STJ Mantém Demissão de Ex-Reitor da UnB por Desvios de Verbas

A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a demissão do ex-reitor da Universidade de Brasília (UnB) Timothy Mulholland, determinada após Processo Administrativo Disciplinar (PAD) que apurou irregularidades na celebração e execução de contrato entre a Fundação Universidade de Brasília (FUB) e a Fundação de Estudos e Pesquisas em Administração (Fepad), em 2003. O contrato, no valor de R$ 800 mil, destinava-se à prestação de serviços especializados e ao fornecimento de tecnologia para o setor rural.

A comissão processante do PAD concluiu que as atividades fugiram às previstas no estatuto da FUB e que houve desvio de finalidade no contrato – celebrado sem a participação do corpo técnico da UnB –, com a aplicação de R$ 380 mil em despesas totalmente estranhas ao projeto.

Para a defesa do ex-reitor, a demissão foi ilegal, baseada em processo viciado. No mandado de segurança dirigido ao STJ, ela apontou a ausência de imparcialidade do presidente da comissão processante, em razão de ele também ter ocupado o cargo de presidente em PAD no qual se apuraram outras supostas faltas disciplinares que teriam sido cometidas por Mulholland.

A defesa argumentou, entre outras questões, que o PAD não apontou nenhuma irregularidade capaz de legitimar a aplicação da pena de demissão, deixando de demonstrar quais condutas do ex-reitor teriam caracterizado os ilícitos funcionais imputados a ele.

 

Suspeição de Membro da Comissão Processante

O relator do mandado de segurança, ministro Benedito Gonçalves, afirmou que o fato de o presidente da comissão processante ter participado de outro PAD, também instaurado contra o ex-reitor, por si só, não o torna suspeito ou impedido. "A ciência prévia dos fatos que torna a autoridade suspeita é aquela verificada quando esta participa da fase de sindicância, o que não foi comprovado neste mandado de segurança", disse.

O ministro explicou que a participação de servidor público em mais de uma comissão processante contra o mesmo acusado não ofende os artigos 150 da Lei 8.112/1990, 18 e 20 da Lei 9.784/1999, ainda que os fatos investigados em um processo administrativo possam guardar certa correlação ou sejam citados em outros.

 

Revisão da Decisão Administrativa

Para o magistrado, ao contrário do que procura fazer crer a defesa de Mulholland, ele não foi responsabilizado por ser o executor das despesas, mas por participar, na qualidade de reitor substituto, de desvios de verbas públicas, com destino a particulares.

Segundo o relator, Mulholland – que era vice-reitor – estava na condição de reitor substituto quando assinou o contrato, datado de 11 de julho de 2003, e seu primeiro termo aditivo – este último, inclusive, em data na qual o reitor titular já tinha voltado às funções. Tal circunstância, lembrou o ministro, foi uma das que levaram a comissão processante a concluir pela existência de conluio entre Mulholland e outros servidores públicos, também punidos em decorrência do mesmo PAD.

"A prova examinada no processo administrativo disciplinar foi vasta. Além dos instrumentos contratuais, aferição de datas e assinaturas neles constantes, encadeamento temporal dos atos e o exame da prestação de contas e notas fiscais entregues à auditoria da Controladoria-Geral da União, foram ouvidas 17 testemunhas e interrogados os sete acusados", ressaltou.

Na avaliação do ministro, não se evidencia nenhuma ofensa aos princípios do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal ou da legalidade, não havendo razão para se falar em revisão da decisão administrativa pelo Poder Judiciário nesse caso.

 

Proporcionalidade entre os Fatos e a Sanção

Por fim, Benedito Gonçalves rechaçou a alegação de que deveria ser aplicada penalidade diversa da demissão. Nos termos da jurisprudência do STJ – lembrou –, uma vez configurada infração para a qual a lei prevê a pena que foi efetivamente imposta pela administração pública, não cabe ao Judiciário aplicar penalidade diversa.

Segundo o relator, é inegável que a infração pela qual o ex-reitor foi apenado é da maior gravidade. Segundo observou, o processo revela que o ex-servidor promoveu o desvio de centenas de milhares de reais dos cofres públicos, por meio da FUB, que nem sequer desempenhou diretamente qualquer atividade no cumprimento do contrato, "havendo espúria finalidade de dispensar a licitação".

"Também deixou de seguir recomendações do corpo técnico-jurídico da universidade, tudo em benefício de particulares e em prejuízo ao erário, à legalidade e à moralidade administrativa. Tais condutas importam descrédito à moralidade administrativa, não havendo que se falar, no caso, em falta de proporcionalidade ou razoabilidade entre os fatos e a sanção aplicada", concluiu.

