Reforma Tributária - o que preciso saber?

Por Juliana Valente - 27/04/2024 as 16:27

Quer conhecer mais sobre a Reforma Tributária? A professora Luciana Zimmermann deu uma entrevista especial sobre todo o impacto dessa mudança. 

A Câmara dos Deputados aprovou, em segundo turno, no começo de julho, o texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da reforma tributária. Foram 375 votos a favor, 113 contra e três abstenções. Agora, o texto vai ao Senado. 

O objetivo central da reforma é simplificar tributos federais, estaduais e municipais. Segundo o texto, cinco tributos serão substituídos por dois Impostos sobre Valor Agregado (IVAs) — um gerenciado pela União, e outro com gestão compartilhada entre estados e municípios. A transição vai demorar dez anos, sem redução da carga tributária. 

A proposta ainda cria o Imposto Seletivo Federal, que incidirá sobre bens e serviços cujo consumo se deseja desestimular, como cigarros e bebidas alcoólicas.  Ele poderá incidir em uma ou mais fases da cadeia produtiva e será cobrado nas importações, não incidindo sobre exportações. Embora o imposto seja federal, a arrecadação será dividida com estados e municípios, seguindo a atual distribuição do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

O Instituto de Direito Real conversou com Luciana de Oliveira Zimmermann, professora de Direito Tributário e de Direito Administrativo e analista de Direito do Ministério Público de Minas Gerais, que falou sobre a chamada guerra fiscal, o imposto seletivo, a importância da reforma para o mercado e explicou como ficará a herança e a cesta básica. 

 

Reforma Tributária

Em linhas gerais, a reforma altera o modo como os impostos são cobrados no país. A substituição do PIS/Cofins, ICMS, ISS e IPI por dois Impostos sobre o Valor Agregado (IVAs) tem como objetivo a simplificação dos tributos, redução de burocracias e equidade na distribuição da carga tributária. Chamado de IVA dual, ele assume um padrão internacional e com legislação uniforme.

Luciana Zimmermann explica que a existência de tributos federais e dos impostos estaduais e municipais, tendo cada Ente a sua alíquota e forma de arrecadação, tornava o sistema de tributação sobre o consumo complicado e custoso. Ela ainda ressalta que essa simplificação já é praticada em outros países.

“É um desestímulo aos investidores internacionais, que encontram em vários outros países uma tributação mais simplificada sobre o consumo. Com a Reforma Tributária, não haverá mais tributação que faça diferença entre o consumo de bens e o consumo de serviços, como acontecia no caso do ICMS e do ISS, seguindo o que já é praticado em mais de 174 países. A tributação que incide sobre o consumo, seja ela sobre bens ou sobre serviços, será unificada em um único imposto denominado de IVA, que no nosso Sistema Tributário será dual”.

Com a reforma, os três tributos federais - PIS, Cofins e IPI - darão origem à Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal. Já o ICMS (estadual) e o ISS (municipal) serão unificados no formato do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), com gestão compartilhada entre estados e municípios. E como vai funcionar o CBS? De caráter nacional, ele incidirá sobre base ampla de bens, serviços e direitos, tributando todas as utilidades destinadas ao consumo. Ele será cobrado em todas as etapas de produção e comercialização, será não-cumulativo e contará com mecanismo para devolução dos créditos acumulados pelos exportadores. 

Zimmermann reforça ainda que a Reforma Tributária traz também alterações para outros impostos, como para o IPVA e o ITCD, que são de competência dos Estados e para o IPTU, de competência dos Municípios.

“Com relação às alterações no IPVA (Imposto sobre Propriedade de Veículos Automotores), a PEC 45 traz que este imposto também incidirá sobre as embarcações e os jatinhos, pois, atualmente, ele somente incide sobre a propriedade dos veículos terrestres. Contudo, a PEC não incluiu na incidência do IPVA os aviões de grande porte, sob o fundamento de que a incidência deste imposto sobre os mesmos encarecerá o serviço de transporte aéreo e, ainda, dá competência aos Estados e ao Distrito Federal para estabelecerem alíquotas diferenciadas em razão do valor dos veículos automotores”.

Sobre o ITCD (Imposto sobre Transmissão de Bens Causa Morte e Doação), Luciana comenta que “é a possibilidade dos Estados aplicarem as alíquotas progressivas para este imposto e, também estabelece que o Estado competente para exigir o ITCD será o do domicílio do de cujus ou do domicílio do doador”. Ela ainda ressalta que outra importante alteração trazida pela PEC 45 foi a autorização para que o Chefe do Poder Executivo Municipal possa mediante decreto alterar as bases de cálculo do IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana). 

“O Prefeito poderá majorar a base de cálculo do IPTU através de seu ato normativo, sem precisar da aprovação do Poder Legislativo Municipal”.

