Ao julgar a apelação cível impugnando a sentença que declarou nulo contrato assinado a rogo por aposentado analfabeto, o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais manteve a nulidade e a indenização por dano moral decorrente, acrescendo à condenação da instituição financeira a restituição em dobro.
Entenda o Caso
O autor propôs ação objetivando a declaração de nulidade da relação jurídica referente ao empréstimo do contrato, a condenação da instituição financeira ao pagamento de R$20.000,00 a título de danos morais, e a restituição em dobro dos valores descontados indevidamente do benefício previdenciário.
Na origem, aduziu que é aposentado como trabalhador rural e “[...] que foi vítima de averbação indevida de empréstimo consignado junto ao seu benefício previdenciário”. Alegando, nessa linha, que é analfabeto e a assinatura do contrato não foi acompanhada de procuração pública.
Os recursos de Apelações Cíveis foram interpostos contra a sentença que declarou a inexistência do contrato de empréstimo, condenando o requerido ao pagamento de R$7.000,00 por danos morais e determinou à instituição financeira a restituição, de forma simples, dos valores descontados do benefício previdenciário do autor.
O banco réu insistiu na regularidade da contratação do empréstimo, disse que foram respeitados os requisitos do art. 595 do Código Civil, e aduziu que o crédito foi disponibilizado em conta bancária de titularidade do autor.
O autor requereu a majoração do valor fixado a título de indenização por danos morais.
Decisão do TJMG
A 18ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, com voto do Desembargador Relator João Cancio, deu provimento parcial ao recurso.
De início, constatou que a contratação do empréstimo foi realizada opondo a digital no contrato, assinado o contrato a rogo, e constando a assinatura de duas testemunhas.
Nesse ponto, colacionou os arts. 428 e 429 do Código de Processo Penal, que dispõem:
Art. 428. Cessa a fé do documento particular quando:
I - for impugnada sua autenticidade e enquanto não se comprovar sua veracidade;
II - assinado em branco, for impugnado seu conteúdo, por preenchimento abusivo.
Parágrafo único. Dar-se-á abuso quando aquele que recebeu documento assinado com texto não escrito no todo ou em parte formá-lo ou completá-lo por si ou por meio de outrem, violando o pacto feito com o signatário.
Art. 429. Incumbe o ônus da prova quando:
I - se tratar de falsidade de documento ou de preenchimento abusivo, à parte que a arguir;
II - se tratar de impugnação da autenticidade, à parte que produziu o documento.
No caso, analisando a validade do negócio jurídico, destacou o art. 4º, I, e o art. 39, IV, ambos do Código de Defesa do Consumidor, que atestam a vulnerabilidade do consumidor e a necessidade de proteção aos analfabetos, exigindo atenção aos requisitos do art. 595 do Código Civil, que diz:
Art. 595. No contrato de prestação de serviço, quando qualquer das partes não souber ler, nem escrever, o instrumento poderá ser assinado a rogo e subscrito por duas testemunhas.
Pelo exposto, considerou insuficiente a assinatura a rogo sem procuração pública, manteve a nulidade do contrato reconhecida e o quantum a título de dano moral, acrescentando à condenação a restituição em dobro dos valores descontados.
Número do Processo
1.0000.23.005711-9/001
Ementa
APELAÇÃO CÍVEL - RECURSO CONHECIDO - AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE NEGÓCIO JURÍDICO COM PEDIDO DE REPETIÇÃO DO INDÉBITO E INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - CONSUMIDOR ANALFABETO - INOBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS DO ART.595 DO CC - CONTRATAÇÃO IRREGULAR - FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS - DANO MORAL - CONFIGURAÇÃO - "QUANTUM" - ADEQUAÇÃO - ENGANO JUSTIFICÁVEL - ÂMBITO DA CAUSALIDADE - JURISPRUDÊNCIA DO STJ - AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO - DEVOLUÇÃO EM DOBRO DO INDÉBITO - CABIMENTO. I- Havendo impugnação específica aos fundamentos da decisão recorrida, o recurso deve ser conhecido. II - Diante do disposto nos artigos 104, III, 166, IV, 595 e 657, todos do Código Civil, é nulo o contrato escrito celebrado com analfabeto, quando não formalizado por instrumento público ou por instrumento particular assinado a rogo por meio de procurador legalmente constituído. III- Restando incontroverso que o autor era analfabeto e não tendo sido observadas as formalidades mínimas necessárias à validade do negócio, a contratação deve ser considerada inválida, com consequente restituição das partes ao status quo ante, como decorrência lógica da nulidade contratual, o que implica na restituição, pela ré, das parcelas descontadas dos proventos do autor, e na devolução, pelo autor, dos valores eventualmente creditados a seu favor. IV - - Conforme entendimento pacificado o pelo C. Superior Tribunal de Justiça no julgamento dos Embargos de Divergência EAREsp. 664.888/RS, a repetição em dobro de que trata o art. 42 do CDC é cabível quando a cobrança indevida consubstanciar conduta contrária à boa-fé objetiva, ou seja, deve ocorrer independentemente da natureza do elemento volitivo. V - Não tendo restado comprovado que as cobranças realizadas pelos réus decorreram de estipulações contratuais válidas, entende-se por injustificável, no âmbito da causalidade, o engano cometido, fazendo-se devida a restituição em dobro dos valores cobrados da parte autora sem amparo legal ou contratual. VI - A conduta faltosa da instituição financeira enseja reparação por danos morais, em valor que assegure indenização suficiente e adequada à compensação da ofensa suportada pela vítima, devendo ser consideradas as peculiaridades do caso e a extensão dos prejuízos sofridos, desestimulando-se a prática reiterada da conduta lesiva pelo ofensor.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.23.005711-9/001 - COMARCA DE JANUÁRIA - 1º APELANTE: BANCO PAN S/A - 2º APELANTE: JOAO JOSE CARNEIRO - APELADO(A)(S): BANCO PAN S/A, JOAO JOSE CARNEIRO
Acórdão
Vistos etc., acorda, em Turma, a 18ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em REJEITAR AS PRELIMINARES, NEGAR PROVIMENTO AO PRIMEIRO RECURSO E DAR PARCIAL PROVIMENTO AO SEGUNDO.
DES. JOÃO CANCIO
RELATOR