Provas Ilegais no Direito Processual Penal

Entende-se como prova todos os elementos capazes de contribuir para uma investigação, no intuito de se chegar o mais próximo da veracidade dos fatos; portanto, seu papel é, principalmente, influenciar a decisão do julgador.

Por se tratar de fator fundamental na persecução penal, deve-se observar atentamente as maneiras com que elas foram colhidas, para que sua obtenção não fira as normas presentes no ordenamento jurídico.

As provas “proibidas” no processo penal, consideradas, portanto, ilegais, são divididas em duas definições: prova ilegítima e prova ilícita.

A prova ilegítima existe quando é obtida por meio de violação das regras processuais, como, por exemplo, não se respeitar a antecedência mínima de três dias para utilizar uma nova prova no tribunal do júri, o que descumpre a regra do artigo 479 do Código de Processo Penal.

A prova ilícita caracteriza-se pela violação de regras de direito material ou normas constitucionais, sendo que a própria Constituição condena a inadmissibilidade deste tipo de prova. Tem-se como exemplo as provas obtidas através de interceptação telefônica sem autorização judicial, violando, dessa forma, o artigo 5º, XII da Constituição Federal.  

Para se ter uma melhor clareza acerca da diferença entre estes dois tipos de prova, vale destacar o pensamento do doutrinador Alexandre de Morais, que defende a seguinte distinção:

As provas ilícitas não se confundem com as provas ilegais e as ilegítimas. Enquanto, conforme já analisado, as provas ilícitas são aquelas obtidas com infringência ao direito material, as provas ilegítimas são as obtidas com desrespeito ao direito processual. Por sua vez, as provas ilegais seriam o gênero do qual as espécies são as provas ilícitas e as ilegítimas, pois configuram-se pela obtenção com violação de natureza material ou processual ao ordenamento jurídico.
(MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 27ª Ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 117)

Importante ressaltar, também, a diferença dos momentos que caracterizam a constituição (ilegalidade) destes dois tipos de provas. Com relação à prova ilegítima, o seu descumprimento sempre se dá na fase interna do processo, ou seja, ela existe no momento em que é produzida e juntada aos autos; já a prova ilícita é estabelecida de maneira externa, ocorrendo, portanto, antes da formação, ou simultaneamente ao processo, sendo que a violação ocorre no momento de sua coleta. Resumindo, a obtenção da prova acontece fora do processo (prova ilícita) e a produção se dá por meio de um ato processual (prova ilegítima).

Outra distinção que se deve trazer é a respeito das medidas que devem ser tomadas quando estas provas se fazem presentes nos autos. As provas ilícitas devem ser desentranhadas do processo, como defende o caput do artigo 157 do Código de Processo Penal  e o artigo 5º, LVI, da Constituição Federal, enquanto o artigo 573 do Código de Processo Penal  estabelece a nulidade das provas ilegítimas, podendo o juiz determinar sua nova produção.

O objeto deste estudo, como já é sabido, é a análise da conduta dos policiais ao apreender aparelhos eletrônicos e, na busca de provas, vasculhar aplicativos de conversas instantâneas, sem autorização judicial. Com isso, a indagação que se faz é se essas provas, obtidas sem a ordem legal para isso, enquadram-se em provas ilícitas e se estas poderão ser usadas em algum momento no processo.

Provas Ilícitas por Derivação – Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada

A prova ilícita por derivação é uma prova que nasceu, foi causada ou gerada a partir de uma prova ilícita. O artigo 157, parágrafo 1º do Código de Processo Penal, proíbe não só a prova ilícita, mas também a prova ilícita por derivação.

Neste sentido, a “Teoria dos Frutos da Árvore Envenenada” define que tudo aquilo que decorre da prova ilícita deve ser anulado, quando se fizer presente o nexo de causalidade entre elas (prova ilícita e provas derivadas da ilícita).

