Decisões Interlocutórias em Ação de Improbidade Podem Ser Contestadas por Agravo de Instrumento, Decide STJ

Por unanimidade, a Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou admissível a interposição de agravo de instrumento nas decisões interlocutórias proferidas em ação de improbidade administrativa. Segundo o colegiado, a previsão contida na Lei da Ação Popular – artigo 19, parágrafo 1º, da Lei 4.717/1965 – prevalece sobre o artigo 1.015 do Código de Processo Civil de 2015.

"A ideia do microssistema de tutela coletiva foi concebida com o fim de assegurar a efetividade da jurisdição no trato dos direitos coletivos, razão pela qual a previsão do artigo 19, parágrafo 1º, da Lei da Ação Popular ("Das decisões interlocutórias cabe agravo de instrumento") se sobrepõe, inclusive nos processos de improbidade, à previsão restritiva do artigo 1.015 do CPC/2015", explicou o relator, ministro Herman Benjamin.

 

Improbidade na Prefeitura de Angra dos Reis

A controvérsia teve origem em ação por improbidade contra uma ex-prefeita de Angra dos Reis (RJ), que teria deixado de repassar à entidade de previdência dos servidores municipais as contribuições descontadas de seus vencimentos, caracterizando apropriação indébita de R$ 15,5 milhões.

O juízo de primeiro grau indeferiu o pedido de depoimento pessoal da acusada, o que resultou na interposição de agravo de instrumento pelo Ministério Público estadual.

O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) não conheceu do recurso, sob o fundamento de que ele seria incabível em tal situação, a qual não se enquadra no rol taxativo de hipóteses do agravo de instrumento previsto no artigo 1.015 do CPC/2015. Para a corte, a Lei 4.717/1965 não poderia ser aplicada ao caso, já que se refere às ações populares.

 

CPC É Subsidiário em Ação de Improbidade

Para o relator do caso no STJ, o entendimento do TJRJ contraria a orientação da jurisprudência de que o CPC deve ser aplicado somente de forma subsidiária nos processos baseados na Lei de Improbidade Administrativa (REsp 1.217.554).

Segundo o ministro Herman Benjamin, outras decisões do tribunal vão na mesma direção ao definir que o artigo 21 da Lei da Ação Civil Pública e o artigo 90 do Código de Defesa do Consumidor possibilitaram o surgimento do denominado microssistema ou minissistema de proteção dos interesses ou direitos coletivos amplo senso, no qual se comunicam outras normas, como a Lei da Ação Popular e a Lei de Improbidade Administrativa (REsp 695.396).

Assim, para o magistrado, "deve-se aplicar à ação por improbidade o mesmo entendimento já adotado em relação à ação popular".

Conforme o ministro, tal entendimento já foi firmado anteriormente pela corte, a qual concluiu que a norma específica inserida no microssistema de tutela coletiva, prevendo a impugnação de decisões interlocutórias mediante agravo de instrumento, não é afastada pelo rol taxativo do artigo 1.015 do CPC/2015, notadamente porque o inciso XIII contempla o cabimento do recurso em "outros casos expressamente referidos em lei" (Agravo Interno no Recurso Especial 1.733.540).

Ao dar provimento ao recurso especial, Herman Benjamin determinou que o TJRJ conheça do agravo de instrumento interposto pelo Ministério Público para julgá-lo como entender de direito.

