Universidade Consegue Afastar Penhora de Créditos Vinculados ao Fies

A Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho declarou a impenhorabilidade dos créditos recebidos pela Associação Salgado de Oliveira de Educação e Cultura (Asoec, responsável pela Universidade Salgado de Oliveira - Universo), de Belo Horizonte (MG), provenientes do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies). Conforme a decisão, o Fies se encaixa em artigo do Código de Processo Civil (CPC) que prevê a impenhorabilidade dos recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social. 

 

FGTS

O Sindicato dos Auxiliares de Administração Escolar do Estado de Minas Gerais (SAAE) ajuizou ação civil coletiva contra a Asoec em razão do não recolhimento correto do FGTS de seus empregados. Além de condenar a instituição educacional a pagar indenização de R$ 20 mil por danos morais coletivos, o juízo de primeiro grau deferiu o pagamento das diferenças de depósitos de FGTS. A sentença foi ratificada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (MG).

 

Penhora

Na fase de execução, o TRT ordenou o bloqueio dos créditos da associação oriundos dos repasses do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) a título do Fies, por entender que não existiria a obrigação de que esses valores fossem compulsoriamente aplicados em educação. Segundo o TRT, a partir da transferência para a instituição mantenedora, eles passam a ter natureza privada, sujeitando-se, assim, à penhora.

 

Como Funciona o Fies

O relator do recurso de revista, ministro Ives Gandra Martins Filho, destacou o papel do Fies como instrumento de democratização do acesso à educação de nível superior e meio de concretização do direito fundamental à educação. Ele explicou que o fundo, vinculado ao Ministério da Educação, se destina ao financiamento de cursos superiores não gratuitos e com avaliação positiva nos processos conduzidos pelo ministério, conforme a Lei 10.260/2001. 

Conforme a regulamentação, o pagamento dos encargos educacionais é feito por meio de títulos da dívida pública (Certificado Financeiro do Tesouro), utilizados pela instituição de ensino para pagamento de contribuições previdenciárias e outros tributos administrados pela Receita Federal. Após a quitação dos tributos devidos pela instituição, os títulos públicos podem ser recomprados pelo FNDE (agente operador do Fies). Da análise dessa sistemática, conclui-se que a movimentação de recursos depende, necessariamente, da prestação de serviços educacionais aos estudantes beneficiados pelo financiamento.

Essa conclusão é reforçada pela Lei 12.202/2010, que deu nova redação ao parágrafo 1º do artigo 10 da Lei 10.260/01 para proibir expressamente a negociação desses títulos públicos com outras pessoas jurídicas de direito privado. 

 

Recursos Públicos

Na avaliação do relator, não restam dúvidas quanto à natureza pública dos valores relacionados ao Fies e quanto à sua vinculação compulsória à prestação de serviços educacionais, o que os torna impenhoráveis. Para ele, a interpretação do TRT de que, ao serem recebidas, as verbas passariam a ter natureza privada significa, na prática, admitir o risco de frustrar o próprio funcionamento do programa de financiamento estudantil, inviabilizando o alcance dos seus efeitos sociais.

A decisão foi unânime.

(LT/CF)

 

Número do Processo

 RR-10569-87.2015.5.03.0014

 

Ementa

I) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA EXECUTADA – CRÉDITOS VINCULADOS AO FIES - RECURSO PÚBLICO RECEBIDO POR INSTITUIÇÃO PRIVADA PARA APLICAÇÃO COMPULSÓRIA EM EDUCAÇÃO – IMPENHORABILIDADE - TRANSCENDÊNCIA ECONÔMICA RECONHECIDA – PROVIMENTO.

1. Nos termos do art. 896-A, § 1º, I, da CLT, constitui transcendência econômica o elevado valor da condenação.

2. In casu, ante o montante elevado da execução (R$ 2.543.528,51) e o seu impacto econômico na Executada, é de se reconhecer a transcendência econômica da causa. Por sua vez, diante da possível violação do art. 5º, II, da CF, é de se prover o agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista. Agravo de instrumento provido.

II) RECURSO DE REVISTA DA EXECUTADA – CRÉDITOS VINCULADOS AO FIES - RECURSO PÚBLICO RECEBIDO POR INSTITUIÇÃO PRIVADA PARA APLICAÇÃO COMPULSÓRIA EM EDUCAÇÃO – IMPENHORABILIDADE - RECURSO PROVIDO.

1. Reproduzindo regra anterior, introduzida no CPC de 1973 pela Lei 11.382/06, o art. 833, IX, do CPC de 2015 estabeleceu a impenhorabilidade dos recursos públicos recebidos por instituições privadas para aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social. Dada a inexistência de exceções legais que a relativizem, trata-se, com toda a evidência, de hipótese de impenhorabilidade absoluta, sendo irrelevante a natureza do crédito exequente. A subsunção do fato à previsão normativa em questão dependerá, portanto, da demonstração da origem ou natureza do dinheiro recebido (recursos públicos) e de sua finalidade (aplicação compulsória em educação, saúde ou assistência social).

