Criança Sob Guarda É Equiparada a Dependente Natural em Plano de Saúde, Decide STJ

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), privilegiando os princípios da isonomia material e da proteção integral às crianças e aos adolescentes, definiu que uma criança sob guarda deve ser equiparada ao filho natural do titular para efeitos de inclusão em plano de saúde, não podendo ser inserida como beneficiária do plano apenas como dependente agregada.

Com a decisão – tomada por maioria de votos –, o colegiado determinou que a operadora restitua ao titular as diferenças dos valores desembolsados entre a contribuição ao plano de saúde do dependente natural e da menor anteriormente considerada como dependente agregada. Todavia, ao contrário do que havia sido estabelecido em sentença, a turma determinou que a devolução deve ocorrer não em dobro, mas de forma simples. 

Na ação, o juízo de primeiro grau determinou que o plano incluísse o menor sob guarda como dependente natural do titular, mas o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul reformou a sentença por entender que o direito à inclusão da criança como filho natural não estaria previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente, nem na Lei 8.213/1991.

 

Dependente para Todos os Efeitos

O ministro Paulo de Tarso Sanseverino explicou que o artigo 33, parágrafo 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente prevê que a guarda confere à criança ou ao adolescente a condição de dependente para todos os fins e efeitos, inclusive previdenciários.

Além disso, como foi apontado na sentença, o relator ressaltou que impedir que o menor sob guarda judicial do titular do plano de saúde fosse equiparado ao filho natural, para sua inclusão como beneficiário do plano, atingiria o princípio da isonomia material previsto na Constituição.

O ministro reconheceu que a Lei 9.528/1997 excluiu do artigo 16, parágrafo 2º, da Lei 8.213/1991 a equiparação do menor sob guarda ao filho para efeito de dependência perante o Regime Geral de Previdência Social.

Entretanto, ele lembrou que, em julgamento de recurso repetitivo (REsp 1.411.258), o STJ concluiu que essa alteração não elimina o substrato fático da dependência econômica do menor e representa, do ponto de vista ideológico, um retrocesso incompatível com as diretrizes constitucionais de isonomia e de ampla e prioritária proteção à criança e ao adolescente. 

 

Restituição Simples, Não em Dobro

Em relação à restituição em dobro dos valores pagos pelo titular do plano, Paulo de Tarso Sanseverino destacou que o artigo 42 do Código de Defesa do Consumidor estabelece que a pessoa cobrada em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros.

Contudo, o magistrado apontou que, nos termos da Súmula 608 do STJ, os contratos de plano de saúde administrados por entidade de autogestão – como no caso dos autos – não se sujeitam ao CDC.

Dessa forma, Sanseverino aplicou ao processo o artigo 876 do Código Civil, segundo o qual todo aquele que recebeu o que não lhe era devido fica obrigado a restituir os valores. O objetivo do enunciado, segundo jurisprudência do STJ, é evitar o enriquecimento sem causa de quem recebe quantia indevidamente, à custa do empobrecimento injusto daquele que realiza o pagamento.

"Nesse contexto, entendo que é devida a restituição dos valores desembolsados após o indeferimento do pedido administrativo, no entanto, de forma simples", concluiu o ministro.

 

Número do Processo

REsp 1.751.453.

 

Ementa

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. SAÚDE SUPLEMENTAR. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. GUARDA DE MENOR. INCLUSÃO EM PLANO DE SAÚDE NA CONDIÇÃO DE DEPENDENTE NATURAL E NÃO APENAS COMO DEPENDENTE AGREGADO. POSSIBILIDADE. DEVOLUÇÃO DAS DIFERENÇAS DOS VALORES DESEMBOLSADOS NA FORMA SIMPLES. INAPLICABILIDADE DO CDC POR SE TRATAR DE PLANO DE AUTOGESTÃO.

1. Controvérsia em torno da possibilidade de equiparação do menor sob guarda à condição de filho natural para o fim de inclusão no plano de saúde como dependente natural, e não apenas como dependente agregado.

1.2. Questão a ser analisada com a conjugação de leis especiais: a legislação da saúde suplementar; a previdenciária e a de proteção a crianças e adolescentes.

1.3. Consoante a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, a guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários.

1.4. Reconhecimento pelo juízo de primeiro grau da nulidade das disposições contratuais e estatutárias que estabelecem a diferenciação entre os dependentes naturais e agregados, em razão da flagrante violação aos princípios da isonomia material e legalidade.

1.5. Não desconhecimento de que a redação anterior do enunciado normativo do § 2º do art. 16 da Lei n.º 8.213/91, equiparava o menor sob guarda judicial ao filho para efeito de dependência perante o Regime Geral de Previdência Social, tendo sido modificado pela Lei n.º 9.528/97 para exclusão do rol do art. 16, e seus parágrafos, dessa modalidade de dependente.

1.6. Entretanto, mesmo com a referida alteração legislativa, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em sede de recurso repetitivo, firmou-se no sentido de que a alteração legislativa, não eliminou o substrato fático da dependência econômica do menor e representou, do ponto de vista ideológico, um retrocesso normativo incompatível com as diretrizes constitucionais de isonomia e de ampla e prioritária proteção à criança e ao adolescente, para reconhecer ao menor sob guarda a condição de dependente do seu mantenedor, para fins previdenciários.

2. Controvérsia em torno da possibilidade de devolução simples ou em dobro das diferenças dos valores desembolsados pelo titular do plano.

2.1. Reconhecido que o menor sob a guarda judicial do titular do plano de saúde deve ser equiparado ao filho natural, merece acolhimento o pedido de restituição das diferenças dos valores desembolsados entre a contribuição ao plano de saúde do dependente natural e a do agregado.

2.2. Inaplicabilidade da regra da devolução em dobro do parágrafo único do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor, nos termos da súmula n.º 608/STJ (os contratos de plano de saúde administrados por entidade de autogestão não se sujeitam ao Código de Defesa do Consumidor).

2.3. Aplicação do disposto no art. 876, do Código Civil, com a determinação da restituição simples das diferenças indevidamente cobradas.

3. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.

 

Acórdão

Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, acompanhando o voto do Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, a Terceira Turma, por maioria, deu parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Votou vencida a Sra. Ministra Nancy Andrighi. Os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 08 de junho de 2021(Data do Julgamento)

MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO

Relator

 

 

Fonte

STJ