Universidade Federal é Condenada por Dispensa Coletiva de Motoristas Terceirizados

A Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho rejeitou o exame de recurso da Universidade Federal do Pará (UFPA) contra decisão que a condenou, subsidiariamente, ao pagamento de indenização por danos morais coletivos em razão da dispensa de 34 empregados da Uniservice Construtora e Serviços Ltda. sem o pagamento das verbas rescisórias devidas. Para o colegiado, houve falha da administração pública na fiscalização do cumprimento da obrigação por ocasião da dispensa coletiva de trabalhadores que estavam a seu serviço. 

 

Dispensa

A condenação é oriunda de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). O grupo foi dispensado entre fevereiro e março de 2017, em razão de outra empresa ter vencido a licitação para a prestação de serviços de motoristas para a UFPA. Segundo o MPT, a conduta causou lesão aos interesses de toda uma coletividade de trabalhadores, ao privá-los de verbas alimentícias justamente quando haviam perdido sua fonte de renda.

Em relação à UFPA, o argumento foi que caberia à administração pública, na condição de tomadora de serviços, fiscalizar o pagamento da parcela.

 

Falha na Fiscalização

Ao julgar o caso, o Tribunal Regional do Trabalho da 8ª Região (PA/AP) entendeu que a universidade, embora tenha tido oportunidade de demonstrar que fiscalizou o cumprimento das obrigações trabalhistas pela contratada, se limitou a apresentar os contratos de prestação de serviço, que não comprovam sua conduta diligente. 

Ainda de acordo com o TRT, não havia nenhuma prova sobre a idoneidade econômico-financeira da prestadora de serviços. “A  única conclusão possível a se chegar é a de que houve falha na fiscalização feita sobre a devedora principal, tanto na pré quanto na pós-contratação”, concluiu, ao fixar o valor da indenização em R$ 238 mil.

 

STF

No recurso de revista, a UFPA alegou que a decisão do TRT teria contrariado o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que a mera inadimplência da empresa contratada não transfere à administração pública a responsabilidade pelos pagamentos devidos. Segundo a universidade, o TRT reconheceu sua responsabilidade sem apontar condutas concretas que caracterizassem sua atuação culposa.

 

Culpa

Segundo a relatora, ministra Kátia Arruda, o STF deixou claro, nos debates no julgamento do Recurso Extraordinário 760931, que o artigo 71, parágrafo 1º, da Lei de Licitações (Lei 8.666/1993) veda a transferência automática, objetiva, sistemática da responsabilidade, e não a transferência fundada na culpa do ente público. “A culpa é reconhecida quando ocorre o descumprimento dos deveres (e não da faculdade) previstos na Lei 8.666/1993, que exige a escolha de empresa prestadora de serviços idônea e a fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais pela empregadora”, afirmou.  

 

Ônus da Prova

Outro ponto ressaltado pela relatora é que, na ausência de tese vinculante do STF a esse respeito, a Sexta Turma e a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1), que uniformiza o entendimento das Turmas do TST, concluíram que é do ente público o ônus da prova na matéria relativa à responsabilidade subsidiária.

Segundo a ministra, o caso concreto não diz respeito a mero inadimplemento, uma vez que o TRT registrou, por meio de fundamento autônomo, que o ônus da prova seria da UFPA. “Logo, a decisão do TRT que reconheceu a responsabilidade subsidiária do ente público com base na distribuição do ônus da prova em seu desfavor está em consonância com a jurisprudência do TST”, concluiu.

 

Dano Coletivo

Em relação ao dano moral coletivo, a ministra observou que o caso alcança maior gravidade, ultrapassando a esfera do patrimônio moral individual, quando se verifica que o tomador de serviços era a administração pública, que deveria ter fiscalizado o pagamento das verbas rescisórias. “Em tal situação, não há como afastar o reconhecimento de dano à coletividade, até mesmo pelo abalo que causa à confiança dos trabalhadores contratados ou que possam vir a ser contratados para prestar serviços à administração pública por meio de empresa terceirizada”, concluiu.

A decisão foi unânime.

(AM, CF)

 

Número do Processo 

AIRR-137-87.2018.5.08.006

 

Ementa

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA. LEI Nº 13.467/2017. RECLAMADA. TRANSCENDÊNCIA. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENTE PÚBLICO.

1 - Há transcendência jurídica quando se constata a oscilação na jurisprudência quanto à distribuição do ônus da prova relativamente ao tema da responsabilidade subsidiária.

2 - Conforme o Pleno do STF (ADC 16 e Agravo Regimental em Reclamação 16.094) e o Pleno do TST (item V da Súmula nº 331), relativamente às obrigações trabalhistas, é vedada a transferência automática, para o ente público tomador de serviços, da responsabilidade da empresa prestadora de serviços; a responsabilidade subsidiária não decorre do mero inadimplemento da empregadora, mas da culpa do ente público no descumprimento das obrigações previstas na Lei nº 8.666/1993. No voto do Ministro Relator da ADC nº 16, Cezar Peluso, constou a ressalva de que a vedação de transferência consequente e automática de encargos trabalhistas, "não impedirá que a Justiça do Trabalho recorra a outros princípios constitucionais e, invocando fatos da causa, reconheça a responsabilidade da Administração, não pela mera inadimplência, mas por outros fatos".

3 - O Pleno do STF, em repercussão geral, com efeito vinculante, no RE 760931, Redator Designado Ministro Luiz Fux, fixou a seguinte tese: "O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere automaticamente ao Poder Público contratante a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93". Nos debates do julgamento do RE 760931, o Pleno do STF deixou claro que o art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/1993 veda a transferência automática, objetiva, sistemática, e não a transferência fundada na culpa do ente público.

4 - No julgamento de ED no RE 760931, a maioria julgadora no STF concluiu pela não inclusão da questão da distribuição do ônus da prova na tese vinculante, ficando consignado que em âmbito de Repercussão Geral foi adotado posicionamento minimalista focado na questão específica da responsabilidade subsidiária do ente público na terceirização de serviços nos termos da Lei nº 8.666/1993.

5 - Não havendo tese vinculante do STF sobre a distribuição do ônus da prova, matéria de natureza infraconstitucional, a Sexta Turma do TST retomou a partir da Sessão de 06/11/2019 seu posicionamento originário de que é do ente público o ônus de provar o cumprimento das normas da Lei nº 8.666/1993, ante a sua melhor aptidão para se desincumbir do encargo processual, pois é seu o dever legal de guardar as provas pertinentes, as quais podem ser exigidas tanto na esfera judicial quanto pelos órgãos de fiscalização (a exemplo de tribunais de contas). Sobre a matéria, cita-se a seguinte decisão monocrática da Ministra Rosa Weber: "os julgamentos da ADC nº 16 e do RE nº 760.931-RG, ao fixarem a necessidade da caracterização da culpa do tomador de serviços no caso concreto, não adentraram a questão da distribuição do ônus probatório nesse aspecto, tampouco estabeleceram balizas na apreciação da prova ao julgador" (Reclamação 40.137, DJE 12/8/2020). 6 - Também a Segunda Turma do STF tem se posicionado no sentido de que as teses firmadas na ADC 16 e no RE 760931 não vedam a responsabilidade da Administração Pública em caso de culpa comprovada e com base no ônus da prova do ente público, quando ausente demonstração de fiscalização e regularidade no contrato administrativo (Ministro Edson Fachin, Rcl 34629 AgR, DJE 26/6/2020). A SBDI-1 do TST, a qual uniformiza o entendimento das Turmas, também concluiu que é do ente público o ônus da prova na matéria relativa à responsabilidade subsidiária (E-RR-925-07.2016.5.05.0281, Ministro Claudio Brandao, DEJT 22/5/2020).

7 - Na hipótese dos autos, o TRT entendeu que cabe ao tomador de serviços demonstrar que fiscalizou o cumprimento das obrigações trabalhistas por parte da empresa contratada, destacando que "No caso em análise, durante toda a instrução processual foi dada oportunidade ao ente público de demonstrar a fiscalização da contratada no cumprimento de suas obrigações trabalhistas para com seus empregados, entretanto limitou-se a apresentar os contratos de prestação de serviços de ID. d920e02 e seguintes, que não comprovam a conduta diligente da tomadora de serviços. De igual sorte, inexiste nos autos qualquer prova quanto à idoneidade econômico-financeira da contratada, providências que permitiriam inclusive verificar a capacidade da reclamada de arcar com suas obrigações inclusive para o pagamento das verbas rescisórias". No caso concreto, portanto, não diz respeito a mero inadimplemento, uma vez que o TRT registrou por meio de fundamento autônomo que o ônus da prova seria do ente público. Logo, a decisão do TRT que reconheceu a responsabilidade subsidiária do ente público com base na distribuição do ônus da prova em seu desfavor está em consonância com a jurisprudência desta Corte.