Vale aqui destacar a manifestação do STF acerca do tema:

ILICITUDE DA PROVA - INADMISSIBILIDADE DE SUA PRODUÇÃO EM JUÍZO (OU PERANTE QUALQUER INSTÂNCIA DE PODER) - INIDONEIDADE JURÍDICA DA PROVA RESULTANTE DE TRANSGRESSÃO ESTATAL AO REGIME CONSTITUCIONAL DOS 
DIREITOS E GARANTIAS INDIVIDUAIS. A QUESTÃO DA DOUTRINA DOS FRUTOS DA ÁRVORE  ENVENENADA (“FRUITS OF THE POISONOUS TREE”): A QUESTÃO DA ILICITUDE POR DERIVAÇÃO.
Ninguém pode ser investigado, denunciado ou condenado com base, unicamente, em provas ilícitas, quer se trate de ilicitude originária, quer se cuide de ilicitude por derivação. Qualquer novo dado probatório, ainda que produzido, de modo válido, em momento subseqüente, não pode apoiar-se, não pode ter fundamento causal nem derivar de prova comprometida pela mácula da ilicitude originária. 
A exclusão da prova originariamente ilícita - ou daquela afetada pelo vício da ilicitude por derivação - representa um dos meios mais expressivos destinados a conferir efetividade à garantia do “due process of law” e a tornar mais intensa, pelo banimento da prova ilicitamente obtida, a tutela constitucional que preserva os direitos e prerrogativas que assistem a qualquer acusado em sede processual penal. Doutrina. Precedentes. 
A doutrina da ilicitude por derivação (teoria dos “frutos da árvore  envenenada”) repudia, por constitucionalmente inadmissíveis, os meios probatórios, que, não obstante produzidos, validamente, em momento ulterior, acham-se afetados, no entanto, pelo vício (gravíssimo) da ilicitude originária, que a eles se transmite, contaminando-os, por efeito de repercussão causal. Hipótese em que os novos dados probatórios somente foram conhecidos, pelo Poder Público, em razão de anterior transgressão praticada, originariamente, pelos agentes estatais, que desrespeitaram a garantia constitucional da inviolabilidade domiciliar.
(BRASIL. Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus n. 93050/RJ. Rel. Min. Celso de Mello, publicado em 1º de agosto de 2008).

Existem limitações a este fato, ou seja, exitem situações em que a prova derivada poderá ficar no processo e será aproveitada. São elas:

Prova (Fonte) Absolutamente Independente

Redação do parágrafo 1° do artigo 157 do Código de Processo Penal.
É uma prova obtida por outro meio independente do primeiro. Nas palavras de Tourinho Filho, tem-se que:

“(...) se a despeito de ter havido prova ilícita existirem outras provas autônomas e independentes e que por si sós autorizam um decreto condenatório, não há cuidar de imprestabilidade da prova. A ilicitude de uma não contamina a outra, se esta, óbvio, tiver origem independente”. (TROURINHO FILHO, Fernando da Costa, Código de Processo Penal Comentado. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. Volume 1).

Exemplo: Amanda envia um e-mail para Beatriz e para Cláudia, com informações sobre pontos de vendas de drogas, armas, nomes de traficantes, etc. Nas investigações, Cláudia não quis colaborar com a polícia, recusando-se a fornecer o e-mail, mas, mesmo assim, a polícia a ameaçou e a obrigou tal fornecimento, no intuito de verificar seu conteúdo. O e-mail é, portanto, uma prova ilícita, na medida em que foi obtido sem autorização judicial e por meios contrários à vontade de seu detentor. Entretanto, Beatriz, por livre e espontânea vontade, entrega à polícia o mesmo e-mail, ou seja, acaba fornecendo a mesma prova. Diante disso, nem o e-mail e nem as provas obtidas através dele serão ilícitas e, por isso, nada será descartado.

Prova Ilícita Hipotética ou Descoberta Inevitável

Redação do parágrafo 2º do artigo 157 do Código de Processo Penal.

