O presente artigo busca estudar a figura do consumidor standard também conhecido como consumidor em sentido estrito nas relações de consumo.
A relação jurídica de consumo
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) tem por objetivo a proteção e a defesa dos consumidores. Tal proteção se dá em razão do consumidor ser considerado vulnerável na relação consumerista.
A relação jurídica existente no âmbito do direito do consumidor está relacionada com os elementos que dela participam, como o consumidor, o fornecedor, o produto e o serviço.
O consumidor e fornecedor são considerados como sendo elementos subjetivos, e o produto ou serviço são os elementos objetivos. Assim, para que haja a relação jurídica é necessário haver esses elementos, tendo em vista que todos estão interligados entre si.
O artigo 3º do Código de Defesa do Consumidor, traz as definições de fornecedor, produto e serviço. Vejamos:
Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.
Em relação ao conceito de consumidor, o legislador consumerista trouxe várias espécies, a saber: o consumidor equiparado, o consumidor bystandard, o consumidor potencial ou virtual e o consumidor standard (sentido estrito).
O consumidor por equiparação está descrito no parágrafo único do art. 2º do Código de Defesa do Consumidor, vejam-se: “Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.”
Exemplo: Uma montadora vende um carro com um defeito de fábrica, todas as pessoas que compraram aquele modelo de veículo daquele lote são consideradas consumidoras por equiparação.
Em relação aos consumidores bystanders, estes são as vítimas de um acidente de consumo que, mesmo não tendo participado diretamente da relação consumerista, sofre com o evento danoso decorrente dela.
A figura do consumidor bystander encontra-se amparo jurídico no artigo 17 do Código de Defesa do Consumidor, vejam-se:
Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.
Desse modo, mesmo quando as vítimas não fazem parte diretamente da relação de consumo, o legislador buscou protegê-las da falha da prestação de serviço. Assim, o objetivo da tutela é equiparar como sendo consumidoras todas as vítimas desse evento danoso.
Quanto aos consumidores considerados potencial ou virtual, estes estão tutelados no art. 29 do CDC, e estão relacionados às pessoas que se encontram expostas às práticas abusivas do mercado de consumo. Vejamos:
Art. 29. Para os fins deste capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.
No que tange ao consumidor standard, este refere-se aos consumidores em sentido estrito, trazido pelo art. 2º, caput, do CDC.
A seguir faremos uma análise mais aprofundada sobre o consumidor em standard.
O que é consumidor standard?
O Código de Defesa do Consumidor (CDC), em seu art. 2º, caput, traz a definição de consumidor em sentido estrito ou standard. Vejamos:
Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Desse modo, podemos entender que a figura do consumidor está relacionada ao destinatário final. Assim, para compreendermos o conceito de consumidor, se faz necessário entender o que seria o destinatário final. A doutrina buscou abordar duas teorias para explicar a figura do destinatário final.
A teoria maximalista (objetiva) entende que o destinatário final é qualquer pessoa, independente se é pessoa jurídica ou pessoa física, que adquire um produto ou serviço, podendo ser para seu próprio consumo ou para obtenção de lucro através da utilização para as suas atividades produtivas.
Exemplo 1: Uma indústria moveleira adquire matéria prima para a fabricação dos móveis, de acordo com a teoria maximalista, a indústria é considerada consumidora, tendo em vista que a mesma retirou o produto (matéria prima) do mercado, mesmo sendo com a finalidade de obtenção de lucro.
Exemplo 2: Uma pessoa adquire produtos de limpeza para realizar uma tarefa em sua casa. O intuito da compra foi para o seu uso pessoal e, não, com a finalidade de obter lucros.
Desta maneira, considerando os dois exemplos acima, observamos que não importa a finalidade, se é pessoa jurídica ou pessoa física, a teoria maximalista entende que qualquer pessoa que retira o bem do mercado é considerada consumidora.