 

Número do Processo

MS 21863

 

Ementa

ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. REITOR DE UNIVERSIDADE FEDERAL. PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR (PAD). PENA DE DEMISSÃO. IMPARCIALIDADE DE MEMBRO DA COMISSÃO DE PAD QUE PARTICIPOU DE OUTRAS COMISSÕES CONTRA O IMPETRANTE POR OUTROS FATOS. NÃO OCORRÊNCIA. CONTROLE JURISDICIONAL DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. EXAME DA REGULARIDADE DO PROCEDIMENTO E DA LEGALIDADE DO ATO. IMPOSSIBILIDADE DE INCURSÃO NO MÉRITO DO ATO ADMINISTRATIVO. FUNDAMENTAÇÃO. PROPORCIONALIDADE.

1. Processo administrativo disciplinar (PAD) que aplicou penalidade de demissão ao impetrante, professor, ex-Reitor e ex-Vice Reitor de Universidade Federal, por concluir que ele valeu-se do cargo que ocupava junto à Universidade para lograr proveito pessoal ou de outrem, em detrimento da dignidade da função pública, ao assinar o Contrato n. 04752, de 11/7/2003, entre a FUB (Fundação Universidade de Brasília) e sua fundação de apoio FEPAD (Fundação de Estudos e Pesquisas em Administração), e seu primeiro termo aditivo, com desvio de finalidade, para que recursos da FUB fossem destinados a particulares, sem a realização de licitação e sem a correspondente contraprestação dos serviços.

2. O impetrante respondeu a quatro PADs por irregularidades constatadas ao tempo em que foi Reitor, sendo cada qual decorrente de um Relatório de Demandas Especiais (RDE) elaborado pela CGU (Controladoria-Geral da União). Embora os fatos sejam conexos e pudessem ser apurados em um único PAD, foram agrupados em 4 PADs por uma questão de eficiência.

3. Não há parcialidade de membro da Comissão Processante apenas por compor outra Comissão Processante, que apura outros fatos pelos quais foi investigado o servidor público. A propósito, a referida argumentação já foi exposta pelo ora impetrante ao questionar dois outros processos administrativos em que também lhe foi aplicada a penalidade de demissão. Confira-se: "II. Afasta-se a alegação de Imparcialidade da Comissão Processante, porquanto os demais processos disciplinares contra o Impetrante, nos quais participaram membros do processo disciplinar ora em análise, apuraram irregularidades diversas, embora atribuídas ao investigado, não havendo prévio juízo de valor quanto aos fatos apurados no PAD n. 00190.042641/2009-98 (MS 21.859/DF, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Seção, DJe 19/12/2018)". No mesmo sentido: MS 21.937/DF, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Rel. p/ Acórdão Min. Assusete Magalhães, Primeira Seção, DJe 23/10/2019.

4. O exame da prova produzida no PAD foi feito de forma fundamentada pela autoridade impetrada, que concluiu pela participação dolosa do impetrante nos atos a ele imputados a partir dos elementos de prova indicados e sopesados no Relatório Final da Comissão processante, adotado pela autoridade impetrada.

5. O servidor acusado no processo administrativo disciplinar defende-se dos fatos a ele imputados e não da tipificação legal relacionada. A correção, pela autoridade administrativa julgadora, da tipificação legal em que se há de enquadrar os ilícitos funcionais comprovadamente praticados pelo servidor foi efetuada nos termos do art. 168, parágrafo único, da Lei 8.112/90, bem ainda na linha da compreensão que este Superior Tribunal de Justiça tem a respeito da questão. A propósito: "A Autoridade Administrativa não se encontra vinculada ao Relatório apresentado ao final dos trabalhos realizados pela Comissão Processante, por se tratar de peça meramente opinativa e informativa; tanto é assim que o art. 168 da Lei 8.112/1990 permite que a Autoridade Administrativa de posto mais elevado agrave a sanção sugerida pela Comissão (MS 22.204/DF, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Seção, DJe 06/9/2019)".

6. A avaliação da gravidade da infração efetuada em sede de Processo Administrativo Disciplinar, se não ultrapassa a esfera do proporcional e do razoável, como no caso dos autos, não se sujeita à revisão judicial.

7. Ordem denegada.

 

Acórdão

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da PRIMEIRA SEÇÃO do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, denegar a ordem e julgar prejudicado o agravo interno interposto contra o indeferimento do pedido liminar, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Assusete Magalhães, Regina Helena Costa, Gurgel de Faria, Manoel Erhardt (Desembargador convocado do TRF-5ª Região), Francisco Falcão, Herman Benjamin, Og Fernandes e Mauro Campbell Marques votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília, 25 de agosto de 2021.

Ministro Benedito Gonçalves

Relator

 

Fonte

STJ