 

Nestor Távora e Rosmar Rodrigues de Alencar defendem que:

“Se a prova, que circunstancialmente decorre de prova ilícita, seria conseguida de qualquer maneira, por atos de investigação válidos, ela será aproveitada, eliminando-se a contaminação. A inevitabilidade da descoberta leva ao reconhecimento de que não houve um proveito real, com violação legal. (TÁVORA, Nestor e Rosmar Rodrigues Alencar. Curso de Direito Processual Penal. 4. ed. Salvador: Jus Podium, 2010)”.

O pensamento que se tem, neste caso, é que uma prova ilícita não precisa ser descartada se, inevitavelmente, ela fosse descoberta.

Exemplo: Carlos está sendo acusado de homicídio contra João e é torturado pela polícia para dar informações sobre o paradeiro do corpo. Entretanto, na região onde ocorreu o assassinato, várias pessoas já tinham o conhecimento da localização do cadáver. Portanto, é inevitável a descoberta da prova, que seria feita de um jeito ou de outro. Neste contexto, a prova obtida através de tortura é uma prova ilegal; entretanto, ela seria revelada independente da atitude dos policiais.

Encontro Fortuito de Provas

Dependendo das provas que serão averiguadas, os policiais necessitam ter em mãos um mandado de busca e apreensão, que deverá conter o motivo/objetivo daquela investigação. Entretanto, muitas vezes estes agentes, ao procurar aquela prova estabelecida, acabam encontrando outras que não estavam elencadas naquele mandado. A discussão que se faz é: eles podem usar a prova de outro crime nas investigações?
Como resposta, há duas correntes:
A corrente majoritária diz respeito ao “desvio de finalidade”. Para eles, a prova encontrada acidentalmente poderá ser utilizada se não houver desvio de finalidade, ou seja, se foi realmente encontrada por acaso. Exemplo: a polícia possui um mandado de busca e apreensão de produtos falsificados para o apartamento 01, mas tomam conhecimento que o proprietário também é dono do apartamento 02 e, por conta própria, sem autorização judicial, acabam invadindo e encontrando, neste imóvel, animais silvestres. 
Neste caso, houve desvio de finalidade e a prova será anulada, pois o comportamento dos agentes foi destoado do objetivo original. Entretanto, caso tivessem encontrado os animais junto aos produtos no apartamento 01, não caracterizaria o desvio, uma vez que tinham a ordem necessária para investigar aquele imóvel.
Já a corrente minoritária refere-se à “conexão” e estabelece que o encontro casual das provas só será aceito se o novo crime descoberto for conexo ao crime que estava sendo investigado. Exemplo: a polícia possui um mandado de busca e apreensão de drogas para o apartamento 01, mas tomam conhecimento que o proprietário também é dono do apartamento 02 e, por conta própria, acabam invadindo e encontrando, neste imóvel, armas.
Nesta situação, há conexão entre drogas e armas e, por isso, a prova encontrada acidentalmente poderia ser usada. Deste modo, para esta corrente, se não houver conexão, as provas não poderiam ser usadas.

A Possibilidade do Uso da Prova Ilícita no Processo Penal e o Princípio da Proporcionalidade

O entendimento predominante, de que toda prova ilícita deve ser excluída do processo, vem dando espaço para teorias que adotam como princípio a proporcionalidade/razoabilidade, que defende a possibilidade do uso dessas provas “proibidas”, considerando a importância do bem a ser protegido.

A proporcionalidade pode ser entendida quando se tem um conflito de princípios constitucionais, atuando de maneira harmoniosa para que haja um equilíbrio, ou seja, protegendo o direito mais ameaçado de forma que não prejudique, significantemente, o outro.

Com isso, nas situações mais graves, a proporcionalidade atua como justificativa para o uso dessas provas ilícitas, que, nestes casos excepcionais, são a única forma razoável de se obter a veracidade do ocorrido.

