração, a aplicação de cláusula de reajuste das contraprestações pecuniárias dependerá de prévia aprovação da ANS.  
        § 3o  O disposto no art. 35 desta Lei aplica-se sem prejuízo do estabelecido neste artigo

Importa destacar que essa ADI ingressou no STF em 1998 e obteve o julgamento sentencial apenas em 2018; o presente processo se manteve no Tribunal por vinte anos.

A primeira decisão proferida nesse processo somente aconteceu em 21 de agosto de 2003, em que o ministro relator, à época Sr. Nelson Jobim, votou pelo não conhecimento da ação fundamentando-se na alegação de não reconhecimento das inconstitucionalidades formais impugnadas no pedido da ação, de forma que determinou que houvesse aditamento à peça inicial, por isso, considerando pertinente a arguição de ofensa ao art. 5º, XXXVI da Constituição Federal (“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;” (Constituição Federal, 1988)), assim, devolveu a ação inicial. 

Em consequência de tal pormenor, após a defesa recorrer da referida decisão por meio de embargos de declaração, o recurso foi acolhido pelo Tribunal com unanimidade, porém, somente em 22 de outubro de 2014 e, após esse momento, retornou para o julgamento definitivo em fevereiro de 2018. Logo, o mérito da ação não foi conhecido pelo Plenário e anos depois foi acolhido com unanimidade pelo mesmo.

Diante do julgamento em 2018, conhecido o conteúdo da ADI, o Plenário nota que ambos os dispositivos impugnados preveem novas normas e regras quanto aos planos de saúde em contratos firmados em período anterior à vigência da Lei 9.656/98. Por esse motivo o ministro-relator Marco Aurélio considerou que as regras criadas destoam completamente daquelas que foram objetos de contratação de planos e seguros de assistência à saúde. 

Por conseguinte, o ministro entendeu que violaram o direito adquirido e o ato jurídico perfeito, estabelecidos no art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal. Assim, o legislador, com o intuito de potencializar a proteção do consumidor, acabou por extrapolar as balizas da Carta Federal, pretendendo substituir-se à vontade dos contratantes. Ainda, se justifica ao dizer que o regime democrático pressupõe segurança jurídica, o qual não incorpora o afastamento de ato jurídico perfeito e acabado mediante aplicação de lei nova, sendo impróprio inserir nas relações contratuais avençadas em regime legal específico novas disposições, sequer previstas pelas partes quando da manifestação de vontade.

Após todo o longo período que tramitou, foi proferida tal decisão que favorece as operadoras de planos e seguros de saúde, uma vez que as inúmeras regras contidas nos dispositivos perderam eficácia, de modo que o consumidor desse serviço fica desfalcado – o qual já se encontra desfalcado ao pagar por esse serviço, tendo em vista a presença do Sistema Único de Saúde em todo o país, mas dotado de carência e insalubridade.

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (Constituição Federal, 1988)

A escolha do agente privado em atuar na prestação de serviços à saúde, concorrendo com o Estado, pressupõe a responsabilidade de arcar integralmente com as obrigações assumidas, as quais foram reduzidas após essa declaração de inconstitucionalidade.

Nisso, tendo em vista que o SUS não nega tratamento em hospital público a nenhum cidadão, no caso de atendimento ao particular incluído nessa situação prejudicada de assistência à saúde por conta da decisão do Supremo, merece, então, ser ressarcido.

Mesmo que o Poder Público assista gratuitamente a qualquer cidadão brasileiro em relação à saúde pública, não é cabível o fazer quando o cidadão já possui a garantia do serviço de uma entidade privada, pois traria com deslealdade a sobrecarga do sistema público de saúde.

“A norma impede o enriquecimento ilícito das empresas e a perpetuação de modelo no qual o mercado de serviços de saúde submeta-se unicamente à lógica do lucro, ainda que às custas do erário. Entendimento em sentido contrário resultaria em situação em que os planos de saúde recebem pagamentos mensais dos segurados, mas os serviços continuam a ser fornecidos pelo Estado, sem contrapartida.” (Supremo Tribunal Federal, 2018, Informativo Semanal 890)

No entanto, ainda que tal decisão tenha sido coerente para com o texto constitucional, no tocante ao direito adquirido e ao ato jurídico perfeito, foi possível constatar a postura autocontida da corte, tendo em vista o reconhecimento das ‘virtudes passivas’. 

