TJPE Mantém Embargada Obra sem Licença para Construção

Ao julgar o agravo de instrumento interposto contra determinação de embargo de obra na Ação de Nunciação de Obra Nova, o Tribunal de Justiça de Pernambuco manteve a decisão assentando que não foi comprovada a propriedade do imóvel e a licença para construção estava vencida.

Entenda o Caso

O agravo de instrumento foi interposto contra a decisão proferida nos autos da Ação de Nunciação de Obra Nova proposta pelo Município, que determinou o embargo de obra nova realizada pelo réu.

Na inicial, o Município argumentou que “(i) a construção estaria sendo realizada em terreno dado em ‘doação flagrantemente irregular estabelecida pela antiga gestão’ municipal, e de que (ii) a obra é irregular, pois não teriam sido expedidas as correspondentes licenças para construir”.

O agravante, nas razões, alegou que:

(i) o imóvel foi adquirido mediante doação” realizada com observância das formalidades legais; (ii) pagou pela licença de construção, cumprindo com o determinado no art. 90 do Código Tributário Municipal de Calumbi; (iii) “além da licença de construção paga, o projeto arquitetônico para construção do imóvel também tem aprovação de técnico responsável (...) e Anotação de Responsabilidade Técnica”; (iv) que a área da futura praça a ser construída pelo Município não corresponde ao terreno em que a obra embargada estava sendo construída; [...].

O Município, em contrarrazões, afirmou que é nula a doação do terreno por “inexistência de licença de construção válida, atual e regular”.

Decisão do TJPE

A 2ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, com voto do Desembargador Relator Eduardo Guilliod Maranhão, negou provimento ao recurso.

De início, foi consignada a liberdade de construir como regra geral no ordenamento jurídico “[...] como corolário do direito à propriedade (CF, art. 5º, XXII e XXIII[1] e CC, art. 1.228[2])”.

No entanto, ressalvou-se:

A liberdade de construir, todavia, não é absoluta, porquanto sujeita às limitações inerentes aos direitos de vizinhança e às prescrições administrativas (as quais terminam por conformar, em termos concretos, o próprio alcance do direito de construir ínsito ao regime de propriedade constitucionalmente assegurado).

Nessa linha, colacionou o art. 1.299 do Código Civil:

Art. 1.299 do Código Civil - O proprietário pode levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos.

Ainda, confirmou-se a competência municipal para estabelecer limitações ao direito de construir, na forma dos artigos 30, VIII, e 182 da Constituição Federal.

Constatando que a norma municipal dispensa a exigência de concorrência pública, mas não autorização legislativa concluiu que “[...] à falta de autorização legislativa, não há como se reconhecer que a doação de bem imóvel realizada pelo Município de Calumbi tenha ocorrido com observância das formalidades legais, como afirma o agravante”.

Ademais, verificou que não foi acostada a certidão da matrícula do imóvel “[...] que evidencie o registro da doação realizada pelo Município e reflita a transferência de propriedade do imóvel, nos termos das normas de regência: Lei nº 6.015/73 – Lei de Registros Públicos [...]”.

Por fim, consignou que o alvará de licença para construção estava vencido e não foi solicitada prorrogação, mantendo, portanto, a ordem de paralisação determinada em primeiro grau.

