Ao julgar os recursos ordinários interpostos o Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região reformou a sentença condenando a reclamada em horas extras, dobras, intervalos e adicional noturno, afastando a alegação da exceção do artigo 62, I, da CLT, para ausência de controle de jornada, restando comprovado que a reclamada tinha possibilidade de controlar e fiscalizar a jornada do empregado e não o fez.
Entenda o Caso
As partes recorreram, sendo que o autor buscou a reforma, dentre outros pontos, quanto à “[...] sentença que entendeu pela aplicação do artigo 62 da CLT, julgando improcedente o pedido de horas extras e adicional noturno”.
Para tanto, alegou que “[...] o artigo 62, inciso I, da CLT abrange apenas os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, ‘bastando que fique evidenciado que a atividade externa era sim compatível com a fixação de horário de trabalho’”.
Ainda, argumentou que “[...] deve ser avaliado é se o empregador tinha condições de controlar a jornada e não se efetivamente o fez”.
A sentença considerou que o autor, embora admitido para trabalhar por 8h diárias, 40h semanais, de segunda a sexta, realizava tarefas que excediam a jornada, diante das visitas aos clientes, conforme agenda, troca de mensagens com cliente e colegas, e também, que despendia de tempo para:
[...] preparar a visitação do dia seguinte, conferir o material de propaganda, realizar pedidos dentre outras tarefas; que viajava para reuniões, convenções e eventos patrocinados pela ré permanecendo fora de seu domicílio; que a empresa promovia convenção nacional anual fora do Estado por 4 dias, [...] trabalhando das 8h às 23h com inclusão dos jantares; que a empresa fornecia equipamento eletrônico que possibilitava o controle da jornada de trabalho e sua localização exata; que o aparelho possuía software para controle da visitação; [...].
A reclamada pretendeu a reforma quanto à norma coletiva aplicável e honorários advocatícios.
Decisão do TRT da 4ª Região
Os Desembargadores da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da Quarta Região, por maioria, com voto da Desembargadora Relatora Maria Cristina Schaan Ferreira, deram provimento parcial aos recursos.
Inicialmente, colacionaram o teor do artigo 62, inciso II, e parágrafo único, da CLT acrescentando que “[...] não bastaria receber salário maior em relação àquele pago aos demais empregados para a configuração da função de confiança, pois o alto patamar remuneratório somente justifica o reconhecimento da função como sendo de confiança quando o empregado realmente detém poderes de gestão, o que não ocorre na espécie”.
Por outro lado, “Ao invocar a incidência da exceção legal, a ré atraiu para si o ônus de comprovar que o autor esteve inserido nos termos do artigo de lei em questão”.
Em análise, ressaltaram que “[...] a prova oral, em seu conjunto, demonstra que o autor tinha poucas atribuições diferenciadas e direcionadas ao relacionamento com os clientes. Não se evidencia, portanto, o exercício do cargo de confiança nos moldes defendidos pela recorrente”.
Quanto à jornada externa, caracterizada pelo artigo 62, inciso I, da CLT, ficou consignado que se deve “[...] considerar a impossibilidade de controlar e fiscalizar a jornada do empregado”. Isso porque “[...] mesmo sendo externo o trabalho, o empregado pode demonstrar a existência de controle indireto da jornada ou a existência de jornada superior ao limite legal”.
No caso, o depoimento de uma das testemunhas e documentos acostados pelo autor confirmam que a empresa agendava as visitas e “[...] tinha a possibilidade de controlar a execução das atividades de trabalho exercidas pela reclamante, situação incompatível com a inserção do empregado nos ditames do inciso I do art. 62 da CLT”.
Assim, afastadas as exceções previstas no art. 62, incisos I e II, da CLT. Destarte, está o reclamante abrangido pela limitação da duração do trabalho prevista no Capítulo II da CLT, diversamente do decidido no primeiro grau”.
Não cumprido o dever de anotação da jornada, foi aplicada a Súmula nº 338, I, do TST, “[...] segundo a qual, é presumível a veracidade da jornada de trabalho informada na inicial, a qual pode ser elidida por prova em sentido contrário”.
Número do Processo
Ementa
ENQUADRAMENTO NO ART. 62, I e II, DA CLT. Inviável se reconheça o enquadramento nas exceções previstas no art. 62, I e II, da CLT, quando o conjunto probatório confirma a possibilidade de controle de jornada pelo empregador.
Acórdão
Vistos, relatados e discutidos os autos.
ACORDAM os Magistrados integrantes da 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por maioria, vencidos parcialmente com votos díspares a Relatora e o Desembargador Fernando Luiz de Moura Cassal, DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO DO AUTOR para, observados os termos da fundamentação, acrescer à condenação o pagamento de: (a) horas extras, assim entendidas as excedentes da 8ª diária e 40ª semanal, considerado o divisor 200 e observada a Súmula 264 do TST para apuração da base de cálculo, com adicional legal ou normativo (se mais benéfico) e reflexos em repousos semanais remunerados, feriados, 13ºs salários, férias com 1/3, aviso-prévio e FGTS com acréscimo de 40%; (b) uma hora por dia de efetivo labor decorrente da fruição parcial do intervalo intrajornada com adicional de 50% e reflexos em repousos semanais remunerados, feriados, 13ºs salários, férias com 1/3, aviso-prévio e FGTS com acréscimo de 40%; (c) horas suprimidas do intervalo do art. 66 da CLT, com adicional de 50% e reflexos em repousos semanais remunerados, feriados, 13ºs salários, férias com 1/3, aviso-prévio e FGTS com acréscimo de 40%; (d) horas extras prestadas em domingos e feriados, com adicional de 100% e reflexos em repousos semanais remunerados, feriados, 13ºs salários, férias com 1/3, aviso-prévio e FGTS com acréscimo de 40%; (e) dobra legal do dia de repouso semanal nas ocasiões em que houve labor por mais de seis dias ininterruptamente; (f) adicional noturno sobre as horas laboradas em horário noturno, com reflexos em repousos semanais remunerados, feriados, 13ºs salários, férias com 1/3, aviso-prévio e FGTS com acréscimo de 40%; (g) diferenças de repousos semanais remunerados pela consideração do sábado como dia de repouso, com reflexos em 13ºs salários, férias com 1/3, aviso-prévio e FGTS com acréscimo de 40%; (h) diferenças de prêmios no importe de 40% sobre o salário básico do reclamante, com reflexos em horas extras, adicional noturno, 13ºs salários, férias com 1/3, aviso prévio e FGTS com acréscimo de 40%. (i) diferenças salariais decorrentes dos reajustes normativos deferidos nas convenções coletivas juntadas com a petição inicial (IDs 5aa3feb e 01930bd), devendo, contudo, ser observado o reajuste deferido pela reclamada em novembro de 2016; (j) multa normativa, uma única vez a cada período de vigência das normas coletivas juntadas com a petição inicial; (k) valor pago a título de IPVA pelo uso do veículo próprio durante o período contratual; (l) honorários assistenciais de 15% a incidir sobre o valor bruto da condenação; bem como para absolvê-lo da condenação ao pagamento de honorários sucumbenciais aos procuradores da reclamada e para relegar à fase de liquidação a fixação dos critérios de apuração do recolhimento fiscal. Por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA para absolvê-la da condenação ao pagamento de honorários sucumbenciais aos advogados do autor. Custas majoradas em R$ 1.000,00 (um mil reais), calculadas sobre o valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), ora acrescido à condenação.
Intime-se.
Porto Alegre, 29 de outubro de 2020 (quinta-feira).