8 - Agravo de instrumento a que se nega provimento.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS DECORRENTES DO NÃO PAGAMENTO DE VERBAS RESCISÓRIAS A GRUPO DE TRABALHADORES.

1 - Deve ser reconhecida a transcendência jurídica para exame mais detido da controvérsia devido às peculiaridades do caso concreto. O enfoque exegético da aferição dos indicadores de transcendência em princípio deve ser positivo, especialmente nos casos de alguma complexidade, em que se torna aconselhável o debate mais aprofundado do tema.

2 – Ressalta-se inicialmente que o entendimento deste Tribunal Superior é de que o mero descumprimento de obrigações trabalhistas, como o inadimplemento das verbas rescisórias, por si só, não autoriza o reconhecimento automático de ofensa moral de forma presumida, sendo necessária a prova efetiva da repercussão do fato na esfera íntima do empregado e da violação dos direitos da personalidade, a fim de viabilizar a caracterização do dever de indenizar. No entanto, o que se discute nestes autos de ação civil pública é a reparação do dano moral coletivo em decorrência de falta de pagamento das verbas rescisórias a grupo de trabalhadores dispensados da empresa.

3 – A ação civil pública tem por objetivo prevenir a ocorrência de danos morais individuais, facilitar o acesso à justiça, à ordem jurídica justa, bem como assegurar a proteção da moral coletiva e da própria sociedade. Assim, na análise do dano moral coletivo alegado na ação civil pública, há de ser verificada a ofensa antijurídica de valores coletivos, decorrentes da violação do patrimônio moral de uma coletividade em decorrência de fato capaz de lesionar um grupo, classe ou comunidade de pessoas.

4 - Esta ação civil pública foi ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho tendo em vista a ocorrência de denúncia de que 34 trabalhadores foram dispensados pela empresa que prestava serviços à recorrente, sem o pagamento de verbas rescisórias.

5 - Dos trechos transcritos do acórdão recorrido, denota-se que o TRT consignou que “Ao transgredir as normas cogentes relacionadas à terminação do contrato de trabalho, pelo não pagamento das verbas rescisórias de 34 (trinta e quatro) trabalhadores, priva-se o empregado/ex-empregado da segurança financeira objetivada por elas, deixando-o em desamparo, no momento que mais precisa, o que indubitavelmente gera danos com repercussão significativa para o trabalhador. Isto porque a pessoa que vive do próprio trabalho depende da remuneração auferida para se manter”. Registrou, ainda que “Constata-se, portanto, que se trata de infração a direitos extremamente sensíveis ao trabalhador, já que se referem às verbas que faz jus no momento de sua rescisão, quando, como visto, encontra-se frágil e inseguro quanto ao seu futuro, principalmente do ponto de vista financeiro e que, no presente caso, abrange uma gama relevante de empregados”. Nesse contexto, o TRT concluiu ser inegável, no caso, a ocorrência de reflexos sociais que ultrapassam a mera esfera individual, provocando lesão social por tal conduta, ensejadora de dano moral coletivo.

6 – Efetivamente, o caso alcança maior gravidade, ultrapassando a esfera do patrimônio moral individual, quando se verifica que o tomador de serviços era a Administração Pública, a qual deveria ter fiscalizado o pagamento das verbas rescisórias por ocasião da dispensa coletiva de trabalhadores que estavam a seu serviço. Em tal situação, não há como afastar o reconhecimento de dano à coletividade, até mesmo pelo abalo que causa à confiança dos trabalhadores contratados ou que possam vir a ser contratados para prestar serviços à Administração Pública por meio de empresa terceirizada.

7 - Agravo de instrumento a que se nega provimento.

 

Acórdão

ACORDAM os Ministros da Sexta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, I - reconhecer a transcendência com relação ao tema "RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. ENTE PÚBLICO" e negar provimento ao agravo de instrumento, e; II - reconhecer a transcendência acerca do tema “AÇÃO CIVIL PÚBLICA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS COLETIVOS DECORRENTES DO NÃO PAGAMENTO DE VERBAS RESCISÓRIAS A GRUPO DE TRABALHADORES” e negar provimento ao agravo de instrumento.

Brasília, 25 de agosto de 2021.

Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)

KÁTIA MAGALHÃES ARRUDA

Ministra Relatora

 

Fonte

TST