A ponderação no uso deste princípio é de suma importância, pois, além de se observar a proporcionalidade em sentido estrito, isto é, prezar pelo equilíbrio no momento de se priorizar um direito em detrimento de outro, deve-se atentar para outros dois relevantes fatores: a necessidade, caracterizada quando for a única saída – ou a menos danosa – ao direito tutelado e a adequação, quando for possível a obtenção resultado que se procura através da aplicação deste princípio.

De acordo com Avolio, tem-se que:

A teoria da proporcionalidade ou da razoabilidade, também denominada teoria do balanceamento ou da preponderância dos interesses, consiste, pois, exatamente, numa construção doutrinária e jurisprudencial que se coloca nos sistemas de inadmissibilidade da prova obtida ilicitamente, permitindo, em face de uma vedação probatória, que se proceda a uma escolha, no caso concreto, entre os valores constitucionalmente relevantes postos em confronto.
(AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas Ilícitas – Interceptações Telefônicas e Gravações Clandestinas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 58).

Pode-se ter como exemplo a seguinte situação: José, acusado de homicídio, invade a casa de Rodrigo no intuito de colher provas que o inocentem. Inicialmente, estas provas poderiam ser consideradas ilícitas, uma vez que foram colhidas por meio de invasão de domicílio, infringindo a regra do artigo 150, caput, do Código Penal :

Entretanto, analisando o exemplo acima, e de acordo com o princípio da proporcionalidade, deve-se haver a seguinte consideração: o que é mais importante: o direito à privacidade de Rodrigo ou o direito de defesa de José? De acordo com o entendimento que defende o cerceamento de um direito, em decorrência do outro, deve-se, primeiro, ponderar os dois direitos questionados e observar os fatores acima discutidos: necessidade e adequação. 

Se a invasão na residência de Rodrigo for o único meio necessário e possível para provar sua inocência, José poderá violar o disposto no artigo 150 do Código Penal amparado pelo Princípio da Proporcionalidade, pois não seria justo que pagasse por algo que não fez e, ainda por cima, ter como comprovar isso – ainda que por meio de uma prova ilícita.

Corrobora com este entendimento Alexandre de Moraes:

“(...) com base no Princípio da Proporcionalidade, hipóteses em que as provas ilícitas, em caráter excepcional e em casos extremamente graves, poderão ser utilizadas, pois nenhuma liberdade pública é absoluta, havendo possibilidade, em casos delicados, em que se percebe que o direito tutelado é mais importante que o direito à intimidade, segredo, liberdade de comunicação, por exemplo, devendo permitir-se sua utilização”. (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 2006).

Este tipo de violação recebe como denominação a expressão “Prova Ilícita Pró Réu”, podendo ser caracterizada quando há a exclusão da ilicitude em decorrência do estado de necessidade ou da legítima defesa. 

Vale destacar, também, a questão da Presunção de Inocência, ou seja, ao se usar o princípio da proporcionalidade como forma de permissão do uso de provas ilícitas, usa-se um meio de proteger os interesses do acusado. Neste sentido, Nestor Távora defende que “nesta linha, se de um lado está o jus puniendi estatal e a legalidade na produção probatória, e o do outro o status libertatis do réu, que objetiva demonstrar a inocência, este último bem deve prevalecer, sendo a prova utilizada, mesmo que ilícita, em seu benefício” (TÁVORA, Nestor. Ob. Cit.).

Por isso, pode-se constatar que nenhum direito é absoluto, pois, de acordo com a complexidade dos direitos fundamentais e das garantias constitucionais, sempre poderá existir a revogação de um direito em favor de outro (de superior ou igual importância), a fim de se preservar o equilíbrio e harmonia das relações jurídicas.

Referências:

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 27ª Ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 117.

TROURINHO FILHO, Fernando da Costa, Código de Processo Penal Comentado. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. Volume 1.

TÁVORA, Nestor e Rosmar Rodrigues Alencar. Curso de Direito Processual Penal. 4. ed. Salvador: Jus Podium, 2010.

AVOLIO, Luiz Francisco Torquato. Provas Ilícitas – Interceptações Telefônicas e Gravações Clandestinas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995. p. 58