2. O ordenamento jurídico pátrio, por meio do art. 6º da CF, elevou o direito social à educação à categoria de direito fundamental, sendo também considerada a educação, nos termos do art. 205 da Lei Maior, “direito de todos e dever do Estado e da família”, devendo ser “promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Como instrumento de concretização do direito fundamental à educação e de democratização do acesso à educação de nível superior, o Legislador infraconstitucional instituiu o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), de natureza contábil, vinculado ao Ministério da Educação, o qual, consoante o disposto no art. 1º da Lei 10.260/01, destina-se “à concessão de financiamento a estudantes de cursos superiores não gratuitos e com avaliação positiva nos processos conduzidos pelo Ministério, de acordo com regulamentação própria”.

3. Da análise da sistemática de funcionamento do FIES, depreende-se que o repasse de títulos públicos em favor das mantenedoras de Instituições de Ensino Superior (IES) na forma de Certificados Financeiros do Tesouro – Série E (CFT-E) e mesmo a percepção, pelas mantenedoras, do valor financeiro equivalente ao resgate desses títulos pelo FNDE (agente operador do FIES) no processo de recompra dependem necessariamente da prestação de serviços educacionais pelas Instituições de Ensino Superior aos estudantes beneficiados pelo financiamento. Ressalte-se, ademais, que, desde a entrada em vigor da Lei 12.202/10, a qual conferiu nova redação ao § 1º do art. 10 da Lei 10.260/01, é expressamente vedada a negociação dos aludidos títulos públicos (CFT-E) com outras pessoas jurídicas de direito privado, o que só veio a reforçar o fato de que o recebimento dos créditos do FIES pelas mantenedoras tem caráter de contraprestação aos serviços educacionais realizados pelas Instituições de Ensino Superior aos alunos beneficiários do programa de financiamento estudantil.

4. In casu, o TRT entendeu que os créditos recebidos pela Executada oriundos do FIES não se enquadram na impenhorabilidade prevista no art. 833, IX, do CPC, uma vez que inexistiria a obrigação de que os aludidos recursos fossem compulsoriamente aplicados em educação. De acordo com o Órgão Julgador, a partir do momento em que tais verbas são transferidas do FIES para a instituição mantenedora, passam a ter natureza privada, sujeitando-se, portanto, à constrição judicial.

5. No entanto, ao contrário do que supõe o Regional, não restam dúvidas quanto à natureza pública dos valores recebidos pela Executada relacionados ao FIES e quanto à sua vinculação compulsória à prestação de serviços educacionais, o que torna inevitável a conclusão pela impenhorabilidade dos valores bloqueados a esse título.

6. Ainda nessa perspectiva, revela-se igualmente inevitável a conclusão de que a interpretação da Corte Regional no sentido de que, ao serem recebidas pela instituição mantenedora, as verbas do FIES passam a ter natureza privada termina por desnaturalizar a finalidade da norma jurídica veiculada pelo art. 833, IX, do CPC, uma vez que permitir a constrição judicial de tais recursos significa, na prática, admitir o risco de frustrar o próprio funcionamento do programa de financiamento estudantil, inviabilizando o alcance dos efeitos sociais no campo educacional almejados pelo Legislador.

7. Assim, merece provimento o recurso de revista por violação do art. 5º, II, da CF, a fim de que seja declarada a impenhorabilidade dos créditos advindos do FIES em razão dos serviços de educação prestados pela Recorrente, com o consequente desbloqueio de todos os valores eventualmente bloqueados a esse título. Recurso de revista do qual se conhece para dar-lhe provimento.

 

Acórdão

ACORDAM os Ministros da Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, em: I – conhecer e prover o agravo de instrumento da Executada, com base em violação de dispositivo constitucional e em reconhecimento da transcendência econômica da causa, convertendo o apelo em recurso de revista, e determinar a reautuação do feito e a publicação da certidão de julgamento para ciência das Partes e interessados de que o julgamento da revista dar-se-á na primeira sessão ordinária subsequente ao término do prazo de cinco dias úteis contados da data da referida publicação, nos termos do art. 256 do Regimento Interno desta Corte; II – conhecer do recurso de revista, por transcendência econômica e violação do art. 5º, II, da CF; e III – dar provimento ao recurso de revista, para declarar a impenhorabilidade dos créditos advindos do FIES em razão dos serviços de educação prestados pela Recorrente e determinar o desbloqueio de todos os valores eventualmente bloqueados a esse título, reputando-se prejudicada a análise do requerimento de tutela incidental de urgência.

Brasília, 10 de agosto de 2021.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS FILHO

Ministro Relator

 

Fonte

TST