O texto foi aprovado pela Câmara dos Deputados, em segundo turno, no começo de julho e agora, vai ao Senado Federal. Caso seja aprovada pelo Senado, em dois turnos, ainda, no ano de 2023, entrará em vigor a partir de 2026. Em 2027, entra em vigor por completo a nova CBS, com a extinção dos tributos IPI, PIS e COFINS, porém, a transição será concluída no ano de 2033. 

“Cumpre salientar que a Reforma Tributária para sua completa vigência dependerá da elaboração e aprovação de várias Leis Complementares, já previstas na própria PEC nº 45, necessárias para a regulamentação da nova tributação, além da elaboração e aprovação de outras leis infraconstitucionais dos Entes Tributantes”, ressalta Zimmermann. 

 

Cashback

O cashback na reforma tributária é a possibilidade de devolução para os contribuintes de parte dos impostos pagos sobre determinados produtos. A ideia é que o mecanismo seja utilizado pela parcela mais pobre da população como forma de reduzir as desigualdades de tributação e distribuição de renda.

Entretanto, a forma como será feita, bem como o público beneficiado e os valores ainda precisam ser definidos. Um dos formatos estudados será um possível cruzamento do CPF do consumidor, informado no momento da compra, com dados da Receita Federal e do Cadastro Único (CadÚnico), que reúne informações sobre famílias brasileiras em situação de pobreza e pobreza extrema. Assim, caso o cliente e o produto comprado se encaixem no perfil a ser definido pelo governo, o imposto será devolvido.

E em quanto tempo a devolução será feita? O Ministério da Fazenda analisa a devolução imediata por meio de desconto no ato da compra e na boca do caixa. 

A expectativa é que tudo seja definido por meio de um projeto de lei complementar. De acordo com o texto da PEC, uma lei futura vai estabelecer “as hipóteses de devolução do imposto a pessoas físicas, inclusive os limites e os beneficiários, com o objetivo de reduzir as desigualdades de renda”.

 

Herança

O texto-base da reforma tributária prevê, entre outros pontos, alterações na cobrança de transferência de heranças. Apesar de, nesse primeiro momento, o foco principal ser a tributação sobre o consumo, existe um trecho que trata também da cobrança sobre renda e patrimônio. A PEC prevê a tributação progressiva sobre heranças; a cobrança do imposto no domicílio onde a pessoa faleceu; a permissão para maior cobrança sobre heranças no exterior; e a inclusão de isenção do imposto sobre doações a instituições sem fins lucrativos.

Com a Reforma Tributária, os Estados estabelecerão alíquotas progressivas em razão do valor da doação ou do monte partilhável deixado pelo de cujus, o que, segundo Zimmermann, trará uma tributação mais gravosa para o ITCD. 

“Atualmente os Estados estabelecem uma única alíquota que incide sobre o valor do bem doado ou sobre o valor do patrimônio deixado pelo falecido. Assim, o ITCD é cobrado proporcionalmente ao valor da doação ou da herança. Com a aprovação da PEC nº 45, os Estados poderão estabelecer alíquotas progressivas para o ITCD, ou seja, alíquotas que irão variar de acordo com o valor do bem doado ou do monte deixado pelo de cujus, assim, quanto maior a valor do bem ou do monte mor maior será a alíquota do imposto aplicada”.

Além disso, outra alteração em relação ao ITCD diz respeito ao Estado competente. Zimmermann explica que o responsável será o do domicílio do de cujus ou do domicílio do doador, o que, para ela, facilitará aos contribuintes o seu recolhimento. 

“No sistema atual, o ITCD sobre os imóveis deixados pelo de cujus é de competência do Estado no qual está situado o referido imóvel e, no caso de bens móveis, títulos e créditos inventariados, o ITCD é de competência do Estado em que se processar o inventário, podendo o Espólio ser obrigado a recolher mais de um ITCD para Estados diferentes com alíquotas diversas”.

 

Cesta Básica

Um ponto da reforma tributária que causou muitas dúvidas foi a cesta básica. Por envolver um tema que mexe diretamente com a vida da população mais pobre, muitos questionamentos surgiram. Atualmente, os produtos mais essenciais, como os da cesta básica, têm alíquotas menores do que os produtos menos essenciais como, por exemplo, joias e carros. 

O texto aprovado passou a estabelecer a criação da "Cesta Básica Nacional de Alimentos", onde as alíquotas previstas para os IVAs federal, estadual e municipal serão reduzidas a zero para esses produtos.  

Segundo o texto, caberá a uma lei complementar definir quais serão os "produtos destinados à alimentação humana" que farão parte da cesta.

