TJRJ Analisa Anotações de Maus Antecedentes e Exclui da Dosimetria

Ao julgar a Apelação Criminal em face da sentença condenatória por homicídio qualificado, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro deu parcial provimento ao recurso para excluir os maus antecedentes que foram equivocadamente considerados para aumentar a pena-base.

 

Entenda o Caso

O recurso defensivo foi interposto contra a sentença que negou ao acusado o direito de recorrer em liberdade e o condenou pela prática do crime previsto no artigo 121, §2°, I e IV, do Código Penal, à 14 anos de reclusão, em regime inicial fechado.

Na origem, a pena-base foi majorada para 15 anos considerando que o réu tem maus antecedentes e “O comportamento da vítima pode ter contribuído para a prática do delito”.

Na segunda fase do cálculo da pena foi considerada a atenuante da confissão espontânea e atenuada a pena em 01 ano, fixando-a por definitivo em anos. 

A restrição da liberdade na fase recursal foi fundamentada no faro de que “[...] esteve preso durante toda instrução criminal, não tendo sentido que após o decreto condenatório, quando já há juízo de reprovabilidade formado, lhe seja concedido o direito do apelo em liberdade”.

A Defesa alegou que a decisão é manifestamente contrária à prova dos autos com relação às qualificadoras – art.121, §2°, incisos I e IV, do Código Penal.

 

Decisão do TJRJ

A 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, sob voto da Desembargadora Relatora Suimei Meira Cavalieri, deu parcial provimento ao recurso.

A tese de que a decisão é contrária à prova dos autos pelo reconhecimento das duas qualificadoras do crime de homicídio foi rejeitada considerando o acervo probatório, bem como o princípio da íntima convicção característico do Tribunal do Júri.

Assim, concluiu que “[...] as qualificadoras do motivo torpe e do recurso que dificultou a defesa da vítima foram reconhecidas pelo Conselho de Sentença com esteio nas versões apresentadas no Tribunal do Júri”

Analisando a dosimetria destacou que as anotações criminais constantes nos autos não servem para caracterizar maus antecedentes ou reincidência, considerando o enunciado da Súmula nº 444 do Superior Tribunal de Justiça que dispõe: “É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”.

Quanto às qualificadoras consignou a orientação do Superior Tribunal de Justiça “[...] de que no delito de homicídio, havendo pluralidade de qualificadoras, uma delas indicará o tipo qualificado, enquanto as demais poderão indicar uma circunstância agravante, desde que prevista no artigo 61 do Código Penal, ou, residualmente, majorar a pena-base, como circunstância judicial”.

Por outro lado, no caso, considerou “[...] impossível o deslocamento da majorante sobejante para as demais etapas, com vistas a evitar a ocorrência de indevida reformatio in pejus”.

 

Número do Processo

0001717-62.2019.8.19.0071

 

Ementa

APELAÇÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO PELO MOTIVO TORPE E RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA. MATERIALIDADE E AUTORIA INCONTROVERSAS. ALEGAÇÃO DE DECISÃO MANIFESTAMENTE CONTRÁRIA À PROVA DOS AUTOS NO TOCANTE ÀS QUALIFICADORAS. INOCORRÊNCIA. PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL EM DECORRÊNCIA DE AÇÃO PENAL EM CURSO. MOTIVAÇÃO INIDÔNEA. 1) Segundo consta da denúncia, o acusado desferiu diversos disparos de arma de fogo contra a vítima Mateus de Lima Ribeiro, que veio a óbito em razão de lesões suportadas pelos projéteis. O crime doloso contra a vida foi cometido por motivo torpe, ou seja, vingança, uma vez que os envolvidos haviam entrado em luta corporal há aproximadamente uma semana, no mesmo estabelecimento onde ocorreu o delito. O delito também foi cometido mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, já que o réu apareceu de inopino no bar em que a vítima estava desarmada, surpreendendo-a, desde logo, com disparos de arma de fogo, empreendendo fuga logo em seguida, não dando as mínimas chances de reação ao ofendido. 2) Materialidade e autoria delitivas que restaram incontroversas, até mesmo diante da confissão do acusado em plenário do júri. 3) Vigora no Tribunal do Júri o princípio da íntima convicção, inclusive no tocante às qualificadoras; os jurados são livres na valoração e na interpretação da prova, somente se admitindo a anulação de seus julgamentos excepcionalmente, em casos de manifesta arbitrariedade ou total dissociação das provas contidas nos autos. Se a opção feita pelo Conselho de Sentença sobre as versões antagônicas apresentadas pela acusação e defesa encontrar respaldo em alguma prova dos autos – como no caso – não há que se falar em decisão manifestamente contrária à prova dos autos. Cumpre consignar que a valoração da prova – e nessa esteira, a credibilidade dos depoimentos – compete ao corpo de jurados. Não há como a Corte imiscuir-se nessa decisão, substituindo-se aos jurados, sob pena de invadir a soberania constitucional dos julgamentos do Tribunal do Júri, juiz natural da causa (CRFB/88, artigo 5º, XXXVIII, “c”). 4) Nessa linha de intelecção, encontrando supedâneo nos autos as qualificadoras do motivo torpe e de recurso que dificultou a defesa da vítima, mostra-se incabível a exclusão delas. O Supremo Tribunal Federal firmou orientação no sentido de que “o afastamento ou reconhecimento da existência de qualificadoras situase no âmbito da competência funcional do Tribunal do Júri, órgão constitucionalmente competente para apreciar e julgar os crimes dolosos contra a vida” (HC nº 66.334-6/SP, Tribunal Pleno). 5) Tendo sido narrado na denúncia e sustentado no Plenário do Júri que o acusado e a vítima haviam entrado em luta corporal na semana anterior ao homicídio, no mesmo estabelecimento onde ocorreu o delito, a verificação de a motivação do delito pela vingança ser abjeta ou não, ou, ainda, se o motivo reprovável se confunde com o motivo torpe, são matérias afetas ao Conselho de Sentença. Precedentes. 6) Pena-base que merece ser reconduzida ao mínimo legal, eis que ação penal em andamento não serve para caracterizar maus antecedentes ou reincidência, sob pena de malferimento ao princípio constitucional da presunção de não culpabilidade, à luz da orientação trazida pelo enunciado da Súmula nº 444 do Superior Tribunal de Justiça (“É vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base”). Precedente. Recurso parcialmente provido.

 

Acórdão

VISTOS, relatados e discutidos estes autos da APELAÇÃO CRIMINAL nº. 0001717-62.2019.8.19.0071, em que é apelante Emiliano Antunes Ferreira Júnior e apelado o Ministério Público, ACORDAM os Desembargadores que compõem a Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em sessão realizada no dia 15 de dezembro de 2022, por unanimidade, em dar parcial provimento ao recurso defensivo, nos termos do voto da Desembargadora Relatora.