Número do Processo

0005190-95.2019.8.17.9000

Ementa

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO ADMINISTRATIVO E URBANÍSTICO. AÇÃO DE NUNCIAÇÃO DE OBRA NOVA. CONTROVÉRSIAS ACERCA DA PROPRIEDADE DO TERRENO EM QUE ESTÁ SENDO LEVANTADA A OBRA E DA EXISTÊNCIA DE LICENÇA PARA CONSTRUIR. IMÓVEL MUNICIPAL DOADO SEM AUTORIZAÇÃO LEGISLATIVA. DOAÇÃO APARENTEMENTE INVÁLIDA. AUSÊNCIA DE PROVA DA PROPRIEDADE DO TERRENO PELO AGRAVANTE. APARENTE FALTA DE LICENÇA VÁLIDA. MANUTENÇÃO DA ORDEM DE PARALISAÇÃO DA OBRA. RECURSO DESPROVIDO. 1. Na origem, cuida-se de ‘ação de nunciação de obra nova’ manejada pelo Município de Calumbi com o escopo de impedir a continuidade de obra em terreno localizado na Rua José Rodrigues, s/n, no Centro de Calumbi/PE, sob os argumentos de que (i) a construção estaria sendo realizada em terreno dado em “doação flagrantemente irregular estabelecida pela antiga gestão” municipal, e de que (ii) a obra é irregular, pois não teriam sido expedidas as correspondentes licenças para construir. 2. A decisão agravada deferiu a liminar pretendida pelo Município autor, determinando o embargo da obra. 3. O agravante assevera que o “o imóvel [no qual levantou construção] foi adquirido mediante doação” realizada com observância das formalidades legais, “tramitada nos moldes da legislação municipal vigente, em procedimento sem nenhuma mácula, cumprindo às exigências dos pagamentos dos tributos municipais concernentes à regularização do terreno e inscrição no cadastro imobiliário do município Agravado”, e defende a legalidade da doação, suscitando a previsão, na Lei Orgânica Municipal de Calumbi (art. 99, I), da “possibilidade de dispensa de autorização legislativa em caso de doação e permuta”. 4. Nos termos do regramento municipal (art. 99, I, da Lei Orgânica Municipal de Calumbi), a doação de bens imóveis do Município pressupõe – além do interesse público e da avaliação exigidos para a generalidade das alienações de bens municipais – autorização legislativa. 5. A norma municipal não estabelece a dispensa de autorização legislativa; nos casos de doação e permuta de bens imóveis, é dispensada a exigência de concorrência pública – mas não de autorização legislativa. 6. Nessa ordem de ideias, à falta de autorização legislativa, não há como se reconhecer que a doação de bem imóvel realizada pelo Município de Calumbi tenha ocorrido com observância das formalidades legais. Em verdade, tem-se, nesse quadro, doação aparentemente inválida. 7. Não há, dentre os documentos trazidos aos autos pelo agravante, certidão da matrícula do imóvel em questão, emitida por cartório de registro de imóveis, que evidencie o registro da doação realizada pelo Município e reflita a transferência de propriedade do imóvel, nos termos das normas de regência (Lei nº 6.015/73, art. 16, §§1º e 11, e art. 167, I, ‘33’; Código Civil, art. 1.245, §1º). 8. Sendo assim, tem-se que o agravante não logrou fazer prova da propriedade do imóvel no qual está levantando construção. 9. Nessa ordem de ideias, na espécie, carece de respaldo probatório a alegação de que a obra em questão estivesse sendo levantada em terreno do agravante, circunstância essa que, só por si, já constitui razão bastante para a subsistência da ordem de embargo da obra. 10. Ressalta-se a latere que, in casu, o Município, que afirma ser o proprietário do terreno onde estava sendo realizada a construção, faz prova regular da propriedade de imóvel de 06 hectares (seis hectares), área na qual poderia perfeitamente estar inserido o imóvel objeto da doação aparentemente inválida, cujos elementos descritivos evidenciam se tratar de terreno fruto de um desmembramento (“terreno de inscrição municipal/IPTU nº 01.01.015.0019.001523, desmembrado da inscrição 01.01.052.0026.001514”). 11. No panorama dos autos, ressai evidente que o Município concedeu licença para a execução de obra no imóvel em tela. 12. Conquanto a licença – ato administrativo vinculado, que, portanto, deve ser outorgada quando o particular demonstrar o cumprimento dos requisitos legais exigidos pela Administração – seja dotada de presunção de definitividade, a licença concedida pelo Município (expedida em 02/03/2016) contemplou prazo de validade de 2 (dois) anos. 13. Quando do embargo administrativo da obra (em 13/03/2019), o alvará de licença que fora expedido para a construção de ‘uma casa residencial com uma área de 97,50m2’, na rua José Rodrigues, já não era mais válido, uma vez que seu prazo de validade expirara em 02/03/2018. 14. E não há nos autos qualquer alegação de que o agravante tenha solicitado a prorrogação da licença, conforme autorizado pelo art. 90, II, do Código Tributário Municipal de Calumbi. 15. Nesse panorama, também ante à aparente falta de licença de construção válida, convém manter a ordem de paralisação exarada em primeiro grau. 16. Agravo improvido, à unanimidade.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos os presentes autos do Agravo de Instrumento NPU 0005190-95.2019.8.17.9000, acima referenciado, acordam os Desembargadores integrantes da 2ª Câmara de Direito Público deste Tribunal de Justiça, à unanimidade, em negar-lhe provimento, nos termos do voto do Relator, que integra o acórdão.

Data e assinatura eletrônicas.

Des. Francisco Bandeira de Mello

Relator