TST Mantém Nulidade de Cláusulas que Reduziam Cota para Pessoas com Deficiência e Aprendizes

A Seção Especializada em Dissídios Coletivos (SDC) do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou recurso do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros no Estado de Minas Gerais (Sindpas) contra a invalidação de cláusulas de convenção coletiva que excluíam as funções de motorista e de auxiliar de viagem/trocador da base de cálculo da cota destinada, por lei, a pessoas com deficiência e a aprendizes. Segundo o colegiado, as cláusulas regulam direito não relacionado às condições de trabalho da categoria profissional e, portanto, não devem constar de instrumento normativo autônomo.

 

Exclusão

De acordo com a convenção coletiva de trabalho firmada entre o Sindpas e o Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários, Urbanos, Vias Internas e Públicas de Barbacena e Região, a função de motorista não integraria a base de cálculo da cota de pessoas com deficiência. A justificativa era a exigência legal de habilitação profissional específica. 

No caso dos aprendizes, foi excluída, também, a função de trocador, com o argumento de que eles não poderiam manusear ou portar valores nem trabalhar em período noturno, em trajetos de longa distância.

 

Mascaramento

Em ação anulatória, o Ministério Público do Trabalho (MPT) sustentou que o detalhamento das cláusulas, com “pretensas justificativas”, visava apenas mascarar a diminuição intencional do quantitativo de aprendizes e de pessoas com deficiência.

 

Habilitação

Ao anular as cláusulas, o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG) afirmou que as únicas funções excetuadas da base de cálculo da cota de aprendizes são as que demandam habilitação de nível técnico ou superior e cargos de  direção, confiança ou gerência. Em relação às pessoas com deficiência, a decisão registra que a Lei 8.213/1991 não faz menção à exclusão de determinados cargos ou atividades para o cômputo do percentual.

 

Interesse difuso

A relatora do recurso do Sinpas, ministra Kátia Arruda, explicou que, ao excluir funções da base de cálculo das cotas, a convenção coletiva tratou de matéria que envolve interesse difuso - direito indivisível dos quais são titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato (no caso, as pessoas com deficiência e os aprendizes). “Ou seja, a regra transpassa o interesse coletivo das categorias representadas, para alcançar e regular direito difuso”, assinalou.

 

Ordem pública

Segundo a ministra, trata-se, também, de matéria de ordem e de políticas públicas, e, por isso, não é passível de regulação pela via da negociação coletiva. Ela observou que houve violação do artigo 611 da CLT, que autoriza a pactuação de instrumento normativo autônomo (convenção coletiva de trabalho) entre as categorias econômicas e profissionais, a fim de fixar condições aplicáveis às relações individuais de trabalho. 

 

Falta de capacidade

Outro ponto observado foi que as cláusulas não atendem aos requisitos de validade estabelecidos no artigo 104 do Código Civil, sobretudo quanto à falta da capacidade das partes para tratar da questão. De acordo com a relatora, a SDC já se pronunciou algumas vezes para declarar a nulidade de cláusula que trata de matéria estranha ao âmbito das relações bilaterais de trabalho. 

 

Proteção

Sobre os aprendizes, a relatora assinalou que a convenção coletiva foi firmada já na vigência da Reforma Trabalhista (Lei 13.467/2017), que considera objeto ilícito de negociação as medidas de proteção legal de crianças e adolescentes, que incluem as cotas de aprendizagem.

A decisão foi unânime.

(MC, CF)

 

Número do Processo

ROT-10139-07.2020.5.03.0000

 

Ementa

AÇÃO ANULATÓRIA. RECURSO ORDINÁRIO. CONTROVÉRSIA JURÍDICA QUE GIRA EM TORNO DO CUMPRIMENTO DAS COTAS DE CONTRATAÇÃO DE PESSOAS COM DEFICIÊNCIA E APRENDIZES. PREVISÃO EM CONVENÇÃO COLETIVA DE TRABALHO DE SUPRESSÃO DE FUNÇÕES PARA COMPOSIÇÃO DA BASE DE CÁLCULO. NÃO APLICABILIDADE AO CASO CONCRETO DO QUE DECIDIDO NO AGRAVO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO 1.121.633 (TEMA 1.046 DA REPERCUSSÃO GERAL). A 1ª Turma da Suprema Corte decidiu, no julgamento da RCL 40.013 AGR/MG, que a controvérsia jurídica que gira em torno do cumprimento das cotas de aprendizes e deficientes tem assento constitucional previsto nos arts. 7º, XXXI, 203, IV, e 227, caput e § 1º, II. Dessa forma, concluiu que a referida matéria não está abarcada pelo Tema 1046 da Repercussão Geral (Validade de norma coletiva de trabalho que limita ou restringe direito trabalhista não assegurado constitucionalmente).

