A Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho anulou decisão que havia reconhecido a dispensa por justa causa aplicada pela Companhia Melhoramentos da Capital (Comcap) a um gari de Florianópolis (SC). Segundo o colegiado, a decisão deixou de se manifestar, entre outros pontos, sobre a alegação do empregado de que a empresa deixara de lhe prestar assistência contra a dependência química, conforme obriga a convenção coletiva de trabalho.
Assistência
Na reclamação trabalhista, ajuizada em junho de 2015, o gari argumentou que a empresa deveria, “antes de qualquer medida extrema, tomar todas as precauções possíveis para auxiliá-lo e à sua família”, bem como prestar toda a assistência necessária. Ele sustentou que não poderia ter sido demitido, pois estava com o contrato suspenso para o tratamento da dependência química.
CDs e DVDs
O juízo da 6ª Vara do Trabalho de Florianópolis afastou a justa causa, mas a sentença foi reformada pelo Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região (SC). No caso, o TRT avaliou que o empregado havia faltado várias vezes ao serviço “sem apresentar nenhuma justificativa” e fora visto, durante as faltas, vendendo CDs e DVDs na rua, em frente à empresa. Isso demonstraria que ele “não estava incapacitado para o trabalho em decorrência do uso de substâncias tóxicas”.
Omissão
No recurso de revista, o gari alegou que o TRT, mesmo após a oposição de embargos declaratórios, não teria se manifestado sobre diversos aspectos levantados por ele. Segundo ele, a empresa teria se limitado a oferecer suporte apenas uma vez, descartando a assistência na primeira dificuldade. Em relação à venda de CDs e DVDs, ele havia sustentado que não havia provas do fato e que a instrução processual fora encerrada sem a produção de prova testemunhal.
Para o relator, ministro Cláudio Brandão, o TRT, de fato, se absteve de analisar as questões atinentes ao cumprimento, pela empresa, da obrigação prevista na convenção coletiva de trabalho de encaminhamento de seus empregados dependentes de substâncias psicoativas para tratamento nos órgãos e entidades públicas especializadas. Da mesma forma, não se manifestou sobre a alegação do gari de que nada fora provado quanto à venda de CDs e DVDs na frente da empresa.
Na avaliação do ministro, essas questões poderiam interferir no curso do processo. O relator lembrou que a jurisprudência do TST é favorável à tese do empregado, tanto em relação à impossibilidade da dispensa por justa causa durante a suspensão do contrato de trabalho quanto, principalmente, à presunção da dispensa discriminatória do trabalhador portador de doença grave ou que cause estigma, “como é o caso da dependência química, incontroversa no caso”.
Com a decisão, o processo deverá retornar ao TRT para análise das questões levantadas pelo empregado no recurso.
Número do Processo
RR-649-71.2015.5.12.0036
Ementa
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DO AUTOR. LEI Nº 13.467/2017. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA CONSTATADA. Agravo de instrumento provido, para determinar o processamento do recurso de revista, em face de haver sido demonstrada possível afronta ao artigo 93, IX, da Constituição Federal.
RECURSO DE REVISTA. LEI Nº 13.467/2017. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA CONSTATADA. A persistência de omissão, mesmo após a oposição de oportunos embargos declaratórios com o objetivo de ver definida a moldura fático-jurídica de aspectos relevantes da lide, constitui vício de procedimento que implica nulidade da decisão proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho, quando acarreta prejuízo à parte que a alega (art. 794/CLT). No caso, o exame dos autos revela que a Corte a quo se absteve de analisar as questões atinentes ao cumprimento, pela ré, de obrigação prevista em Convenção Coletiva de Trabalho, de encaminhamento dos empregados dependentes de substâncias psicoativas para tratamento junto aos órgãos e entidades públicas especializadas; ao aspecto de que a ré teria se limitado a oferecer uma única vez suporte ao autor, dependente químico, descartando a assistência na primeira dificuldade; e à efetiva existência nos autos (ou não) de prova de que o autor fora visto comerciando CD’s e DVD’s em frente da empresa, circunstância na qual se escorou o Juízo Regional para justificar a desídia e a dispensa por justa causa. A ausência de indispensável manifestação do Tribunal Regional acerca de elemento fático, essencial ao deslinde da controvérsia, configura negativa de prestação jurisdicional, a acarretar violação do artigo 93, IX, da CF. Transcendência jurídica constatada. Recurso de revista conhecido e provido.
Acórdão
ACORDAM os Ministros da Sétima Turma do Tribunal Superior do Trabalho, por unanimidade, dar provimento ao agravo de instrumento para determinar o processamento do recurso de revista. Também à unanimidade, conhecer do recurso de revista, apenas quanto ao tema “NULIDADE POR NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL”, por violação do artigo 93, IX, da Constituição Federal, e, no mérito, dar-lhe provimento para anular o acórdão proferido às fls. 516-518, no que tange à apreciação dos embargos de declaração opostos pelo autor. Por consequência, determinar o retorno dos autos ao Tribunal de origem, a fim que aprecie as questões alusivas ao cumprimento, pela ré, da obrigação prevista em Convenção Coletiva de Trabalho; ao aspecto de que a ré teria se limitado a oferecer uma única vez suporte ao autor, dependente químico, descartando a assistência na primeira dificuldade; bem como à efetiva existência nos autos (ou não) de prova de que o autor fora visto comerciando CD’s e DVD’s em frente da empresa, na forma da fundamentação, como entender de direito. Fica prejudicada a análise das demais matérias constantes do agravo, bem como do recurso de revista
Brasília, 25 de agosto de 2021.
Firmado por assinatura digital (MP 2.200-2/2001)
CLÁUDIO BRANDÃO
Ministro Relator