A Segunda Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) reconheceu que compete à Justiça do Trabalho no julgamento de ação civil pública a mando de avó de crianças que trabalhavam nas ruas de Corumbá (MS).
De acordo com a ministra e relatora do caso, Liana Chain, o vínculo afetivo familiar não configura fator impeditivo para o reconhecimento da relação trabalhista, nem descaracteriza vícios da exploração do trabalho infantil.
Entenda o Caso
A ação civil pública, ajuizada em 2019 pelo MPT, se deu após a comprovação da situação de risco que envolvia as crianças.
O Conselho Tutelar de Corumbá/MS, na apuração, relatou acompanhar o caso desde 2016 e que a avó, segundo a própria, havia assumido os cuidados dos netos, visto que a mãe os tratava mal quando estava sob efeito de drogas, o que desencadeava em agressão e falta de alimentação.
Para o Conselho, a mulher levava as crianças para realizarem a venda de produtos nas ruas e, durante a noite, faziam a coleta de materiais recicláveis em eventos noturnos. Ainda que orientada pelo Conselho, a avó persistia com a conduta.
Em 2019, no período carnavalesco, a equipe do Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) localizou as crianças à noite, sendo que uma delas se encontrava descalça, carregando uma sacola com materiais recicláveis. Passados alguns dias, outra criança foi encontrada realizando a venda de plantas. Além disso, uma das crianças possuía mais de vinte faltas escolares em um curto período.
Na ação em questão, o MPT requisitou a proibição da utilização da mão de obra infantil por parte da avó, seja em qualquer atividade e que as crianças não acompanhem nenhum adulto nas ruas.
A mulher argumentou, em sua defesa, que vem tomando providências para assegurar um que seus netos de desenvolvam de forma saudável da maneira como pode, uma vez que não recebe auxílio dos genitores das crianças, apesar de não medir esforços para cuidar de cinco netos ao mesmo tempo.
Para o juízo de 1º grau e o Tribunal Regional do Trabalho da 24ª região, não é cabível que a Justiça do Trabalho julgue o caso, visto que, mesmo envolvendo trabalho, a exploração consistia em regime de economia familiar, não remunerado.
Deste modo, é adequado que Justiça comum julgue o caso, em especial as Varas de Direito de Família ou àquelas que tratem das questões de infância e juventude.
Logo, a ação foi extinta, ficando a critério do MPT direcionar o caso à Justiça comum.
No recurso ao TST, o MPT ressaltou que o fato de as crianças estarem sendo submetidas a essa situação pela própria avó e não serem remuneradas não é suficiente para descaracterizar o trabalho infantil, visto que estão sendo usadas como mão de obra.
O Ministério Público do Trabalho concluiu que a gravidade é ainda maior, pois a avó teria o dever de tomar conta das crianças e garantir que se desenvolvam fisica, moral e socialmente.
Decisão da Relatora
A relatora identificou a inserção do trabalho infantil no conceito de trabalho em sentido amplo, sendo o seu julgamento, então, de competência da Justiça do Trabalho, segundo os termos do artigo 114, inciso I, da Constituição Federal.
A magistrada salientou que a coleta de materiais recicláveis e a venda de produtos nas ruas integram a Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil previstas no decreto 6.481/08, que regulamenta a Convenção 182 da OIT — Organização Internacional do Trabalho.
Conforme a lista, essas operações relacionadas à coleta do lixo costumam envolver riscos ocupacionais como a exposição a agentes biológicos e, consequentemente, doenças de pele e respiratórias. O comércio ambulante traz como riscos ocupacionais a exposição a violência, drogas, assédio sexual e tráfico de pessoas, radiação solar, chuva e frio, acidentes de trânsito e atropelamentos.
Em decisão unânime, o colegiado estabeleceu que o processo retornasse à vara do Trabalho de Corumbá para que sejam analisados os pedidos do MPT.
Número do processo não divulgado.