CLÁUSULA SEXAGÉSIMA NONA - DEFICIENTES E PORTADORES DE NECESSIDADES ESPECIAIS. COTA DE CONTRATAÇÃO. BASE DE INCIDÊNCIA. INTERESSE DIFUSO NÃO SUSCETÍVEL À NEGOCIAÇÃO COLETIVA. A norma impugnada encontra-se fixada em instrumento normativo que vigorou pelo período de 1º/3/2019 a 28/2/2021, portanto, já na vigência da Lei nº 13.467/2017. Quando instada pela via da ação anulatória, compete à Justiça do Trabalho, por meio dos seus Tribunais, apreciar o teor das normas firmadas em instrumento normativo autônomo, à luz do ordenamento jurídico vigente. E, se for o caso, extirpar do diploma negociado pelos seres coletivos as regras que retiram direitos assegurados por norma estatal de caráter indisponível. O art. 7º, XXVI, da Constituição Federal de 1988, assegura o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, que são elaborados e firmados pelos entes coletivos. A autonomia de vontade dos seres coletivos, manifestada mediante os instrumentos normativos autônomos, encontra limite nas normas heterônomas de ordem cogente, que tratam de direitos de indisponibilidade absoluta e normas constitucionais de ordem e de políticas públicas. O art. 611 da CLT dispõe que "Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais Sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho". Efetivamente, a autonomia coletiva dos sindicatos, assegurada pela Carta Magna, abrange a elaboração de normas de natureza coletiva, atinentes às condições aplicadas no âmbito das relações bilaterais de trabalho. No caso, a primeira questão que deve ser examinada nesta ação anulatória é se a matéria objeto da cláusula tem natureza coletiva. Observa-se que, ao excluir a função de motorista do cômputo na base de cálculo da cota prevista no artigo 93 da lei nº 8.213/91 e artigo 141 do Decreto nº 3.048/99, a norma impugnada trata de matéria que envolve interesse difuso (direito indivisível em que são titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato), no caso, interesse das pessoas com deficiência. Ou seja, a regra ora atacada transpassa o interesse coletivo das categorias representadas, para alcançar e regular direito difuso, tratando-se, inclusive, de matéria de ordem e de políticas públicas, e, por isso, não é passível de regulação pela via da negociação coletiva. Há, portanto, flagrante violação do art. 611 da CLT, que autoriza a pactuação de instrumento normativo autônomo (convenção coletiva de trabalho) entre dois ou mais sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais, a fim de fixar condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho. Nessa condição, contata-se que a cláusula não atende os requisitos de validade estabelecidos no art. 104 do CCB, notadamente quanto à falta da capacidade dos agentes convenentes, para consentir e de dar função à regra, cujo objeto, repita-se, ultrapassa os interesses coletivos das categorias representadas, avançando sobre interesse de caráter difuso, que não são passíveis de negociação coletiva. Esta SDC já se pronunciou algumas vezes no sentido de declarar a nulidade de cláusula que trata de matéria estranha ao âmbito das relações bilaterais de trabalho, por afronta ao art. 611 da CLT (há julgados da SDC). Acrescente-se que, à luz do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF), da proibição de discriminação no tocante ao salário e aos critérios de admissão do trabalhador com deficiência (art. 7º, XXXI, da CF), da isonomia (art. 5º, "caput", da CF) e da valorização do trabalho (art. 170, III, da CF), a jurisprudência desta Corte Superior orienta-se no sentido de que o art. 93 da Lei nº 8.213/91, estabeleceu cota mínima para contratação de pessoas com deficiência ou reabilitados pela Previdência Social com base no percentual de incidência sobre o número total de empregados da empresa, não estabelecendo nenhuma ressalva ou exceção de cargos ou atividades para o cômputo do cálculo. Recurso ordinário a que se nega provimento.

CLÁUSULA SEPTUAGÉSIMA – APRENDIZ. COTA DE CONTRATAÇÃO. BASE DE INCIDÊNCIA. INTERESSE DIFUSO NÃO SUSCETÍVEL À NEGOCIAÇÃO COLETIVA. O art. 7º, XXVI, da Constituição Federal de 1988 assegura o reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho, que são elaborados e firmados pelos entes coletivos. Nos termos do art. 611 da CLT, a autonomia coletiva dos seres coletivos, assegurada pela Carta Magna, abrange a elaboração de normas de natureza coletiva, atinentes às condições aplicadas no âmbito das relações bilaterais de trabalho. No caso, observa-se que, ao excluir as funções de auxiliar de viagem/trocador e motorista do cômputo na base de cálculo da cota prevista no artigo 429 da CLT, também esta cláusula atinge interesse difuso, que transpassa o interesse privado passível de negociação  pelas categorias representadas, regulando direito dissociado das condições de trabalho dos trabalhadores e, portanto, não deve constar em instrumento normativo autônomo, por afronta do disposto nos arts. 611 da CLT e art. 104 do CCB. Registre-se que, por óbvio, a declaração de nulidade da cláusula não elide as limitações e exclusões fixadas em regramento normativo estatal vigente, para efeito do cálculo do percentual de contratação de aprendizes. Recurso ordinário a que se nega provimento.

 

Acórdão

ACORDAM os Ministros da Seção Especializada em Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, conhecer do recurso ordinário e, no mérito, negar-lhe provimento.

Brasília, 16 de agosto de 2021.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001) K

ÁTIA MAGALHÃES ARRUDA

Ministra Relatora

 

Fonte

TST