A crítica existente por trás dessa teoria é no sentido de que a mesma amplia muito o conceito do consumidor. Assim, conforme posicionamento de parte da doutrina, essa amplitude não seria ideal, pois muitas vezes abrange pessoas que não são consideradas vulneráveis ou hipossuficientes.
No que tange à teoria finalista (subjetiva), esta considera o destinatário final como sendo pessoa física ou jurídica, no entanto, elas não podem ter a finalidade de obter lucro, ou seja, elas retiram o produto do mercado ou adquirem um serviço com a finalidade de utilizá-lo para o seu próprio consumo.
Exemplo: Um estudante que adquire livros em uma livraria para estudar para uma disciplina. Observa-se que a finalidade da compra não é para atividades econômicas e, sim, para que ele possa adquirir conhecimento em um determinado assunto, portanto, ele deu uma destinação fática e econômica.
A crítica existente em relação à teoria finalista é em razão da sua restrição. Quem entende não ser possível usar a teoria finalista, defende que muitas vezes há pessoas que são hipossuficientes ou que se encontram em uma relação de desequilíbrio, desse modo, essas pessoas não seriam abrangidas.
Considerando estas duas teorias, a jurisprudência vem interpretando no sentido da teoria finalista, no entanto, de forma mitigada ou aprofundada.
Assim, de acordo com o STJ nas relações onde a finalidade é exclusivamente a obtenção de lucros, deverão ser observadas a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica do adquirente. Desta maneira, caso consta uma dessas situações, haverá a aplicação, de forma excepcional, das normas do CDC.
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) através do Aglnt no Agravo em Recurso Especial nº 1.454.583/PE (2019/0049442-9), Relator Ministro Luiz Felipe Salomão decidiu que:
(...) o acórdão recorrido não destoa da Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, que tem mitigado a aplicação da teoria finalista nos casos em que a pessoa física ou jurídica, embora não se enquadre na categoria de destinatário final do produto, se apresenta em estado de vulnerabilidade ou hipossuficiência, autorizando assim a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. (...)
Nesse liame, entendemos que é pacífico o entendimento da jurisprudência no sentido de aplicar à teoria finalista mitigada através da figura do destinatário final.
A responsabilidade pelo fato do produto e do serviço
No âmbito do direito do consumidor a responsabilidade aplicada é a responsabilidade civil objetiva, onde não é necessário que o consumidor comprove culpa, conforme demonstram os artigos 12, 13 e 14, todos do CDC.
De acordo com o art. 12, “o fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção (...)” (grifo nosso)
Assim, também vale para os comerciantes e para os fornecedores de serviços que vendem seus produtos e prestam serviços, todos responderão independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos que vierem a causar ao consumidor.
Nesse sentido, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ) em sede Apelação – processo nº 00060-02.2019.8.19.0207 - através da Relatora desembargadora Cintia Cardinali, da 24ª Câmara Cível, entendeu que:
(...) “Responsabilidade objetiva do fornecedor de produtos e serviços pela reparação dos danos causados aos consumidores pelos fatos ou vícios de produtos ou de serviços (artigos 12, 14, 18 e 20, do código de proteção e defesa do consumidor). Conduta do réu que, in casu, viola o princípio da boa-fé objetiva, bem como o dever de informação e transparência” (...) (grifo nosso)
Desse modo, tendo em vista que o consumidor é o mais vulnerável na relação consumerista, o CDC buscou criar mecanismos que pudessem proteger o consumidor e, inclusive, facilitar a defesa dos seus direitos, como é o caso da inversão do ônus da prova, disposto no inciso VIII, do art. 6º do referido código.
Vale mencionar que, há também a figura da responsabilidade subjetiva, no entanto, esta é tutelada pelo Código Civil, nos artigos 186 e 187.
Desse modo, diante de todo exposto, entendemos que, no que tange ao fato do produto e do serviço, tanto o fornecedor quanto os comerciantes respondem de forma objetiva pelos danos causados aos consumidores.
Referência Bibliográfica:
TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito do consumidor: direito material e processual. – 7. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2018.