O não conhecimento da ação pela relatoria em 2003 por uma questão de seletividade, fez com que aguardasse julgamento até o ano de 2014, quando foram acolhidos os embargos, sendo somente apreciada de fato e resolvida vinte anos depois. Nisso, tais dispositivos mantiveram-se vigentes, isto é, o serviço foi consumido pelo particular, de forma que as operadoras tiveram seus respectivos lucros oriundos dessa relação comercial e, agora, devido a inconstitucionalidade dos mesmo, se resulta a invalidade dos contratos firmados, com a vulnerabilidade do consumidor e a possível necessidade de ressarcimento ao Sistema Único de Saúde. 

Em suma, durante as duas décadas, a iniciativa privada obteve lucro com contratos inadequados por razão de um exagero do Poder Legislativo, conforme alegado pelo Supremo, ao editar o referido diploma legal. Diante disso, podemos destacar a possibilidade de um possível favorecimento desse ramo de negócios por parte do legislador, bem como, a possibilidade de o Supremo não querer interferir nessa possível relação política e econômica, preferindo evitar o constrangimento institucional. Isso, devido a escolha de postergar o julgamento e deixar a ação no limbo do ‘maravilhoso mistério do tempo’, resolvendo-a no momento em que acreditou ser o ideal para a própria corte.

ADIs 1306 e 1335: Greve de Servidores Públicos no Estado da Bahia

Retiradas do informativo semanal de nº. 906, no dia 13 de junho de 2018, as ações diretas de inconstitucionalidade de números 1306 e 1335 tiveram seus pedidos improcedentes, portanto, declaradas constitucionais pela maioria dos votos do Supremo. Ambas impugnavam o Decreto do Estado da Bahia de nº 4.264/1995, o qual dispõe e regulamenta as providências a serem tomadas em caso de paralisação dos servidores públicos estaduais em face do exercício do direito à greve, garantido pela Constituição Federal.

O GOVERNADOR DO ESTADO DA BAHIA, no uso da competência que lhe confere o inciso II, do art. 105, da Constituição do Estado, considerando que a Constituição Federal, no seu art. 37, inciso VII, sujeitou o exercício do direito de greve pelos servidores públicos aos termos e limites de lei complementar federal; considerando que inexiste lei complementar regulamentando tal direito; considerando que a greve deflagrada nestas condições, por servidores públicos, viola a Constituição Federal e compromete a continuidade dos serviços públicos, D E C R E T A
Art. 1º - Em caso de paralisação de servidores públicos, a título de greve, os Secretário e Dirigentes de Órgãos da Administração Direta do Estado, das Autarquias e Fundações Públicas Estaduais da respectiva lotação, promoverão a imediata adoção das seguintes medidas: 
I - convocação dos grevistas a reassumirem imediatamente o exercício dos respectivos cargos; Ver tópico
II - instauração de processo administrativo disciplinar para apuração do fato e aplicação das penalidades cabíveis, na forma do disposto no art. 209, e seguintes da Lei nº 6.677 de 26 de setembro de 1994, caso persista o afastamento; Ver tópico
III - desconto, em folha de pagamento, do valor correspondente aos vencimentos e vantagens dos dias de falta ao serviço;  
IV - contratação de pessoal, por tempo determinado, configuradas a necessidade temporária de excepcional interesse público, gerada pela paralisação do serviço, na forma dos artigos 37, inciso IX, da Constituição Federal e 252 a 255 da Lei nº 6.677, de 26 de setembro de 1994.  
Art. 2º - Serão imediatamente exonerados os ocupantes de cargo de provimento temporário e de função gratificada que participarem do movimento grevista.  
Art. 3º - Além das medidas previstas nos artigos anteriores, serão adotadas outras que se fizerem necessárias à regularização dos serviços.  
Art. 4º - Este Decreto entrará em vigor na data da sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

As referidas ações obtinham o mesmo pedido, mas tinham autores diferentes. A primeira foi ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores – PT e a segunda pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE, ambas tiveram início e foram apensadas no ano de 1995. Ao longo de sua tramitação, seu andamento foi composto por atos ordinatórios, despachos de conteúdos cartorários, inúmeras remessas entre a relatoria e a seção cartorária e, nisso, somente foi inclusa no calendário de julgamento no dia 25 maio de 2018, para, então, obter a sessão de julgamento com o Tribunal Pleno em junho do mesmo ano. E, importa mencionar, que em seu pedido também foi requisitada a procedência de uma liminar, a qual não foi deferida.

Os requerentes alegaram que o decreto impugnado ofendeu os artigos 9, 22, I e 37, VII da Constituição Federal, que preceituam o seguinte:

Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.
§ 1º A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade. 
§ 2º Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei. 
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: 
I - direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho; 
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: 
VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica.

