TJRJ Absolve Acusada por Furto de Energia Elétrica

Ao julgar a apelação contra condenação por furto de energia elétrica, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro absolveu a apelante por quebra da cadeia de custódia ante a ausência de preservação do local do crime.

Entenda o Caso

A apelante foi denunciada como incursa nas sanções do artigo 155, § 3 e § 4º, inciso II, do Código Penal, constando na denúncia que “[...] subtraiu para si, mediante fraude, energia elétrica de propriedade da empresa Light, concessionária de serviço público”.

O perito criminal que acompanhou os técnicos da empresa constatou irregularidade no interior do medidor de consumo de energia eletrônico trifásico e que os lacres de segurança afixados nos parafusos da tampa apresentavam vestígios de manipulação.

Ainda, registrou que “[...] o circuito das fases A e B se encontravam conectados a duas placas de circuito impresso acionadas por controle remoto, permitindo através desse dispositivo externo interromper a medição de consumo nas três fases”.

A irregularidade foi desfeita na inspeção e o medidor substituído.

Constou na denúncia que a denunciada é proprietária e moradora do imóvel e “[...] consciente e voluntariamente, assentiu e permitiu a realização da fraude”.

A sentença condenou a apelante à 02 anos de reclusão, em regime aberto, e de 10 dias multa, substituindo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos.

Em apelação, a defesa alegou, preliminarmente, “[...] a falta de fundamentação da decisão de recebimento da denúncia, a inépcia da denúncia e ausência de justa causa”.

No mérito, “[...] pugnou pela absolvição, com base no art. 386., incisos III e VII, do Código de Processo Penal”.

O Ministério Público e o assistente de acusação opinaram pelo desprovimento do recurso.

Decisão do TJRJ

A 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, com voto da Desembargadora Relatora Maria Sandra Kayat Direito, deu provimento ao recurso.

As preliminares arguidas foram rejeitadas.

No mérito, foi constatada “a nulidade das provas, ante a quebra da cadeia de custódia”.

Isso porque “[...] os técnicos terceirizados da concessionária de energia manipularam o relógio medidor sem a presença de perito ou agente policial, e posteriormente, foi feito o registro de ocorrência”.

No caso, recomendou que “Ao ser verificada eventual irregularidade no aparelho medidor de energia, o técnico da empresa concessionária deveria lacrar o compartimento onde se encontrava o medidor e se dirigir a autoridade policial para efetuar o registro de ocorrência, e não retirar o medidor de energia elétrica e substituir por outro”.

Assim, ressaltou que “[...] não houve a preservação do local do crime e, por consequência, a prova da materialidade não se mostra idônea pela falta de garantia da incolumidade do bem posteriormente remetido à perícia”.

Neste sentido, acostou o AgRg no AREsp 1518718/MS, julgado pelo STJ.

Pelo exposto, a apelante foi absolvida. 

