O registro formal de partilha de imóvel após a sentença em processo de inventário – o chamado registro translativo – não é condição necessária para o ajuizamento de ação de divisão ou de extinção do condomínio por qualquer um dos herdeiros. O motivo é que o registro, destinado a produzir efeitos em relação a terceiros e viabilizar os atos de disposição dos bens, não é indispensável para comprovar a propriedade – que é transferida aos herdeiros imediatamente após a abertura da sucessão (saisine).
O entendimento foi fixado pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao reformar acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que concluiu que a ação de extinção de condomínio dependeria do prévio registro da partilha no cartório de imóveis, como forma de comprovar a propriedade do bem.
Na ação que deu origem ao recurso, o juiz julgou procedente o pedido, extinguiu o condomínio e determinou a venda de imóveis que anteriormente foram objeto da herança, sendo que o total recebido deveria ser partilhado entre os condôminos, na proporção de seus respectivos quinhões. A sentença foi reformada pelo TJSP, que extinguiu a ação.
Indivisibilidade após partilha
A relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi, apontou que, nos termos do princípio da saisine, com o falecimento, todos os herdeiros se tornaram coproprietários do todo unitário chamado herança.
Entretanto, a magistrada destacou a diferença da questão debatida nos autos, pois, embora tenha havido a transferência inicial da propriedade aos herdeiros, ocorreram também a prolação de sentença e a expedição do termo formal de partilha na ação de inventário.
Segundo a relatora, essa distinção é relevante, pois, de acordo com o artigo 1.791, parágrafo único, do Código Civil de 2002, até a partilha, o direito dos coerdeiros, quanto à propriedade e à posse da herança, é indivisível e regulado pelas normas relativas ao condomínio – o que sugeriria, em sentido contrário, que, após a partilha, não haveria mais que se falar em indivisibilidade, tampouco em condomínio ou em transferência causa mortis.
"Conquanto essa interpretação resolva de imediato uma parcela significativa de situações, não se pode olvidar que há hipóteses em que a indivisibilidade dos bens permanecerá mesmo após a partilha, atribuindo-se aos herdeiros, ao término do inventário, apenas frações ideais dos bens, como, por exemplo, se não houver consenso acerca do modo de partilha ou se o acervo contiver bem de difícil repartição", explicou a ministra.
Copropriedade
Nessas hipóteses, Nancy Andrighi destacou que há transferência imediata de propriedade da herança aos herdeiros e, após a partilha, é estabelecida a copropriedade dos herdeiros sobre as frações ideais dos bens que não puderem ser imediatamente divididos.
Em consequência, a ministra concluiu que o prévio registro translativo no cartório de imóveis, com a anotação da situação de copropriedade sobre as frações ideais dos herdeiros – e não mais, portanto, a copropriedade sobre o todo da herança –, "não é condição sine qua non para o ajuizamento de ação de divisão ou de extinção do condomínio por qualquer deles".
Ao reformar o acórdão do TJSP, em razão da ausência de manifestação sobre pontos da controvérsia nas contrarrazões do recurso especial, a relatora concluiu que as questões levantadas pelos recorridos na apelação e que não foram examinadas pelo tribunal paulista também não poderiam ser conhecidas pelo STJ, pois foram atingidas pela preclusão. Assim, a Terceira Turma restabeleceu integralmente a sentença que declarou a extinção do condomínio.
Processo relacionado a esta notícia
Fonte
RECURSO ESPECIAL Nº 1.813.862 - SP (2019/0055975-5)
Leia o acórdão no STJ.