Para fundamentar o entendimento acerca da constitucionalidade do decreto, a ministra-relatora Carmem Lúcia – e presidente do STF, à época – compreendeu que o caráter de tal diploma era autônomo, de modo que respeita a competência exclusiva do chefe do Poder Executivo assegurada pelo art. 84, IV da Carta Magna (“Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução.” (Constituição Federal, 1988)), assim como, disciplina as consequências administrativas relacionadas ao ato de greve por parte de servidores públicos, de forma que o faz na intenção de dar continuidade à atividade laboral dos mesmo no caso de paralisação.

Ainda, complementa seu voto alegando que não houve especificidade no diploma legal, no que tange à regulação do exercício do direito de greve pelos servidores e, mesmo que houvesse, ainda assim, não estaria ofendendo o texto constitucional, uma vez que a relação empregatícia entre o servidor e a Administração Pública se vincula por estatuto, não por uma natureza trabalhista, o que, dessa forma, não viola a competência privativa da União em legislar no Direito do Trabalho.

Por fim, ressalta que o decreto impugnado somente dispõe sobre a instauração de um processo administrativo quanto à participação de determinado servidor em greve e quanto aos termos que tal ato se configurou e, ainda, sobre as condições de não pagamento dos dias em que tal ato ocorreu, o que, conforme a relatoria, condiz com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (Jurisprudência referente aos mandados de injunção de números 670, 708 e 712, em que o Supremo possibilitou a adoção de regulamentação provisória para viabilizar a atuação da administração pública de modo que o direito de greve não fosse exercido em detrimento da continuidade do serviço público.). No que tange à contratação temporária de novo pessoal, a ministra relatora destacou estar consonante com o art. 37, IX da Constituição Federal (“Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: IX - a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público.” (Constituição Federal, 1988)) reconheceu ser dever do Estado baiano fornecer os serviços essenciais durante o momento de greve, todavia, tal contratação temporária excepcional estaria limitada a esse momento e, por isso, não condiz com o texto constitucional nem com a jurisprudência da Corte (Jurisprudência referente às ações diretas de constitucionalidade de números 2987 e 3430, em que há a declaração de inconstitucionalidade na admissão temporária excepcional de servidores cuja atribuição consiste em funções burocráticas ordinárias e permanentes.).

Assim, seguiram esse voto os ministros Alexandre de Moraes, Dias Toffoli, Gilmar Mendes, Luiz Fux e Celso de Mello, isto é, seis votos, maioria do Plenário. 

Logo, houve divergência, a qual foi aberta pelo ministro Edson Fachin, que considerou o decreto baiano completamente inconstitucional nas perspectivas formal e material. Isso, porque acredita que a norma contraria o inciso VII do artigo 37 da Constituição e, ainda, limita o exercício da greve; por conseguinte, seguiram tal divergência os ministros Marco Aurélio, Rosa Weber e Ricardo Lewandowski. Além disso, complementou sua fundamentação ao dizer que a controvérsia trazida pelo decreto impugnado já havia sido decidida pela jurisprudência da Corte (O ministro se referiu aos mandados de injunção de números 670, 708 e 712.).

Por último, o ministro Luís Roberto Barroso também divergiu da maioria por entender que o decreto baiano foi instituído com base na hipótese de que o direito ao ato de greve é ilícito e ilegítimo. Por isso, votou pela inconstitucionalidade do art. 1º, I e do art. 2º do diploma legal.

Portanto, apesar de toda a controvérsia, o decreto permaneceu constitucional e vigente, após 15 anos de ter sua formalidade e materialidade questionada. Como justificado pelos ministros que divergiram da relatoria, considero tal decreto ilegítimo quando interpretado à luz da Constituição Federal e, ainda, mais assustador, ter sido somente resolvida tal questão acerca de uma garantia fundamental ao trabalhador brasileiro no ano de 2018, de forma que os servidores públicos ficaram submetidos a tal retiradas de direitos durante todo o período de tramitação da ADI no Supremo, ante o não deferimento da liminar requisitada na ação inicial.

A Corte não decidiu de modo deferente, julgou o decreto conforme seu conteúdo e procedimento, de acordo com sua competência em sede de jurisdição constitucional, assumindo uma postura autocontida. Além disso, podem ser reconhecidas nas variadas decisões anteriores as ‘virtudes passivas’ utilizadas pelos ministros ao postergarem em 15 anos o julgamento de ambas as ações, as quais permaneceram aguardando julgamento durante todo esse período e que, também, não foi conhecida pela relatoria, sendo a única decisão relevante de todo o processo, a própria sentença definitiva, somente em 2018.

Assim, mesmo que o texto constitucional tenha concedido o direito à greve a cada cidadão trabalhador, o trabalhador baiano não o pôde exercer desde a promulgação de tal decreto e nem poderá, já que declarada sua constitucionalidade. O Supremo, então, por meio de uma interpretação controvertida, vencida por maioria, retira um direito assegurado ao cidadão baiano pela Constituição.

Considerações Finais

A Constituição de 1988 advinda após um momento de intensa opressão e ausência de liberdade trouxe inúmeras esperanças para um ordenamento político com o poder de traduzir a vontade popular. Uma vontade que seria capaz de reconstruir esse ordenamento, principalmente por meio do Poder Judiciário, ideia que foi trazida pela projeção de uma constituição forte e imponente, diferente de todas as outras anteriores, e que inaugurou a democracia brasileira. No entanto, mesmo possuindo tais características, a vontade que prevaleceu continuou sendo de uma minoria poderosa, excludente e negacionista. 

Tendo em vista a imaturidade dessa democracia, a imponência intentada pela Assembleia Constituinte permaneceu apenas como uma forte intenção, uma vez que o Supremo ascendeu sob o ordenamento jurídico, institucional e político como o grande regulador dos poderes políticos, do regime democrático e do texto constitucional, visto que sua interpretação acerca do mesmo prevalece e, às vezes, mesmo que essa interpretação contradiga o já preceituado.

Isso, por razão da atividade da revisão judicial e das respectivas técnicas de decisão aplicadas, que se tornaram instrumentos estratégicos do Supremo Tribunal Federal para coordenar a harmonia do panorama político e do desenho institucional. No caso desse trabalho, foi desenvolvido um estudo minucioso sobre como a Corte desenvolve e calcula o conteúdo de suas decisões/julgamentos que promove um comportamento egocêntrico por meio da autocontenção judicial, a qual possibilita que o Supremo julgue, mas não decida efetivamente. 

Por isso, foi analisado como a autorrestrição é utilizada pelo Tribunal, isto é, como pode ser identificada a partir das circunstâncias de cada caso e quais são as justificativas dos juízes constitucionais que respaldam suas decisões autocontidas. Notou-se que é usualmente aplicada e, ainda, em casos em que se questionam os direitos e as garantias fundamentais elencadas pela Constituição Federal, por meio das ações diretas de inconstitucionalidade.

Nesse paradoxo de intenções e factualidades, a jurisdição constitucional e a respectiva atuação do STF – nesse caso, não atuação – a vontade popular permanece como soberana somente do documento da Constituição porque a Corte que deveria insistir para que ela existisse com praticidade, age conforme for prudente apenas para o interesse do próprio Tribunal.

Diante dessa controvérsia na qual o Estado de Direito está submetido, já que a ‘última palavra’ dentre as instâncias jurídicas se encontra no Supremo, a ciência do Direito não se demonstra mais como suficiente e satisfatória para sanar tal disfuncionalidade, uma vez que a autocontenção como técnica judicial surge justamente da familiaridade dos juízes constitucionais com os argumentos processuais e da extensa experiência profissional dos mesmos. 

Logo, a falácia que acompanha a preservação, a proteção e a promoção dos direitos humanos e das garantias fundamentais não se torna falha puramente por conta da formalidade atribuída à competência para o exercício da jurisdição constitucional, mas também, pela interferência dos atores políticos e institucionais e dos ministros que compõem o plenário do STF.   

Apesar de ser a última instância deliberativa do nosso regime democrático, a solução para tentar equilibrar essas forças que o esmorecem ainda pode insurgir da própria democracia e da sociedade civil com sua participação política ao requisitarem a segurança jurídica de tais diretos e garantias por meio do exercício desses mesmos direitos: da liberdade de expressão e de reunião; da manifestação de pensamento; da livre expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação; do acesso à informação e da criação de associações e, sobretudo, fiscalização popular em face da atividade do Poder Judiciário, principalmente, no que tange à criação de políticas públicas que possam se originar por meio das decisões judiciais e monitorá-las.

O presente trabalho não encerra o debate, porém, demonstra a importância da liberdade provida pelo regime democrático para que haja a ponderação da ação e não atuação dos Poderes Políticos, especificamente, do Supremo Tribunal Federal, com o intuito de amadurecermos democraticamente e termos plena eficácia na garantia de nossos direitos.