“Há a previsão de que a alíquota do tributo sobre o consumo de bens e serviços poderá ser reduzida em 50% para transporte público coletivo urbano e semiurbano, para alimentos e produtos de higiene da cesta básica, medicamentos, serviços de educação e de saúde, dentre outros, mas a PEC deixa para a Lei Complementar detalhar quais seriam estes bens e serviços. Logo, a Reforma Tributária prevê que a alíquota incidente sobre os alimentos e os produtos de higiene da cesta básica terá a redução de 50%, a fim de que o novo tributo não encareça a chamada cesta básica”, explica a professora.

 

Imposto Seletivo

O Imposto Seletivo previsto na PEC nº 45 é de que a União poderá, mediante Lei Complementar, criar um imposto que incida sobre a importação, produção e comercialização de produtos considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente como, por exemplo, cigarros e bebidas alcoólicas. Este imposto poderá incidir em uma ou mais fases da cadeia produtiva e será cobrado nas importações, não incidindo sobre exportações. 

Os detalhes da cobrança e dos produtos que serão desestimulados pelo imposto serão definidos posteriormente. Apesar de ser um imposto federal, a arrecadação será dividida com estados e municípios, seguindo a atual distribuição do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).

A Reforma Tributária, além de incidir sobre estes produtos os tributos criados sobre o consumo de bens e serviços (CBS e IBS), trará uma tributação mais gravosa sobre os mesmos. O objetivo é desestimular a sua comercialização e consumo. Zimmermann explica como funcionará esse caráter extrafiscal. 

“É mais do que estabelecer alíquotas diferenciadas em razão da essencialidade do produto, mas, principalmente, será criado para cumprir um caráter extrafiscal dos impostos que incidem sobre bens e serviços, que é de, através da tributação, intervir na atividade do particular para estimular ou desestimular o mercado de bens e serviços, visando o interesse coletivo. 

 

Guerra Fiscal

Um ponto de destaque da reforma tributária é a possibilidade de acabar com a chamada guerra fiscal do ICMS, um conflito federativo de décadas. Isso ocorria porque o Ente Federado que possuía maior fonte de riqueza poderia melhorar a sua tributação sobre o consumo de bens e serviços, ou seja, estabelecer alíquotas menores e até conceder benefícios fiscais como a isenção, o que seria um atrativo para uma empresa sair de um Estado ou de um município e se instalar em outro.  

Hoje, os impostos que incidem sobre o consumo de bens e serviços são de competência dos estados e dos municípios em que o prestador ou produtor estiver sediado. Porém, a PEC, ao prever que os tributos incidentes sobre o consumo de bens e serviços serão cobrados no estado ou município em que está o consumidor final, esta “guerra fiscal” não terá mais campo de atuação. A professora complementa que, agora, “o produtor ou prestador não precisa ficar deslocando sua sede em busca de pagar menos tributos”.

 

Retrógrado, complexo e disfuncional

É assim que a professora Luciana de Oliveira Zimmermann classifica o nosso sistema atual.  Para ela, o ponto mais forte da Reforma Tributária é a simplificação dos tributos. 

“O atual modelo de tributação brasileiro é retrógrado, complexo e disfuncional, o qual faz com que o empresariado perca muito tempo analisando como calcular e recolher este universo diversificado de tributos incidentes sobre o consumo de seus produtos ou serviços, além de ser uma carga tributária pesada tanto para os empresários quanto para seus consumidores, uma vez que tais tributos praticam o fenômeno da repercussão tributária, sendo inseridos no valor dos bens e serviços consumidos. O Brasil neste sistema de tributação está atrasado em relação a outros países que já possuem o sistema de um único imposto incidente sobre o mercado.”

Ela ainda ressalta que a PEC possibilita uma melhor distribuição da receita destes tributos entre os Entes Estatais.

“Outro ponto favorável na nova tributação sobre o consumo é o fato de ser cobrada no destino do produto ou serviço, promovendo uma melhor distribuição da receita destes tributos entre os Entes Estatais e, ainda, diminuirá o percurso percorrido pelas mercadorias neste nosso país que tem dimensão continental, uma vez que um produtor, mesmo tendo seu mercado consumidor no Estado de Roraima, por exemplo, prefere instalar a sua fábrica no Estado de São Paulo, por ter alíquota mais baixa de ICMS, fazendo, assim, que seu produto percorra, praticamente, todo o território nacional para chegar às mãos de seu consumidor”.

Porém, Zimmermann finaliza demonstrando preocupação com o fato do texto possibilitar que os Municípios através de decreto poderão alterar e até majorar a base de cálculo do IPTU, 

“Entendo que tal previsão afronta o princípio da legalidade tributária estabelecido no inciso I do artigo 150 da Constituição Federal e, ainda, confere aos Prefeitos um poder ilimitado diante de sua ânsia arrecadatória, o qual se mantido não sofrerá o controle do Poder Legislativo Municipal”.