Número do Processo 

0015918-75.2019.8.19.0001

Ementa

EMENTA: APELAÇÃO – FURTO DE ENERGIA ELÉTRICA – ART. 155, § 3º E § 4º, INCISO II, DO CÓDIGO PENAL – CONDENAÇÃO – PENAS DE 02 ANOS DE RECLUSÃO, NO REGIME ABERTO, E DE 10 DIAS MULTA, SENDO A PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE SUBSTITUÍDA POR DUAS RESTRITAS DE DIREITOS, CONSISTENTES EM PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDADE E PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA, NO VALOR DE 03 SALÁRIO MÍNIMOS – PRELIMINARES DA DEFESA REJEITADAS – 1) AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO QUE RECEBEU A DENÚNCIA – NÃO CABIMENTO – O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA PRESCINDE DE FUNDAMENTAÇÃO SUBSTANCIAL – A DECISÃO DEVE SE LIMITAR AOS OS REQUISITOS E PRESSUPOSTOS DE EXISTÊNCIA E VALIDADE DA DEMANDA, SEM ADENTRAR NO MÉRITO DA CAUSA – 2) INÉPCIA DA DENÚNCIA – NÃO CABIMENTO – A INICIAL DESCREVE O FATO CRIMINOSO COM TODAS AS SUAS CIRCUNSTÂNCIAS, ATENDENDO AOS REQUISITOS DO ART. 41 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, NÃO HAVENDO QUALQUER OMISSÃO QUE POSSA PREJUDICAR O PLENO EXERCÍCIO DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA – PROFERIDA SENTENÇA CONDENATÓRIA, A ALEGAÇÃO DE INÉPCIA DA DENÚNCIA PERDE SUA FORÇA, CONFORME ENTENDIMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – 3) AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA – NÃO CABIMENTO -TAL PRETENSÃO SÓ É POSSÍVEL EM CASOS EXCEPCIONAIS, DESDE QUE EVIDENCIADA VISÍVEL ATIPICIDADE DA CONDUTA, PRESENÇA DE CAUSA DE EXTINÇÃO DE PUNIBILIDADE OU ATÉ MESMO COMPROVADA INEXISTÊNCIA DE AUTORIA – INQUÉRITO POLICIAL É INDÍCIO MAIS QUE SUFICIENTE DE AUTORIA E DA MATERIALIDADE QUE PERMITE A DEFLAGRAÇÃO DA AÇÃO PENAL – NO MÉRITO – ABSOLVIÇÃO – PROVIMENTO - REFORMA DA SENTENÇA CONDENATÓRIA – CONSTA DOS AUTOS QUE EM 21/11/2017 UMA EQUIPE TÉCNICA TERCEIRIZADA DA CONCESSIONÁRIA LIGHT FOI À RESIDÊNCIA DA APELANTE INSPECIONAR O ABASTECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA – CONSTATOU-SE QUE OS LACRES DE SEGURANÇA DO MEDIDOR, AFIXADOS NOS PARAFUSOS DA TAMPA, APRESENTAVAM VESTÍGIOS DE MANIPULAÇÃO, E O CIRCUITO A E B SE ENCONTRAVAM CONECTADOS A DUAS PLACAS DE CIRCUITO IMPRESSO ACIONADAS POR CONTROLE REMOTO, PERMITINDO, ATRAVÉS DESSE DISPOSITIVO EXTERNO, INTERROMPER A MEDIÇÃO DE CONSUMO NAS TRÊS FASES – NO DIA DA INSPEÇÃO FOI LAVRADO O TOI (TERMO DE OCORRÊNCIA E INSPEÇÃO) - O MEDIDOR IRREGULAR FOI RETIRADO E SUBSTITUÍDO POR UM NOVO – TODAVIA, OS TÉCNICOS TERCEIRIZADOS DA CONCESSIONÁRIA DE ENERGIA MANIPULARAM O RELÓGIO MEDIDOR SEM A PRESENÇA DE PERITO OFICIAL, OU SEJA, NÃO SEGUIRAM O PROTOCOLO – AO CONSTATAREM A IRREGULARIDADE NO MEDIDOR DE ENERGIA, DEVERIAM TER LACRADO O COMPARTIMENTO ONDE SE ENCONTRAVA O MEDIDOR E EFETUADO O REGISTRO DE OCORRÊNCIA NA DELEGACIA POLICIAL, E NÃO RETIRAR O APARELHO MEDIDOR DE ENERGIA ELÉTRICA E SUBSTITUÍ-LO POR OUTRO – OS TÉCNICOS TERCEIRIZADOS DA CONCESSIONÁRIA AGIRAM DE FORMA IRREGULAR AO MANIPULAREM O RELÓGIO MEDIDOR SEM A PRESENÇA DE PERITO OU AGENTE DA LEI, SENDO O REGISTRO DE OCORRÊNCIA POLICIAL FEITO NOVE DIAS DEPOIS DA INSPEÇÃO DA EMPRESA, OU SEJA , NO DIA 30/11/2017- FATO QUE LEVOU A AUTORIDADE POLICIAL A INSTAURAR PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO PARA APURAR O OCORRIDO - SEGUNDO ENTENDIMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, COMPETE A CONCESSIONÁRIA O DEVER DE COMPROVAR A FRAUDE NO MEDIDOR, POIS O TOI (TERMO DE OCORRÊNCIA E INSPEÇÃO) UNILATERALMENTE EMITIDO PELA EMPRESA É INSUFICIENTE PARA EMBASAR A CONDENAÇÃO DO CRIME DE FURTO – NO PRESENTE CASO, NÃO HOUVE A PRESERVAÇÃO DO LOCAL DO CRIME E, POR CONSEQUÊNCIA, A PROVA DA MATERIALIDADE NÃO SE MOSTRA IDÔNEA PELA FALTA DE GARANTIA DA INCOLUMIDADE DO BEM POSTERIORMENTE REMETIDO À PERÍCIA – REFORMA DA SENTENÇA – REJEIÇÃO DA PRELIMINAR E, NO MÉRITO, PROVIMENTO DO RECURSO DEFENSIVO, PARA ABSOLVER A APELANTE, COM BASE NO ART. 386, INCISO VII, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL.

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos do apelo em que figuram como apelante Andrea de Oliveira Gonçalves e como apelado o Ministério Público. ACORDAM os Desembargadores que integram a Colenda Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em julgamento realizado em 04 de abril de 2023, por unanimidade de votos, em rejeitar as preliminares e, no mérito, em dar provimento ao recurso defensivo, para absolver a apelante Andrea de Oliveira Gonçalves, com base no art. 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, nos termos do voto da Desembargadora Relatora.