Os princípios do direito do consumidor: vulnerabilidade e boa-fé objetiva

Por Leicimar Morais - 12/11/2021 as 15:43

O presente artigo busca analisar dois princípios importantes que permeiam as relações de consumo.

Antes de analisarmos os princípios, é de suma importância trazer à colação o disposto no artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor, onde define a figura do consumidor.

De acordo com o aludido artigo, “considera-se consumidor qualquer pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produtos e serviços como sendo destinatário final.” 

A Constituição Federal consolidou a proteção do consumidor como sendo um direito fundamental. A Lei nº 8.078/1990 que dispõe sobre a proteção e defesa do consumidor é de ordem pública e de interesse social, conforme disposto no art. 5º do texto constitucional e no art. 1º do Código de Defesa do Consumidor.

 

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Foi através do Código de Defesa do Consumidor que surgiram vários institutos que têm a finalidade de regular as relações de consumo, bem como buscar a facilitação da defesa do consumidor perante as relações contratuais abusivas, como por exemplo, cláusulas contratuais excessivamente onerosas.

Nesse sentido, considerando o exemplo acima, de acordo com o art. 6º, inciso V, é “direito do consumidor a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas.” 

 

Princípio da vulnerabilidade

O princípio da vulnerabilidade é inerente às relações de consumo, tendo em vista que o consumidor é considerado como vulnerável perante o seu fornecedor.

O Código de Defesa do Consumidor através da fixação da Política Nacional das Relações de Consumo, buscou proteger direitos importantes que atendessem as necessidades dos consumidores, bem como princípios como a dignidade da pessoa humana nas relações consumeristas, vejamos:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo; (...)

Em um contrato de consumo celebrado entre consumidor e fornecedor, este é representado pela figura mais forte da relação, principalmente, pelo poder econômico que detém no mercado de consumo.

Desta maneira, a vulnerabilidade é uma característica que está sempre presente em qualquer pessoa que adquire um serviço ou um produto. Não obstante, esta afirmação merece um pouco de atenção, considerando o posicionamento jurisprudencial ao definir sobre quem seria o consumidor final.

Para o direito do consumidor há duas teorias que buscam definir quem é o consumidor final: a teoria finalista e a teoria maximalista. No entanto, a teoria adotada pelos tribunais do Brasil é a teoria mista ou finalista mitigada.

A teoria finalista considera como consumidor final apenas aqueles que utilizam o produto ou serviço adquirido para seu uso pessoal. Enquanto a teoria maximalista entende que o consumidor final pode ser qualquer pessoa física ou jurídica que retira o produto do mercado, independente se vai haver lucro ou não. 

Desse modo, para a teoria finalista mitigada, considera-se consumidor final a pessoa física que utiliza o serviço para fins pessoais, bem como a pessoa jurídica que adquirir um produto ou serviço para utilizá-lo em sua produção empresarial.

No entanto, no caso da pessoa jurídica, para que seja aplicado o Código de Defesa do Consumidor em suas relações de consumo é necessário que a mesma comprove a sua vulnerabilidade na relação contratual. 

Vale ressaltar que, para que um consumidor seja considerado vulnerável, a sua vulnerabilidade tem que ser de forma técnica, jurídica e fática, assim, tais considerações  também aplica-se a pessoa jurídica. 

A forma técnica diz respeito a ausência de conhecimento técnico, ou seja, o consumidor não possui condições técnicas para identificar informações importantes de um produto ou serviço, o que corrobora para que o mesmo possa vir a ser enganado. 

A forma jurídica tem relação com a ausência de conhecimento que o consumidor possui em determinada área específica, como por exemplo de matemática, informática ou financeiro.

E, por fim, a forma fática, onde demonstra que o consumidor é o elo mais frágil da relação de consumo, considerando as condições econômicas do fornecedor.  

Vale mencionar que, a vulnerabilidade do consumidor não pode ser confundida com a hipossuficiência, tendo em vista que esta é relacionada com a falta de técnica.

Nos casos concretos apresentados pela jurisprudência, a hipossuficiência se relaciona diretamente com a parte processual, assim como traz a possibilidade da inversão do ônus da prova nas relações de consumo, conforme disposto no inciso VIII do art. 6 do Código de Defesa do Consumidor.

“VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;” (...)

Ainda, nesse sentido, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, através da 13ª Câmara Civil, em sede de Agravo de Instrumento - Cv: AI 10000019979682001, o relator desembargador Newton Teixeira Carvalho afirmou que: 

“A inversão do ônus da prova é possível nas relações de consumo, uma vez comprovada a hipossuficiência e a verossimilhança das alegações. Em garantia à máxima efetividade do princípio do contraditório e da ampla defesa, corolários do devido processo legal, em observância, ainda, ao princípio da cooperação, a inversão do ônus da prova deve se dar quando do despacho saneador.” 

 

Princípio da boa-fé objetiva

O princípio da boa-fé objetiva no âmbito do direito consumerista está relacionado com a conduta do fornecedor frente às relações contratuais com o consumidor. Assim, tal princípio preza pela conduta ética, pelo respeito e pela transparência nas relações consumeristas.

Vale frisar que, o princípio da boa-fé objetiva sempre será aplicado no código consumerista, sendo este princípio considerado como norteador nas relações de consumo, conforme disposto no inciso III do art. 4 do Código de Defesa do Consumidor. Vejamos:

III - harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores.

Sabemos que, diante da vulnerabilidade que o consumidor possui perante o seu fornecedor, o Código de Defesa do Consumidor buscou trazer um equilíbrio para essas relações, e para que haja tal equilíbrio é importante que a boa-fé objetiva esteja sempre presente.

Vejamos um caso prático: quando um consumidor adquire um produto que possui um grau elevado de periculosidade, se faz necessário que o fornecedor informe de maneira ostensiva e adequada a respeito do risco. A boa-fé objetiva está presente quando o fornecedor presa por cumprir o seu dever de informar.

Considerando o exemplo acima, caso o fornecedor não informe a condição nociva do produto adquirido pelo consumidor, o mesmo estaria violando o art. 9º do Código de Defesa do Consumidor.

Assim, considerando a responsabilidade objetiva apontada pelo art. 12 do referido código o fornecedor responde pelos danos causados ao consumidor, pois o mesmo violou o dever de informar, bem como a boa-fé objetiva que é inerente a qualquer negócio celebrado.

 

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As funções do princípio da boa-fé objetiva

O princípio da boa-fé objetiva possui três funções importantes, quais sejam: a função interpretativa, a função de controle e a função integrativa.

- Função interpretativa ou hermenêutica: quando o magistrado apreciar um contrato, ele irá interpretar o sentido da vontade que as partes tinham quando celebrou o negócio jurídico, ou seja, ele terá que buscar a intenção das partes no momento que foi celebrado o contrato, conforme art. 112 do Código Civil.

Art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem.

Outrossim, além da vontade das partes, o magistrado também poderá utilizar o princípio da boa-fé objetiva para fazer a interpretação do contrato, nos termos do art. 113 do Código Civil, vejam-se:

“Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.”

- Função integrativa: está relacionada não apenas com as obrigações principais de um contrato, mas, também, com o cumprimento de outros deveres chamados de anexos ou laterais.

Desse modo, mesmo que não esteja explícito no contrato, as partes devem agir com o dever de cooperação, informação e honestidade, conforme depreende o art. 422 do Código Civil. 

“Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”

Insta salientar que, tais deveres decorrem das relações contratuais, por isso são chamados de anexos ou laterais. E, caso haja o descumprimento de algum desses deveres, ocorrerá o que chamamos de violação positiva do contrato. 

Desta maneira, a doutrina vem entendendo que a violação positiva do contrato se enquadra dentro de uma hipótese de inadimplemento contratual. 

- Função de controle: tem como objetivo controlar e limitar para que não haja abuso de direito, onde uma parte, por exemplo, pode vir a sofrer com uma excessiva onerosidade. Vejamos:

“Art. 187 do Código Civil: Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”.

Destarte, entendemos que o princípio da boa-fé no âmbito das relações de consumo está relacionado com as normas de comportamento ético que visam proteger a relação contratual. 

 

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