 

Número do Processo 

REsp 1.925.492.​​

 

Ementa

PROCESSUAL CIVIL. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA QUE INDEFERE PEDIDO DE DEPOIMENTO PESSOAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CABIMENTO. PREVALÊNCIA DE PREVISÃO CONTIDA NA LEI DA AÇÃO POPULAR SOBRE O ARTIGO 1.015 DO CPC/2015. MICROSSISTEMA DE TUTELA COLETIVA. HISTÓRICO DA DEMANDA

1. Na origem, trata-se de Ação por Improbidade na qual se narra que a então Prefeita de Angra dos Reis/RJ teria deixado de repassar à entidade de previdência dos servidores municipais as contribuições previdenciárias descontadas de seus vencimentos, o que teria resultado na apropriação indébita, entre Janeiro e Dezembro de 2016, da quantia de R$ 15.514.884,41 (quinze milhões e quinhentos e quatorze mil e oitocentos e oitenta e quatro reais e quarenta e um centavos), atualizado até fevereiro de 2017. Em valores atualizados: R$ 23.590.184,71 (vinte e três milhões, quinhentos e noventa mil, cento e oitenta e quatro reais e setenta e um centavos).

2. O Juízo de primeiro grau indeferiu o pedido de depoimento pessoal da ré, o que resultou na interposição de Agravo de Instrumento.

3. O acordão ora recorrido não conheceu do Recurso, sob o fundamento de que seria "inaplicável na hipótese o disposto no artigo 19, parágrafo 1º da Lei nº 4.717/65, já que se refere às Ações Populares" e "a Decisão hostilizada não se enquadra no rol taxativo do artigo 1.015 do Código de Processo Civil" (fls. 48-49, e-STJ). PREVALÊNCIA DO MICROSSISTEMA DE TUTELA COLETIVA SOBRE NORMAS INCOMPATÍVEIS PREVISTAS NA LEI GERAL

4. Esse entendimento contraria a orientação, consagrada no STJ, de que "O Código de Processo Civil deve ser aplicado somente de forma subsidiária à Lei de Improbidade Administrativa.  Microssistema de tutela coletiva" (REsp 1.217.554/SP, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 22.8.2013).

5. Na mesma direção: "Os arts. 21 da Lei da Ação Civil Pública e 90 do CDC, como normas de envio, possibilitaram o surgimento do denominado Microssistema ou Minissistema de proteção dos interesses ou direitos coletivos amplo senso, no qual se comunicam outras normas, como o Estatuto do Idoso e o da Criança e do Adolescente, a Lei da Ação Popular, a Lei de Improbidade Administrativa e outras que visam tutelar direitos dessa natureza, de forma que os instrumentos e institutos podem ser utilizados com o escopo de 'propiciar sua adequada e efetiva tutela'" (art. 83 do CDC)" (REsp 695.396/RS, Primeira Turma, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJe 27.4.2011).

6. Deve-se aplicar à Ação por Improbidade o mesmo entendimento já adotado em relação à Ação Popular, como sucedeu, entre outros, no seguinte precedente: "A norma específica inserida no microssistema de tutela coletiva, prevendo a impugnação de decisões interlocutórias mediante agravo de instrumento (art. 19 da Lei n. 4.717/65), não é afastada pelo rol taxativo do art. 1.015 do CPC/2015, notadamente porque o inciso XIII daquele preceito contempla o cabimento daquele recurso em 'outros casos expressamente referidos em lei'" (AgInt no REsp 1.733.540/DF, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, DJe 4.12.2019). Na mesma direção: REsp 1.452.660/ES, Rel. Ministro Og Fernandes, Segunda Turma, DJe 27.4.2018.

CONCLUSÃO

7. A ideia do microssistema de tutela coletiva foi concebida com o fim de assegurar a efetividade da jurisdição no trato dos direitos coletivos, razão pela qual a previsão do artigo 19, § 1º, da Lei da Ação Popular ("Das decisões interlocutórias cabe agravo de instrumento") se sobrepõe, inclusive nos processos de improbidade, à previsão restritiva do artigo 1.015 do CPC/2015. 8. Recurso Especial provido, com determinação de o Tribunal de origem conheça do Agravo de Instrumento interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro e o decida como entender de direito.

 

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça: ""A Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)."  Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Assusete Magalhães e Francisco Falcão votaram com o Sr. Ministro Relator."

Brasília, 04 de maio de 2021(data do julgamento).

MINISTRO HERMAN BENJAMIN

Relator

 

Fonte

STJ