EMENTA
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO SUCESSÓRIO. OMISSÃO. INOCORRÊNCIA. QUESTÃO EFETIVAMENTE ENFRENTADA. PRINCÍPIO DA SAISINE. TRANSFERÊNCIA IMEDIATA DA PROPRIEDADE DOS BENS DO FALECIDO AOS HERDEIROS. COPROPRIEDADE DO TODO UNITÁRIO INTITULADO HERANÇA. INDIVISIBILIDADE E CONDOMÍNIO ATÉ A PARTILHA. INDIVISIBILIDADE APÓS A PARTILHA. POSSIBILIDADE. BENS PARTILHADOS EM FRAÇÕES IDEIAIS DOS BENS. COPROPRIEDADE DOS HERDEIROS SOBRE AS FRAÇÕES IDEIAIS. PRÉVIO REGISTRO DO TÍTULO TRANSLATIVO COMO CONDIÇÃO DA AÇÃO DE DIVISÃO OU EXTINÇÃO DO CONDOMÍNIO. INADEQUAÇÃO. FINALIDADE DO REGISTRO. PRODUÇÃO DE EFEITOS EM RELAÇÃO A TERCEIROS E VIABILIZAÇÃO DE ATOS DE DISPOSIÇÃO PELOS HERDEIROS. DISPENSABILIDADE PARA A COMPROVAÇÃO DA PROPRIEDADE DOS HERDEIROS. APELAÇÃO JULGADA POR FUNDAMENTO DISTINTO DOS ALEGADOS PELA PARTE. ARGUMENTOS SUSCITADOS PELA PARTE DESCONSIDERADOS NO ACÓRDÃO E NÃO REITERADOS NAS CONTRARRAZÕES DO RECURSO ESPECIAL. INOCORRÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL PREJUDICADO.
1- Ação proposta em 12/07/2016. Recurso especial interposto em
11/07/2018 e atribuído à Relatora em 10/04/2019.
2- Os propósitos recursais consistem em definir: (i) se o acórdão recorrido possui omissão relevante; (ii) se o registro do título translativo no registro de imóveis é condição da ação de extinção de condomínio cumulada com avaliação e alienação judicial de bens ajuizada por herdeiro após o inventário e partilha de bens do autor da herança.
3- Não há que se falar em omissão ou negativa de prestação jurisdicional quando o acórdão recorrido se pronuncia sobre a questão controvertida.
4- A propriedade dos bens de propriedade do falecido é imediatamente transferida aos herdeiros com a abertura da sucessão, na forma do art. 1.784 do CC/2002 e em razão do princípio da saisine, razão pela qual todos os herdeiros se tornam, a partir desse momento, coproprietários do todo unitário intitulado herança.
5- Embora a regra do art. 1.791, parágrafo único, do CC/2002, possa induzir à conclusão de que, após a partilha, não haveria mais que se falar em indivisibilidade e em condomínio, há hipóteses em que a indivisibilidade dos bens permanecerá mesmo após a partilha, na medida em que é admissível a atribuição aos herdeiros apenas frações ideais dos bens, caso em que será estabelecido desde logo a copropriedade dos herdeiros sobre as frações ideais daqueles bens insuscetíveis de imediata divisão por ocasião da partilha.
6- Nessa hipótese, o prévio registro do título translativo no Registro de Imóveis, anotando-se a situação de copropriedade sobre frações ideais entre os herdeiros e não mais a copropriedade sobre o todo indivisível chamado herança, não é condição sine qua non para o ajuizamento de ação de divisão ou de extinção do condomínio por qualquer deles, especialmente porque a finalidade do registro é a produção de efeitos em relação a terceiros e a viabilização dos atos de disposição pelos herdeiros, mas não é indispensável para a comprovação da propriedade que foi transferida aos herdeiros em razão da saisine.
7- Consideram-se prequestionados os fundamentos adotados nas razões de apelação e desprezados no julgamento do respectivo recurso, desde que, interposto recurso especial, sejam reiterados nas contrarrazões da parte vencedora. Precedente da Corte Especial.
8- Na hipótese, o acórdão recorrido, de ofício, extinguiu o processo sem resolução do mérito por ausência de interesse processual, deixando de examinar os fundamentos deduzidos pelos réus na apelação e que não foram por eles reiterados nas contrarrazões do recurso especial, providência que seria indispensável para que se pudesse considerar as matérias prequestionadas ou, ao menos, incluídas no objeto de cognição desta Corte. 9- O provimento do recurso especial por um dos fundamentos torna despiciendo o exame dos demais suscitados pela parte (na hipótese, divergência jurisprudencial). Precedentes.
10- Recurso especial conhecido e parcialmente provido, a fim de restabelecer a sentença que julgou procedente os pedidos de extinção de condomínio e de avaliação e alienação judicial de bens, inclusive no que tange à sucumbência.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer e dar parcial provimento ao recurso especial nos termos do voto do(a) Sr(a) Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Moura Ribeiro. Brasília (DF), 15 de dezembro de 2020(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora